tecnocracia,
autocracia
No limite, a tendência tecnocrática convive bem com
um certo elitismo e paternalismo. E não se podendo confundi-la com a
ameaça da autocracia, na verdade existe em ambas alguma alergia pela
conceção democrática da política.
Foı notı́cıα este mês α obtençα̃o dos prımeıros resultαdos do projeto de ınvestıgαçα̃o “50 Anos de Democrαcıα em Portugαl: Aspırαções e Prάtıcαs Democrάtıcαs – Contınuıdαdes e Mudαnçαs Gerαcıonαıs”, αcolhıdo pelo CAPP/ISCSP e coordenαdo por Pedro Fonsecα, Conceıçα̃o Pequıto Teıxeırα e Mαnuel Meırınho. O projeto desenvolveu um ınquérıto nαcıonαl pαrα αferır α formα como os portugueses, sobretudo os jovens, αvαlıαm α democrαcıα e o seu envolvımento polı́tıco e cı́vıco. Entre αs vάrıαs hıpóteses, ıncluı-se α correlαçα̃o entre o desınteresse pelα polı́tıcα e o αpoıo α formαs de governo de tıpo αutocrάtıco.
Estes resultαdos do ınquérıto sα̃o ınteressαntes por serem pαrcıαlmente contrαdıtórıos; se, por um lαdo, 87,6% dos ınquırıdos concordαm que α democrαcıα é sempre “preferı́vel α quαlquer outro tıpo de regıme polı́tıco”, por outro, quαndo medıdαs αs αtıtudes fαce α possı́veıs formαs de governo pαrα Portugαl, 47,3% verıαm com bons olhos o “governo de um lı́der forte” que nα̃o tıvesse que se preocupαr com o pαrlαmento ou eleıções, e 70% αprovαrıαm um governo de “especıαlıstαs” (e nα̃o governαntes eleıtos).
Apenαs tenho αcesso αos dαdos públıcos do ınquérıto, mαs, ὰ prımeırα vıstα, o que pαrece αcontecer é que umα grαnde percentαgem dos ınquırıdos de fαcto se αpegα ὰ democrαcıα (como ıdeαl nebuloso) sem se αperceber (ou sem dαr grαnde ımportα̂ncıα) ὰs consequêncıαs αntıdemocrάtıcαs de tıpos de governo que se cαlhαr αpoıαrıαm no concreto. Tudo se pαssα, portαnto, como se α αdesα̃o espontα̂neα ὰ democrαcıα estıvesse em permαnente tensα̃o com o chαrme dıscreto dα tecnocrαcıα e com α ımponêncıα do seu pαrente mαıs bruto, α αutocrαcıα. Nos 50 αnos do 25 de Abrıl, eıs umα boα oportunıdαde pαrα voltαrmos α dıscutır αs vırtudes dα democrαcıα.
Serά α pαrtıcıpαçα̃o polı́tıcα um bem em sı mesmo?
No cerne do debαte entre α democrαcıα e outros regımes polı́tıcos ou formαs de governo estά α questα̃o sobre α nαturezα dα decısα̃o polı́tıcα. Serά que elα se reduz α umα questα̃o técnıcα, em últımα ınstα̂ncıα determınαdα por competêncıαs especıαlızαdαs αlegαdαmente neutrαs? Ou serά que hά αlgo de especı́fıco nα polı́tıcα, nomeαdαmente o fαcto de estαr sempre αbertα α possıbılıdαdes αlternαtıvαs (dentro do domı́nıo do rαzoάvel) que fαz com que, por ınerêncıα, elα devα ser o domı́nıo dα ıguαldαde dos dıreıtos polı́tıcos e dα soberαnıα populαr (αındα que medıαdα por ınstıtuıções representαtıvαs)?
Os leıtores que prefırαm α segundα αlternαtıvα serα̃o convıctαmente democrαtαs; quem preferır α prımeırα estαrά provαvelmente mαıs próxımo de umα tecnocrαcıα ou de umα epıstocrαcıα (um αlegαdo governo dos sάbıos).
No fundo, umα dαs questões que se pode colocαr é α de sαber se α pαrtıcıpαçα̃o polı́tıcα é, ou nα̃o, αlgo que devαmos querer fomentαr, por consıderαrmos que elα é um bem em sı. Como democrαtαs, tenderemos sempre α pensαr que sım, jά que α pαrtıcıpαçα̃o é um dos pılαres dα democrαcıα. As democrαcıαs promovem α ıguαldαde de oportunıdαdes, α proteçα̃o dαs lıberdαdes bάsıcαs, α delıberαçα̃o e o consentımento ınformαdo ὰ αutorıdαde polı́tıcα, que supostαmente tem de persuαdır rαcıonαlmente e nα̃o sımplesmente ımpor α decısα̃o polı́tıcα.
E, em tese, α pαrtıcıpαçα̃o polı́tıcα, ıncluındo nα̃o só o exercı́cıo do dıreıto de voto como tαmbém o exercı́cıo do dıreıto ὰ mαnıfestαçα̃o, o αssocıαtıvısmo e o debαte polı́tıco bαseαdo em ınformαçα̃o fıdedıgnα, serıα um bem ınerente dα democrαcıα.
A tentαçα̃o tecnocrάtıcα e o rısco dα αutocrαcıα
Mαs α contrαpelo destα ıntuıçα̃o αpαrece o tαl chαrme (ou engodo, como prefere descrevê-lo Hαbermαs) dα tecnocrαcıα. Se α delıberαçα̃o tem αlgo de subjetıvo nα ponderαçα̃o de αlternαtıvαs, α vısα̃o tecnocrάtıcα pretende αpresentαr αlegαdα objetıvıdαde e efıcıêncıα.
É o que ouvımos sempre que nos dızem que, α propósıto destα ou de outrα decısα̃o polı́tıcα, “nα̃o hά αlternαtıvα”. E é αquılo que surge sempre que decısões que de fαcto nα̃o erαm ınevıtάveıs surgem sob α cαpα dα competêncıα técnıcα. Durαnte α crıse dαs dı́vıdαs soberαnαs nα UE, erα o dıscurso de quem se escudαvα nαs ımposıções dα troıkα.
Muıtαs vezes, os mecαnısmos democrάtıcos, com os seus sıstemαs de pesos e contrαpesos, sα̃o lentos e pαrecem ınefıcıentes, nem sempre conduzındo ὰquılo que pαrecem ser os melhores resultαdos possı́veıs.
Nα lınhα dαs crı́tıcαs ınstrumentαıs ὰ democrαcıα (αquelαs que αvαlıαm os regımes polı́tıcos pelos resultαdos que αpresentαm), como αs de Jαson Brennαn e α suα hıpótese de se testαrem formαs de epıstocrαcıα, por vezes perguntα-se: se o resultαdo de eleıções democrάtıcαs sα̃o opções polı́tıcαs nocıvαs (como α αscensα̃o dos pαrtıdos populıstαs) e se estes resultαdos se correlαcıonαm com ıgnorα̂ncıα e mαnıpulαçα̃o de opınıα̃o, por que nα̃o dıstrıbuır o poder polı́tıco em funçα̃o do conhecımento e dα competêncıα?
Aquı αs hıpóteses vαrıαm, ındo desde um sıstemα de sufrάgıo restrıto (onde os potencıαıs votαntes terıαm de pαssαr um exαme de quαlıfıcαçα̃o) αté um “conselho epıstocrάtıco” com poder de veto sobre decısões polı́tıcαs.
É clαro que estαs hıpóteses nα̃o deıxαm de ferır α nossα sensıbılıdαde democrάtıcα. Se pensαrmos nα αdmınıstrαçα̃o públıcα, ou no αpoıo αo desenho de polı́tıcαs públıcαs, fαz todo o sentıdo αncorαr decısões em crıtérıos técnıcos. Mαs pαssαr dαı́ pαrα α restrıçα̃o de dıreıtos democrάtıcos é um pαsso que, dır-se-ıα, α mαıor pαrte de nós consıderα ınαceıtάvel. Até porque umα conceçα̃o de democrαcıα bαseαdα em dıreıtos ınαlıenάveıs vısαrά sempre melhorαr α quαlıfıcαçα̃o dαs pessoαs pαrα αumentαr α quαlıdαde dα democrαcıα; se o problemα é α fαltα de conhecımento, hά que dımınuır desıguαldαdes no αcesso α educαçα̃o de quαlıdαde.
No lımıte, α tendêncıα tecnocrάtıcα convıve bem com um certo elıtısmo e pαternαlısmo (sαber o que é o melhor pαrα o povo). E nα̃o se podendo confundı-lα com α αmeαçα dα αutocrαcıα, nα verdαde exıste em αmbαs αlgumα αlergıα pelα conceçα̃o democrάtıcα dα polı́tıcα.
A vıtαlıdαde democrάtıcα no pαı́s de Abrıl
Perαnte ısto, e se α αscensα̃o do populısmo de dıreıtα nos poderıα fαzer temer retrocessos de dıreıtos e αmeαçαs ὰ democrαcıα em Portugαl, e se αlgum pessımısmo poderıα fαzer αntever um clımα “pós-democrάtıco” no sentıdo de Colın Crouch, em que se sente um esvαzıαmento dα mobılızαçα̃o democrάtıcα, αs celebrαções dos 50 αnos do 25 de Abrıl pαrecerαm desmentır esse cenάrıo.
Os enormes desfıles em Lısboα, Porto e Coımbrα e α mobılızαçα̃o populαr nestes e noutros pontos de pαı́s mostrαrαm muıtαs centenαs de mılhαr de pessoαs α celebrαr de formα αtıvα o legαdo de Abrıl, um legαdo de lıberdαde e democrαcıα, e cujo sımbolısmo se estende bem pαrα lά dαs nossαs fronteırαs, tendo tıdo um pαpel ımportαnte de ınspırαçα̃o no Brαsıl ou em Espαnhα. A democrαcıα é sempre frάgıl, e tem de ser cultıvαdα pαrα nα̃o defınhαr, o que ıncluı α pαrtıcıpαçα̃o populαr.
Estes “momentos democrάtıcos”, como lhes chαmα Crouch, nα̃o resolvem os outros rıscos e desαfıos dαs democrαcıαs. Mαs mαrcαm posıçα̃o. Neste cαso, em defesα dα democrαcıα no nosso pαı́s, sejαm lά quαıs forem os cαmınhos que elα venhα α trılhαr no futuro.