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Saúde Mental
cada vez mais
uma prioridade
Esta sociedade massificada que rejeita e ignora aquilo que produz não está longe do conceito, "longe da vista , longe do coração"
Crescemos ensarilhados em crenças e ideias preconcebidas , atravês de
uma educação continua que, em muito, se assemelha ao processo de
domesticação, e nos afasta progressivamente da nossa verdadeira
natureza.
Pela minha experiência de vida e clinica, acredito que muitas pessoas
não se conhecem verdadeiramente, apenas se reconhecem atravês da imagem
que assumiram, algo semelhante a uma máscara que se coloca, não por
vontade própria, mas por impossibilidade de tocar na essência, e
construir-se a partir daí.
Independentemente da perspetiva biopsicosocial , onde a cultura e a
ética se enquadram naturalmente, existem valores que emergem da
religião e se entranham na cultura, tornando-se progresivamente pilares
educativos basilares.
Dando o exemplo do sentimento de culpa. Este nasce e associa-se à noção
de bem e de mal e à crença de que o pecado é nocivo, maléfico,
maquiavélico e diabólico. Familias e familias acreditaram e acreditam
neste conceito. Transmitiram-no de geração em geração e ensinaram que o
bem deve ter visibilidade enquanto o mal, se acontecer, que aconteça bem
escondido, de forma a que ninguém dê por nada, "longe da vista , longe
do coração", "quem não vê não peca". No juizo final , as contas serão
ajustadas, mas por agora, vamos saltitando de máscara em máscara,
acreditando que este é o caminho certo.
Só que esta atitude de visibilidade da imagem e anulação da vontade
própria , apadrinhada pela envolvência, tem custos muito altos na saúde
mental das populações.
São inúmeras as situações, associadas a perturbações psicoemocionais
que na base, de um enorme sofrimento, se encontram sentimentos de
culpa e de lealdades preversas, desenvolvidas no decurso do
crescimento, em fases cruciais da formação pessoal. Culpa por não
conseguir amar um pai/mãe agressor(a), violento(a) ; culpa por não
perdoar à mãe/pai o seu egoismo de o/a querer só para si,
impossibilitando o curso normal do crescimento; culpa por ter sido
abusado/a sexualmente, por alguém próximo em quem confiavam ; culpa por
não fazer os outros felizes; culpa por não amar o marido/mulher,
apesar das mil e uma razões, para o amor já não existir; culpa por não
ser o aluno/a brilhante que se acredita ser desejo dos outros; culpa por
não se sentir feliz, apesar de todas as oportunidades; culpa por se ser
quem se é.
E é neste desejo incessante de agradar e agir em conformidade, que se
anula, precocemente, a possibilidade de cada um se reconhecer na sua
identidade, e de ser aceite na sua heterogeneidade. Não existem
pessoas perfeitas, logo não existem pais, filhos, irmãos, amigos,
conjuges perfeitos. Como seres humanos que somos, permanecemos em
construção desde o nascimento até à morte, e é neste ciclo inevitável
que encontramos espaço para o autoconhecimento e respectiva evolução.
Os ciclos de perturbação mental, muitas vezes diagnosticados
tardiamente, ou mesmo nunca identificados, criam uma espiral patológica,
com consequências gravissimas na saúde das familias e da sociedade
geral.
A situação socioeconomica que vivemos actualmente, resulta de um
conjunto de opções, politicas e macroeconómicas, mas acredito que um
investimento claro e assumido, sem culpas, na saúde mental das
populações, com estratégias de continuidade, pensadas para além dos
calendários eleitorais, poderia a médio prazo começar a fazer diferença,
nos resultados globais.
Esta sociedade massificada que rejeita e ignora aquilo que produz, numa
atitude xenófoba de eliminar o que na sua otica está a mais, não está
longe do conceito, " longe da vista , longe do coração".
Continua-se a não considerar prioritário a intervenção na saúde mental.
Continua-se a culpar tudo e todos, do que a todos diz respeito.
Caminhamos muito lentamente para fazer face às necessidades básicas. É
preciso mais determinação e consistência.
Pessoas mentalmente s sãs , são pessoas mais ativas, positivas,
otimistas, dinâmicas, criativas e capazes de superar mais fácilmente as
adversidades.
Não é de pessoas assim que Portugal precisa para se reencontrar?
A resposta existe. Haja consciência da sua necessidade!
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
03/11/12
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