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Não,
definitivamente, sou incapaz de escrever Abril sem maiúscula. Foi o mês
do meu nascimento e do meu renascimento. Quero que o acordo ortográfico
vá às malvas. Abril é Abril. É e será sempre Abril.
Nasci em
Abril de 60, renasci em Abril de 74. Os livres do Eusébio, as fintas do
Simões, a irreverência do Artur, a soberania do Humberto, a fineza do
Nené diziam-me encantamento, provocavam-me feitiço.
Mas, lá em
casa, tertúlias intelectuais despertavam-me também consciência política.
Fui ao Festival de Vilar de Mouros, tinha 11 anos, distribuí panfletos
da CDE, era o meu tio, médico de profissão, candidato a deputado, depois
de preso político, pela oposição democrática. Soube do Congresso de
Aveiro, os meus pais e o Zeca Afonso estiveram juntos para meu
aprazimento.
Naquele dia, irrompi pela sala dos professores e
proclamei o triunfo da democracia. Estava tudo incrédulo. Um puto de 14
anos, desaforado e temerário, explicava as movimentações que ocorriam na
distante Lisboa.
Tagarelei persuasão, cantei o hino nacional e sibilei o Je T’aime Moi Non Plus, esse mesmo que estava proibido, mais aquela Jane Birkin a arfar com chamamento erótico. Também aclamei a excelência do Combate Sexual da Juventude, do igualmente proscrito Wilhelm Reich, guardado com afeta na minha biblioteca clandestina.
Quatro décadas volvidas, a frustração é total. Valem os golos do
Rodrigo, os dribles do Gaitán, a sabença do Luisão, a classe do Enzo. Só
que a ditadura voltou, cínica, impúdica. Na versão fiscal, na contorção
das elementares regras do humanismo, na hipoteca de liberdades e da
soberania nacional. Abril está a ser violentado. Ainda assim, merece
continuar a ser maiusculado.
IN "DESTAK"
27/04/14