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A esquina do Rio
Uma das mais importantes exposições de fotografia deste ano abriu agora em Lisboa, no Museu Berardo, e estará patente até 7 de Outubro
Back to basics
A música é o vinho que enche o copo do silêncio.
Robert Fripp
O arame
Resumo
da semana política: em vésperas da feitura do Orçamento do Estado para o
próximo ano, o Bloco procura espaço, o PC dá vitaminas aos sindicatos e
às suas greves, Costa sacode água do capote das negas que vai dando,
Rio faz exercícios de aquecimento e Marcelo lança foguetes de
sinalização. A geringonça está com falta de óleo nas engrenagens e Costa
insinua a possibilidade de crise, deixa cair que pode ir a eleições
tentar a maioria absoluta se a coligação de esquerda romper ou, se
necessário for, procurar encosto em Rui Rio. O país anda preso por
arames - o endividamento aumenta, o crédito ao consumo voltou a
disparar, a corrupção em organismos públicos grassa, a judiciária
investiga partidos, o ministro da Educação escolheu a época de exames
para andar em parte incerta e deixar a liderança do ensino a Mário
Nogueira, o aeroporto de Lisboa (que é o motor da galinha de ovos de
oiro do Turismo) está num caos, houve mais greves nos últimos dois meses
do que no ano anterior inteiro. A única coisa que funciona
verdadeiramente bem é a propaganda do Governo. O exercício de poder está
a assemelhar-se ao desbobinar de um rol de promessas. Como ouvi numa
conversa esta semana, deixem-nos lá entreterem-se uns com os outros.
Semanada
• Seis organismos públicos foram alvo de investigações sobre corrupção no espaço de um mês
• o valor em crédito ao consumo concedido pelos bancos aumentou 6,9% em Maio, face a igual mês do ano passado
• a dívida do Estado português subiu 300 milhões em Maio, atingindo um novo recorde de 250.313 milhões
• o número de reclamações dos passageiros do transporte aéreo aumentou 35% em 2017
•
o organismo que fiscaliza os subsídios atribuídos pelo Estado considera
que os organismos públicos dão apoios sem rigor nem objectividade
•
o número de acidentes com automóveis sem seguro cresceu 14% no primeiro
trimestre deste ano, em comparação com o período homólogo do ano
passado; em 2017, foram concedidas 46.827 licenças de uso e porte de
armas de caça, cerca de mais 11 mil que no ano anterior
•
a primeira análise às contas da gestão de Bruno de Carvalho no Sporting
detectou dívidas a fornecedores de, pelo menos, 40 milhões de euros
• soube-se
esta semana que a mais valiosa colecção de fotografia portuguesa, do
ex-BES, agora à guarda do Novo Banco, está em más condições de
armazenamento e a deteriorar-se.
Dixit
"O mito acabou."
Domingos Jerónimo
"De repente, toda a gente acha que é possível fazer tudo já e ao mesmo tempo."
António Costa
Folhear
Um
dos mais interessantes estudos sobre a história da fotografia em
Portugal foi recentemente publicado em livro. Chama-se "Infâmia e Fama" e
aborda "o mistério dos primeiros retratos judiciários em Portugal",
mais precisamente no período entre 1869 e 1895. Leonor Sá, a sua autora,
desenvolveu este trabalho no âmbito da sua tese de doutoramento, a
partir de dois álbuns fotográficos, hoje pertencentes à colecção do
advogado Francisco Teixeira da Mota, que os adquiriu em leilão, e que
foram produzidos na Polícia Civil de Lisboa pouco depois da sua criação,
em 1867. Filipa Lowndes Vicente, que é a curadora do Museu da Polícia
Judiciária, escreveu no prefácio que "os tempos da fotografia judiciária
são os tempos mínimos de colocar o detido, ou a detida, quieto, perante
a lente. O momento imediato substitui a encenação e a verdade acaba por
substituir o artifício." E faz notar que enquanto o retrato encomendado
a um estúdio fica na posse do fotografado ou da família, o retrato
judiciário não fica com a pessoa que está representada e é mesmo
provável que essa pessoa nunca o veja. "Nos anti-retratos - como lhes
chama -, os retratados não têm, à partida, direito a olhar para a sua
imagem", sublinha. Pelo seu lado, Leonor Sá mostra e contextualiza os
dois álbuns portugueses que são o centro do seu trabalho no que foi o
desenvolvimento do retrato judiciário na Europa do século XIX, mas
também a utilização da fotografia como instrumento da antropologia. Além
da investigação sobre os dois álbuns, mostra a evolução da iconografia
de ilustrações sobre criminosos, desde as medievais até aos cartazes de
"Wanted" do far west norte-americano, ou até às criações artísticas
sobre o tema feitas, contemporaneamente, por exemplo, por Andy Warhol ou
Ai Weiwei. Este é um livro fascinante para os apaixonados pela história
da fotografia e pelas evolução das utilizações que ela teve em nome da
lei.
Ver
Uma das mais importantes exposições
de fotografia deste ano abriu agora em Lisboa, no Museu Berardo, e
estará patente até 7 de Outubro. Trata-se de "Between the Devil and the
Deep Blue Sea", uma exposição do fotógrafo sul-africano Pieter Hugo, que
se destacou pela forma como acompanhou e documentou o fim do apartheid
na sociedade sul-africana. Pieter Hugo é conhecido pela forma como
desenvolveu a sua técnica de retrato, num contexto de referências das
comunidades do seu país e da estética da arte africana. Considerado um
dos grandes documentaristas da sociedade sul-africana contemporânea,
começou pelo fotojornalismo, foca-se tradicionalmente em grupos
marginais e, nesta exposição, vemos vários exemplos desses seus ensaios
fotográficos. O nome da exposição é inspirado numa canção de George
Harrison e, no fundo, esta é uma retrospectiva de várias fases do seu
trabalho, organizada em 2017 para o Kunstmuseum Wolfsburg, na Alemanha,
com curadoria de Uta Ruhkamp. Outros destaques: no British Bar, a
derradeira edição da série de 15 exposições que Pedro Cabrita Reis criou
para serem exibidas nas montras do estabelecimento, e que apresentou
mais de quatro dezenas de artistas ao longo dos últimos 15 meses. Desta
vez, os convidados foram Luísa Cunha, Rui Toscano, João Paulo Feliciano,
Ricardo Bak Gordon e Tomaz Hipólito. Se passarem pelo Museu do
Caramulo, além das exposições de carros (actualmente uma com a história
da Porsche), poderão ver "Black Box - Passeios", uma mostra de trabalhos
de Francisco Tropa, Jorge Molder, Pedro Cabrita Reis, Pedro Calapez,
Manuel Botelho, Teresa Segurado Pavão, Luísa Cunha e Gonçalo Barreiros,
com curadoria de Rui Sanches.
Gosto
Portugal é vice-campeão europeu de satélites do tamanho de latas de refrigerantes.
Não gosto
O
Fisco enviou multas relacionadas com a caixa postal electrónica de
forma claramente abusiva, mostrando mais uma vez a sua falta de respeito
pelos direitos dos contribuintes.
Ouvir
"Both
Directions at Once: The Lost Album" é uma recolha de gravações, na
quase totalidade inéditas, feitas pelo quarteto de John Coltrane no
histórico estúdio de Rudy Van Gelder, a 6 de Março de 1963.
Do quarteto
faziam parte Coltrane no sax tenor e sax soprano, McCoy Tyner no piano,
Jimmy Garrison no baixo e Elvin Jones na bateria. Gravado um ano antes
do referencial "A Love Supreme", estas gravações, que totalizam 90
minutos, mostram a vitalidade deste quarteto sensivelmente a meio da sua
existência. O próprio estúdio ajudou à sonoridade: um pé-direito de
quase 13 metros, com tecto de madeira abobadado, inspirou os músicos e
as gravações ali realizadas eram de facto diferentes. Como é que as
bobines destas gravações ficaram tanto tempo ignoradas? A Impulse, a
editora com a qual Coltrane tinha contrato, teria perdido as masters
numa mudança de instalações e só recentemente os originais em mono foram
encontrados em casa da primeira mulher de Coltrane, Juanita Naima
Coltrane. Aparentemente, esta sessão de gravação destinava-se a cumprir o
compromisso de gravação de um álbum para a Impulse. Provavelmente,
teria sido preciso regressar a estúdio para finalizar esse álbum, mas o
que se passou nesse ano de 1963 com estes registos tinha ficado até
agora desconhecido. O resultado está aqui, e é aliciante: 14 faixas,
vários takes de cada tema, alguns originais sem título. 90 minutos do
quarteto de Coltrane, ouvidos 55 anos depois de terem sido gravados:
tudo parece agora tão simples e acessível, tudo tão natural - mas
percebe-se como era um passo nas direcções que Coltrane tomou depois,
até morrer em 1967. Se quiserem, este é um registo de uma época de
transição e de autodescoberta. E é um documento maravilhoso de um dos
maiores músicos de jazz. CD Impulse, no Spotify.
Arco da velha
Há 54 presidentes de associações juvenis que têm mais de 60 anos.
Provar
A
fruta é uma coisa muito incerta. No ano passado, tivemos boa cereja e
figos abaixo do mediano. Este ano temos cerejas abaixo do mediano, mas
os figos estão supremos. As chuvas inesperadas deram cabo das cerejas,
mas o tempo, no geral, parece ter ajudado os figos. Sou um apaixonado
por figos - desde estes que agora aí andam, escuros, grandes, carnudos,
até aos mais pequenos, verdes, tenros, que hão-de aparecer se o Verão se
dignar a surgir. Mas, para já, estes figos estiveiros, os figos de
Junho ou de S. João, são magníficos. Poucos frutos são tão versáteis
como os figos: gosto de os misturar numa salada, ou como entrada,
divididos em quartos acompanhados por presunto cortado bem fino. E gosto
deles como sobremesa, e gosto deles como lanche. Eu, de figos, gosto de
todos, evocação das memórias de estar na sombra debaixo das grandes
figueiras a colhê-los maduros para logo ali os provar. Quando chegar a
Agosto, espero que os pingo-de-mel façam jus ao nome. Fruta, para mim, é
fruta da época. Já que hoje em dia é difícil comer pêssegos em
condições, atiremo-nos aos figos que ainda sabem a boas memórias. E
ainda nem falei das passas de figo...
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
06/07/18
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