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Direito a não ser pai?
Quando se estabeleceu que um dador não tem os direitos e os deveres de um pai, embora dê a conhecer a sua identidade, abriu-se a porta para que um homem possa reivindicar o mesmo estatuto quando uma gravidez aconteceu sem, ou mesmo contra, a sua vontade?
Em 2012, uma tese de mestrado acendeu a polémica.
Jorge
Martins Ribeiro, no âmbito da formação em Direitos Humanos na
Universidade do Minho, defendeu que a partir do momento em que a lei
portuguesa permite que as mulheres podem escolher abortar, ou não
abortar, impunha-se que também autorizasse os homens a recusar a
paternidade. Criticava "a justeza da imposição de uma parentalidade não
desejada, assente na política do facto consumado, de imposição da
paternidade a partir da verdade biológica, o que, por vezes, acabará por
não servir as pessoas envolvidas, muito menos a criança".
Sendo
assim, argumentava, "o pai deve poder recusar os efeitos jurídicos
daquela paternidade, com base nos mesmos argumentos que vigoram na
possibilidade que é dada à mulher de abortar, sejam razões de ordem
económica, profissional ou simplesmente porque não quiseram ser pais".
Um
ano depois, um homem obrigado pelo Tribunal de Cascais a assumir as
responsabilidades parentais de um filho utilizou estes argumentos para
apelar ao Supremo e depois ao Tribunal Constitucional que, no entanto,
não lhe deram razão. Para o TC justificava-se o tratamento diferente do
pai e da mãe. O comum dos mortais compreende a lógica da argumentação,
mesmo que possa não concordar com a premissa inicial, ou seja, que o
direito da mãe sobrepõe-se ao do feto, que só depois de nascer se torna
sujeito de plenos direitos. A partir de então, é a criança que tem
direito aos pais, e não o inverso, o que legitima que, mesmo contra a
vontade do pai ou da mãe, o Ministério Público procure descobrir quem é o
progenitor em falta, impondo-lhe que reconheça, e assuma senão o seu
cuidado direto, pelo menos o seu sustento.
Contudo havia
uma estranha exceção - as crianças que resultavam de doação de esperma
ou ovócitos. Esses bebés continuavam, para todos os efeitos, sem a
possibilidade de conhecerem a identidade dos seus progenitores
biológicos. Recorreu-se de novo ao Tribunal Constitucional que já em
2018 pôs fim à doação anónima, mas criou um regime novo para os dadores:
os filhos têm acesso à sua identidade, mas os dadores não possuem
quaisquer direitos ou deveres para com eles. Estava a pensar nisto tudo,
quando me ocorreu: se é assim, porque é que um homem que consiga provar
que objetivamente foi utilizado como dador ao vivo e a cores não pode
reivindicar o mesmo estatuto? Ou mesmo algum que apareça a dizer que fez
um acordo explícito nesse sentido com a vizinha do lado? Porque,
basicamente, pelo menos aos olhos de um leigo, parece ter-se
estabelecido a exata diferença que Jorge Martins Ribeiro pretendia
quando pedia que o pai biológico pudesse recusar efeitos jurídicos da
paternidade. Ou seja, assumir-se progenitor, mas nunca pai.
Bem
diz o juiz conselheiro Laborinho Lúcio que o melhor que pode acontecer a
uma criança é ser adotada pelos seus pais biológicos. Quando não é
assim, todas as soluções são más. Mas é preciso assumir que se tornam
ainda piores quando comprovadamente as mulheres fazem uso premeditado da
biologia para realizar um desejo que é só delas.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
28/08/18
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