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ESTA SEMANA NO
"EXPRESSO"
Sexo depois dos 50 é importante?
"Claro", dizem os especialistas
Uma sentença judicial polémica em Portugal pôs esta semana meio país a discutir a importância do sexo após os 50 anos e a qualidade dos juízes que se sentam nos nossos tribunais. Fomos falar com sexólogos para saber o que pensam.
A cirurgia deixou-a incapaz de ter uma vida sexual
normal. Pediu uma indemnização, o valor foi reduzido para metade, e
agora voltou a ser reduzido, porque, segundo os juízes, entre outras
coisas a senhora já tinha 50 anos quando foi operada, ou seja, "uma
idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades
mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade
avança".
Afinal, o sexo depois dos 50 é menos importante ou a sentença é mesmo disparatada? Fomos ouvir especialistas.
Jorge Cardoso, psicólogo e sexólogo, afirma que estamos
perante uma situação que não só revela falta de informação acerca da
sexualidade humana, como representa uma "distorção do conhecimento sobre
a sexualidade". Decisões como esta que os juízes tomaram assentam em
"premissas falsas" e transformam a sexualidade em "apanágio de um
determinado nicho etário, o da gente nova".
Depois dos 50, a experiência sexual pode ser ainda mais gratificante
A ideia de que a partir de determinada idade "apagamo-nos da
sexualidade" está, de acordo com o sexólogo, "desfasada da realidade".
"A experiência sexual das pessoas com 50, 60 anos pode ser mais
prazerosa do que a das pessoas mais novas, precisamente por ser mais
demorada. É isso que faz com que seja mais gratificante para as
mulheres, sobretudo se ao seu lado tiverem parceiros que ejaculem mais
rápido.Com a idade, a ejaculação nos homens dá-se mais tarde, e o tempo
de envolvimento sexual é, portanto, superior, permitindo à mulher
atingir o orgasmo e os mesmos níveis de satisfação sexual que atingia no
passado". De acordo com o sexólogo, ainda que a atividade sexual
diminua com a idade, por razões que, no caso das mulheres, podem estar
relacionadas com a menopausa, questões hormonais ou outras
"circunstâncias de vida" - poder-se-á talvez "sentir mais confortável na
relação e não haver uma necessidade tão grande de envolvimento sexual" -
isso não significa que "se retire menos prazer" e que a experiência
seja menos "gratificante".
A decisão é "lamentável, inapropriada e de um mau gosto atroz"
Para Marta Crawford, sexóloga, este acórdão é "insólito". "Estamos
perante um parecer que, aparentemente, se baseia nessa ideia antiga de
que as mulheres depois da menopausa perdem desejo, vontade e prazer na
vida sexual". Mais uma vez, é evocada a "falta de informação dos
juízes", que deveriam ter consultado um especialista antes de tomarem
qualquer decisão no âmbito deste caso. "Sempre aprendi que quando não
sei sobre determinado assunto, vou informar-me para poder ser justa". A
sexóloga classifica a situação de "lamentável, inapropriada e de um mau
gosto atroz". "A sexualidade não tem prazo de validade. Cientificamente
sabe-se que a relação sexual é boa enquanto cada um assim o quiser.
Aliás, a tendência é para que seja melhor com a idade, porque as pessoas
têm mais disponibilidade, compreendem melhor o próprio corpo, e têm
outras preocupações que não, por exemplo, a da gravidez, e isso é muito
libertador". A sexualidade é, na sua opinião, "a energia mais íntima que
temos", e nenhuma mulher deve ser privada disso.
O caso é aqui contado em detalhe:
O Supremo Tribunal Administrativo reduziu o valor da indemnização que
deverá ser paga a uma doente que se submeteu, há 19 anos, a uma cirurgia
que a deixou com lesões consideráveis, impedindo-a de ter uma vida
sexual considerada normal. Um dos argumentos usados pelo tribunal para
justificar a decisão foi o de que a doente "já tinha 50 anos e dois
filhos", ou seja, "uma idade em que a sexualidade não tem a importância
que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à
medida que a idade avança".
Em Maio de 1995, a senhora submetia-se a uma
intervenção cirúrgica, na Maternidade Alfredo da Costa, para tratar um
problema ginecológico que lhe causava, com frequência, infeções e dores.
Durante a cirurgia, foi-lhe danificado o nervo pudendo esquerdo, que
controla a continência urinária e fecal. A senhora ficou, portanto, com
problemas de "incontinência ou retenção urinária e fecal", segundo o
acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. Mas não é tudo. Ficou também
com dificuldades em sentar-se e andar, dores e mau-estar constante e
"perda de sensibilidade e inchaço na zona vaginal", o que veio diminuir a
sua atividade sexual.
Tudo isso veio provocar-lhe, ainda segundo o acórdão,
"um quadro depressivo grave", que se manifesta num "profundo desgosto e
frustração", tendo sido inclusive ponderada a hipótese de suicídio. Na
altura, a senhora, que é casada, alegava também danos patrimoniais, isto
é, despesas médicas e despesas com a contratação de uma empregada, pois
via-se incapaz de fazer as tarefas domésticas.
O erro, que resultou numa "incapacidade permanente
global de 73%", relativamente a danos não patrimoniais (segundo o
acórdão) foi detetado quatro anos depois da cirurgia.
Em 2011, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu
atribuir-lhe uma indemnização de 172 mil euros, menos de metade do valor
exigido pela queixosa. A Maternidade Alfredo da Costa recorreu da
decisão. Na altura, alegou que as lesões assinaladas não tinham sido
causadas pela cirurgia, mas pelos dois partos que tivera e por uma
intervenção cirúrgica anterior.
Agora, a indemnização foi reduzida para 111 mil euros.
Os juízes alegam que o problema ginecológico é "antigo", anterior à
intervenção cirúrgica, e que já antes a senhora tinha "dores
insuportáveis e sintomas depressivos". Além disso, defendem também - e
este é o argumento central, pela controvérsia que tem gerado - que a
doente, à data da operação, "já tinha 50 anos e dois filhos", ou seja,
"uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em
idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a
idade avança".
* Voltamos a esta notícia pelo nojo que nos causa a sentença dos juízes do Supremo Tribunal Administrativo.
** No ano em que entrou em vigor a Convenção de Istambul
que versa sobre todas as formas de violência contra as mulheres, a
justiça portuguesa fez jurisprudência talibã sobre o prazer feminino. (Excerto de artigo de opinião da deputada Isabel Moreira, editado no "Expresso" a 18/10/14.)
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