"Save
the date", lê-se no envelope. Um convite para mais um casamento, pensa,
enfastiada, a destinatária. Mas não. Uma amiga da faculdade,
recém-divorciada, decidiu festejar à grande o fim do casamento e não se
poupou a despesas para que o mundo inteiro soubesse que se tinha
finalmente livrado do marido. Não faltou sequer o bolo - a foto acabaria
partilhada em tudo o que é rede social -, decorado muito a propósito: o
noivo caído na última camada de maçapão branco, como se tivesse levado
uma sova, e ela, a noiva, vitoriosa e feliz no topo.
Estes inícios de história são cada vez mais frequentes nos EUA e no
Brasil, onde as festa de divórcio estão em alta e onde não faltam
empresas dedicadas a organizar o grande dia. Por cá não serão tantas,
mas o nicho de mercado começa a ser explorado e os portugueses estão
decididos a aderir à ideia.
A Mundial Eventos é uma das empresas que em Portugal organizam festas
de divórcio e os seus números mostram que não estamos assim tão longe
de competir com brasileiros e americanos. Por cada 15 despedidas de
solteiro, esta empresa organiza uma festa de divórcio.
Pedro Raposo, responsável da empresa sedeada em Cascais, garante que
desde que o projecto surgiu, há seis anos, o negócio "tem vindo a
crescer gradualmente". Para o futuro não tem grandes dúvidas: a
tendência é haver mais festas de divórcio em 2014, se a "lógica
crescente ao nível cultural" se mantiver.
Mas quem é que pede ajuda para celebrar o divórcio? "Os homens com
idades entre os 28 e os 42 anos" são os que mais recorrem aos seus
serviços e na maioria dos casais os clientes "fazem as festas em
separado". De acordo com a sua experiência, Pedro Raposo acredita
tratar-se de clientes que terminam as relações "sem ressentimentos ou
rancor", e daí a sua predisposição para festejar.
No que respeita à festa propriamente dita, não há limites para a
imaginação: a vontade do cliente é soberana. O tema, a ementa e o bolo
são variados e apresentados em packs, mas o cliente pode pedir um
serviço personalizado. O custo do serviço começa nos 9,49 euros por
pessoa e varia consoante aquilo que o cliente desejar. Seja em
restaurantes, seja em embarcações, em parques temáticos ou na casa do
cliente, a diversão é garantida.
António Nunes e a ex-mulher fazem parte do universo de pessoas que
resolveram festejar o fim do casamento, muito antes de a moda ter pegado
nos EUA. Ao fim de 20 anos de casamento, o divórcio chegou nos anos 90.
A relação, conta ao i, acabou por "mútuo consentimento". Sem
mágoas. António recorda-se perfeitamente do dia em que se divorciou:
"Estava um dia bonito e a conversa com o conservador até foi agradável.
Eu e a minha ex-mulher saímos do notário, olhámos um para o outro e
seguimos para um restaurante. Fomos beber uns copos", conta. António
afirma que o almoço serviu para selar o momento e "consolidar a amizade"
que ainda hoje conservam.
uma espécie de luto
Luís
Miguel Neto, psicólogo, considera que estas festas podem ser encaradas
como uma nova forma de fazer o "luto da relação". E, como o próprio
refere, "não é por se tratar de uma festa que é menos legítima".
Tal como tantos outros rituais que marcam o casamento, as festas de
divórcio podem ser encaradas como uma "ritualização nas relações".
Segundo este especialista - que diz ser a favor deste tipo de festas -, o
"aspecto de celebração é muito importante nas diferentes fases das
relações". Os divórcios não são excepção.
"As separações, mesmo quando não são litigiosas, marcam uma nova
forma de repensar a vida. E a sensação de perda pode ser diminuída por
estas festas, que introduzem mais racionalidade na relação, criando uma
perspectiva sobre a realidade", explia ao i o psicólogo.
Além disso, Luís Miguel Neto acredita que este tipo de eventos pode
"ser decisivo para marcar a identidade e o carácter das pessoas",
sobretudo nos casos em que as relações são conturbadas. "Se as coisas
acabam, não têm de ser vividas com peso", acrescenta.
Apesar de, aos poucos, estes festejos começarem a entrar no
quotidiano de muitas pessoas, as festas de divórcio continuam a ser
olhadas com desconfiança. Provocação ou acto de mau gosto, as
caracterizações não faltam a quem quer criticar a decisão de celebrar o
fim do casamento.
Questionado sobre a resistência que a maioria dos portugueses ainda
tem a este tipo de eventos, o psicólogo diz ser "natural haver pessoas
que resistam ao triângulo das festas de divórcio". Porquê? Porque "a
cultura portuguesa é muito colectivista". "A cultura nacional vive em
diferentes fusos temporais e é natural que haja vozes que por vezes
lembrem mais a Idade Média e outras que se insiram mais dentro da
modernidade, dos valores de autonomia, da liberdade e do crescimento
pessoal", termina.
* Super marketing, ninguém escapa.
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