A magia das exportações
A única boa notícia no processo de ajustamento em curso da economia
portuguesa é, sobretudo no último trimestre, o comportamento positivo
das exportações e, em especial, o aumento do grau em que estas compensam
as importações (a chamada taxa de cobertura).
Daí até amarrarmos
todas as nossas esperanças de saída da crise nesta variável foi um
exagerado ápice – para evitarmos a nossa proverbial alternância cíclica
entre euforia e depressão, convirá assim precisar alguns detalhes
naquele novo estado da nossa alma colectiva…
Comecemos por
reconhecer dois factos. Primeiro, que é de facto nos mercados externos
que, dada a debilidade do nosso mercado interno, poderá residir o motor
essencial da nossa economia (dispensar-me-ei de retomar aqui
considerações sobre o novo-riquismo parolo com que desprezámos, anos a
fio, a tradição exportadora que tivéramos, sobretudo a partir do norte
de Portugal…). Depois, que a entrada em funcionamento do Euro veio
acompanhada (não só em Portugal) por uma explosão do crédito que
estimulou as importações (de dentro e de fora da UE - União Europeia) de
forma desproporcionada face ao aumento das exportações, assim reduzindo
a taxa de cobertura.
O ano de 2009 foi um ano de plena crise
internacional e europeia e que conheceu um ajustamento brutal de todos
estes fluxos comerciais; as reduções das exportações nacionais quer para
a UE quer para o resto do mundo foram drásticas e acompanhadas por
reduções ainda maiores das importações, sobretudo das originadas fora da
Europa. Desde então, assiste-se a uma progressiva recuperação das taxas
de cobertura, sobretudo no comércio com a UE: no ano de 2010, e para o
total do comércio externo, aquele indicador atingiu 64,4%, chegando a
73,3% em 2011 (74,4% no tocante ao comércio com a UE), valores estes que
se constituíram em máximos históricos deste século.
Conclusões
mais claras requereriam uma análise detalhada da composição destes
fluxos, nomeadamente do contributo relativo das exportações automóveis e
de produtos petrolíferos; a este nível de abordagem geral, pode contudo
concluir-se que o comportamento das exportações nacionais nos primeiros
meses do ano reflecte, acima de tudo, a retoma da trajectória
interrompida em 2009 (note-se, por exemplo, que só em 2011 conseguimos
ultrapassar em valor o que já exportávamos em 2007).
A meu ver, e mais do que a ‘explosão das exportações’, as duas notas mais marcantes da evolução recente são:
•
Uma visível reorientação das exportações para os mercados de fora da
UE, reforçando uma essencial tendência de diversificação (é fora da
Europa que estão os mercados pujantes) que se vem manifestando desde
2004/2005;
• Uma quebra forte das importações, sobretudo quando
oriundas de fornecedores europeus, que, sendo necessária, é também
consequência da violenta recessão instalada por via do esmagamento
brutal da procura e do investimento domésticos.
Prosseguir no
aprofundamento destas questões – designadamente, a de avaliar até que
ponto a retoma das exportações já estará mesmo constituída num vector
estruturante de dinamização da economia ou a da sustentação a prazo da
referida contracção das importações – seria tema para uma série de
artigos. Fico-me pelo sublinhado de uma certeza: a de que Portugal não é
a ‘pequena economia aberta’ em que se continua a insistir mas sim, por
referência ao espaço europeu em que nos inserimos, uma economia
claramente mais fechada do que a média, isto é, uma economia em que a
escassa riqueza gerada o é dominantemente no fraco mercado interno –
ilustrando: enquanto o nosso comércio externo representa 37,4% do PIB, o
valor equivalente para a Irlanda é de 94,9%, para a Bélgica de 84,2%,
para a Holanda é de 78,6%, para a Hungria de 88,8%, para a República
Checa de 72,8%, sendo até a Alemanha, com o seu poderoso mercado
interno, uma economia mais aberta do que a nossa (47,7%).
Decorre
da observação anterior o carácter duplamente errado da tentativa de
reforço e consolidação da evolução das nossas exportações através do
esmagamento brutal de salários: por um lado, porque deteriora as bases
substantivas da nossa competitividade externa e, por outro lado, porque
contribui para a destruição do frágil mercado interno com base no qual
afinal sobrevivemos. Para a consolidação e reforço do seu perfil
exportador, o país carece de receitas bem mais sofisticadas do que as
que estão em curso, sob pena de não conseguirmos mais do que uma marcada
desagregação da sociedade portuguesa...
IN "SOL"
23/07/12
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