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09/02/2024
PATRÍCIA CALCA
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Identidade e corrupção,o que está errado?
Em “democracia não há espaços vazios”. Daí que muitos movimentos, tornados partidos e com representação parlamentar, sejam os herdeiros quase naturais de uma desestruturação do sistema.
Sabemos, pelo menos quando estudamos Ciência Política, que as percepções dos cidadãos são mais benevolentes para com os partidos políticos de quem são simpatizantes ou em que votaram. Portanto, fazer análises de grande envergadura, ou seja, com muitos respondentes, implica sempre ter este enviesamento em consideração.
Curiosamente, ou não, quando falamos de percepções sobre corrupção algo similar acontece. Por exemplo, no artigo que publiquei em conjunto com dois investigadores sobre corrupção e futebol, disponível aqui, provamos empiricamente que o maior ou menor interesse no desporto não é influenciado pela percepção de corrupção que possa existir no seu clube de preferência.
Não querendo fazer-vos chegar a conclusões cujos dados não nos permitem fazê-lo, parece-me que há aqui uma componente identitária que claramente direcciona as nossas percepções. Sendo que não nos podemos esquecer da agenda mediática, experiências vividas, etc.
Também sabemos que há um constante descrédito nos partidos ditos tradicionais, e eu avançaria que o “clubismo partidário”, “partitocratite”, etc., têm diminuído, fazendo com que haja uma menor identificação partidária por parte de várias franjas da população, inclusive jovens, indivíduos que normalmente não votavam e/ou com um voto, por norma, volátil.
Um aspecto interessante: isto acontece numa linha mais ou menos idêntica com o que aconteceu nos processos de declínio da sindicalização, apesar de aí haver razões conhecidas e distintas, pelo que acredito que o movimento nem sequer esteja desconectado, apesar de essa ser uma outra conversa.
Portanto, e como tanto se diz na gíria, em “democracia não há espaços vazios”, chegam-nos outros movimentos identitários (apesar de, muitas vezes, haver uma variedade de alvos, argumentações ideologicamente distintas e até contradições), anti-sistema, verdadeiramente, uma “outra identidade”.
Muitos destes movimentos, tornados partidos e com representação parlamentar, e até executiva, são os herdeiros quase naturais de uma desestruturação do sistema. Sobre o caso português, é interessante olhar para um artigo aqui sobre a ascensão da extrema-direita em Portugal nos últimos anos, e aqui sobre a história recente da mesma.
Ao utilizarem tópicos caros à população, como a corrupção e a imigração, estes movimentos, no geral, acabam por simplificar realidades que são complexas, não a preto e branco. Sendo assim, podem navegar numa espécie de forma de olhar o mundo (identidade) que é o não alinhamento tradicional ou realinhar outras identidades um pouco menos fortes.
Nesta alienação e “reagrupamento”, as instituições políticas têm responsabilidades: há um distanciamento e elitismo que falha para com alguns dos cidadãos comuns, dispostos a abrir uma caixa de Pandora por oposição a manter tudo na mesma. Acende-se um fogo em casa que não sabemos onde parará, pode arder só um bocado, pode não sobrar pedra sobre pedra.
Mas, uma coisa é certa, no final, seja qual forem o resultado, todos nós teremos que lidar com as consequências que se avizinham: os custos costumam ser colectivos, apesar de não gerais, os dividendos é que não.
* Politóloga, ISCTE-IUL
IN "JORNAL ECONÓMICO" - 07/02/24.