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A crise económica e a separação (in)convencional
Querido Diário:
Agora já consigo escrever... Passou um dia depois da conversa dos pais e
não tenho aqui o António a chatear-me! Ele não deve ter percebido nada
da conversa! Também só tem cinco anos... Quando eles me chamaram à sala
para conversarmos, já sabia que o assunto era sério, até porque há muito
tempo que não conversávamos todos juntos. E há muito tempo que não via
os meus pais conversar. Ou então conversavam depois de nós estarmos a
dormir...
Bom, já sabia que me iam dizer que se iam
separar, mas chorei na mesma. Fiquei muito zangada e ainda lhes disse
que se nunca discutiam porque é que isto estava a acontecer? A mãe disse
que, apesar de não discutirem, já não conseguiam conversar um com o
outro e ter vontade de fazer as coisas que os namorados fazem. Mas que
gostavam muito de nós, blá, blá, blá... A conversa de sempre, que a
Constança já me tinha contado quando os pais dela se divorciaram! O
António até se ria! Coitado, ainda não percebeu bem, precisa de mais
tempo! Quando perguntei com quem é que íamos viver, responderam que
íamos continuar a viver todos juntos porque ainda não podiam passar a
ter duas casas, por causa da crise... Yes! Pensei eu! Mas
depois explicaram que não íamos fazer mais coisas juntos, por exemplo,
ao fim de semana, estilo ir ao parque ou almoçar em casa dos avós. Cada
fim de semana ficava um mais connosco... Granda confusão! Afinal, fica
tudo na mesma e pode ser que, se nos portarmos melhor, eles ainda voltem
a apaixonar-se outra vez!
A escrita do diário da Rita
permite-nos compreender a ambivalência que sente perante a notícia (já
esperada) de que os pais desejam separar-se mas que durante algum tempo
ainda vão viver todos juntos. Como pode, nestas circunstâncias,
interiorizar e “trabalhar” a aceitação do fim do casamento dos pais sem
permanecer na idealização de que os pais podem voltar a estar juntos?
A
decisão de divórcio numa família implica sempre um aumento de despesas
para o casal. O contexto de dificuldades económicas no qual muitas
famílias vivem contribui muitas vezes para o sentimento real de
impossibilidade de concretização desta decisão.
Neste panorama, os
casais veem-se confrontados com a profunda ambivalência de que não
desejam mais viver juntos ou partilhar a vida mas têm de continuar a
viver sob o mesmo teto. Esta é uma condição de vida geradora de grande
angústia e impotência para o casal que não encontra “espaço” para
efetivar a sua separação. A separação dos quartos, quando a casa o
permite, é, apesar de tudo, uma das decisões mais fáceis de tomar. A
forma como vão conviver com esta nova realidade é um desafio enorme, que
se vê profundamente aumentado quando há filhos em comum.
É
difícil para um casal que está emocionalmente separado continuar a
coabitar, gerando um terreno mais fértil para um clima de tensões ou
silêncios que tem um profundo impacto em todos os elementos da família.
Quando duas pessoas já não querem estar juntas, é difícil manter uma
relação pacífica e os filhos acabam inevitavelmente por estar
envolvidos, quando o que se impõe é que sejam protegidos.
O maior
desafio parental nestas circunstâncias é manter a todo o custo os filhos
afastados e protegidos dos seus conflitos! Esta é uma prova de amor que
resultará para a criança num apaziguamento que lhe permitirá dedicar-se
ao luto que tem de fazer (e que na circunstância de os pais se manterem
a viver juntos se encontra bastante mais dificultada) para conseguir
uma melhor adaptação a uma nova forma de viver a relação dos pais e às
mudanças inevitáveis na organização da sua vida.
Os filhos estão
muito atentos ao mundo dos pais e apercebem-se das alterações de
comportamentos na sua relação e no seu dia a dia. O que os filhos
esperam dos pais é verdade e honestidade.
Quando os pais têm
tomada a decisão de “separação”, e têm de se manter na mesma casa, mas
acordam uma nova forma de viver durante um período, por vezes
indeterminado, devem comunicá-lo aos filhos.
Explicar que a sua
relação enquanto casal não está bem, mas que do ponto de vista económico
ainda não é possível viverem em casas separadas torna-se fundamental.
Tardar
ou evitar esta comunicação à criança só servirá para fazer aumentar os
seus sentimentos de ansiedade, insegurança e incompreensão face ao que
se está a passar. Principalmente porque, na maioria dos casos, as
crianças têm antecipadamente a perceção do que está a acontecer na vida
dos pais.
Neste momento de grande fragilidade e insegurança, é
muito importante que os pais ajudem os filhos a ter sentimentos de
controlo sobre as suas vidas que os vão fazer sentir mais organizados –
dar informação concreta e detalhada sobre como vão passar a viver nos
próximos tempos, como e quando, em tudo o que se refere a alterações das
rotinas das suas vidas diárias.
Quando um casal se separa mais
efetivamente, passando a viver em casas separadas, pode acontecer que
ainda venham a acontecer movimentos de reaproximação para a
possibilidade de uma reconciliação. Na circunstância que aqui abordamos,
em que o casal continua a viver junto apesar de já não o desejar, esta
possibilidade mantém-se aqui ainda mais aumentada. Todos estes
movimentos devem acontecer longe dos filhos, não os envolvendo ou
utilizando-os como forma de chegar ao outro.
Para a criança, tal
como para os pais, esta opção de vida “forçada” vem dificultar as
tarefas próprias de adaptação à nova forma de os pais se relacionarem. A
permanência sob o mesmo teto dá ainda mais azo à confusão e idealização
de uma possível reconciliação dos pais e conduz ao evitamento de fazer o
luto desta relação.
Este será um caminho de aprendizagem, por
tentativa e erro, onde o bom senso, o respeito pela individualidade de
cada um e a tolerância têm de existir, em nome do passado que viveram e
de um futuro que querem construir. É com o exemplo de verdade e
coerência na vida dos pais que os filhos, geralmente, revelam a
capacidade de se adaptar e aceitar uma nova realidade.
Enquanto
adultos responsáveis pela vida dos filhos, importa ter consciência
de que o impacto verdadeiramente negativo no seu bem-estar emocional e
afetivo está mais diretamente ligado a relações de conflito e
destrutivas, independentemente de os pais viverem juntos ou separados!
Psicóloga clínica e terapeuta familiar
IN "PÚBLICO"
21/01/13
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