.
.
Cansados de blogs bem comportados feitos por gente simples, amante da natureza e blá,blá,blá, decidimos parir este blog do non sense.Excluíremos sempre a grosseria e a calúnia, o calão a preceito, o picante serão ingredientes da criatividade. O resto... é um regalo
.
Dois dos artifícios usados pelo governo e pelo Novo Banco foram denunciados pelo Tribunal de Contas: o Fundo de Resolução tem usado dinheiro para financiar esta operação e há abuso contratual.
Se bem que a auditoria do Tribunal de Contas ao Novo Banco não analise as operações que levam ao registo de prejuízos, revela conclusivamente que a administração imputa ao Estado a obrigação de pagamento de perdas na atividade geral do banco e não só nos ativos cobertos pelo contrato com a Lone Star. Assim, dois dos artifícios utilizados pelo Governo e pelo banco ficam expostos neste relatório: o Fundo de Resolução tem usado dinheiro público para financiar esta operação e há um abuso contratual que não tem sido escrutinado. Mas se se perguntar também como é que estes abusos se tornaram regra, o resumo feito na semana passada no Expresso explica-nos tudo.
O modelo Berardo
Aquando da resolução do BES e da sua transformação em Novo Banco, o passivo era pesado e resultava de uma combinação de favorecimentos em créditos sem cobertura e de investimentos duvidosos, entre outros fatores. O custo gigantesco da operação, no entanto, foi apresentado ao país como a garantia de que os contribuintes estariam blindados contra novas despesas. Ora, era fácil perceber que a história não ficaria por aqui, porque tudo isto resultava do que se poderia chamar o modelo Berardo.
Berardo, que em 2014 devia 282 milhões ao NB, herança do passado, não era o único exemplo destas facilidades. A Prebuild, de Gama Leão, devia 246 milhões (foi declarada insolvente em 2019). A Sogema, da família Moniz da Maia, já devia 560 milhões e, como Berardo, tinha aplicado algumas centenas de milhões na compra de ações do BCP em 2007 (no seu caso, 330 milhões, e as ações desvalorizaram em 95%) e depois tinha aumentado a dívida para operações ruinosas no Brasil, tudo com uma garantia real que mal chegava a 5% dos créditos. Não foram os únicos. A Ongoing, de Nuno Vasconcellos, devia 538 milhões ao NB (também foi declarada insolvente). A Promovalor, de Luís Filipe Vieira, devia mais de 300 milhões ao NB, que usou uma técnica artificiosa: a dívida passou para um fundo dirigido por um ex-vice-presidente do Benfica. Ora, se estas operações eram o custo do passado do BES, o Novo Banco prolongou esses créditos, em alguns casos reforçou-os, não exigiu novas garantias e aceitou as perdas. Era fácil e tinha um incentivo para o fazer: o dinheiro público cobriria parte da conta.
Este tem sido o modelo Berardo: viver com créditos vultuosos a procurar margens milagrosas em negócios espantosos. Pelo que se verifica, o resultado é um mapa do jet set português e do desleixo das autoridades.
A virtude da ganância
Mark Carney, que foi até 2020 governador do Banco de Inglaterra, depois de uma carreira no Goldman Sachs e em bancos centrais, publicou recentemente um livro surpreendente, com um título resumido, “Values”. Pode-se duvidar de que conheça as operações destes nossos milionários devedores, mas o livro apresenta um argumento que merece atenção ao olharmos para o modelo Berardo. Escreve Carney que Milton Friedman estava errado e que a ganância não constrói uma sociedade próspera. A ideia de Friedman fez escola, sendo reproduzido com avidez que o motivo do lucro move os mercados e obtém a eficiência económica. Não, argumenta Carney, o mercado pode destroçar normas sociais fundamentais, como aliás tinha sido percebido por Adam Smith, o fundador do liberalismo moderno, que, na sua “Teoria dos Sentimentos Morais”, um livro menos conhecido, explicava que é a confiança a virtude fundamental na sociedade.
Os nossos milionários devedores levam uma vida a comprovar a falta que faz uma economia baseada na confiança.
* Professor universitário
IN "EXPRESSO" - 07/05/21
.
2634.UNIÃO
Vinte e quatro horas antes do jogo do título, o diretor nacional da PSP enviou um ofício ao ministro da Administração Interna, em sinal de última alerta para que Eduardo Cabrita travasse o cortejo dos autocarros do Sporting até ao Marquês de Pombal.
.
RACISTA SERÁ SEMPRE RACISTA/2
(TÍTULO NOSSO)
A liberdade de expressão termina quando ofende a honra e a integridade e bom nome de alguém, que foi o que ele fez. As declarações dele ofenderam esses princípios. Foi contra a lei, está explícito. Não preciso de ser advogada para saber isso, basta ir ao Google."
Vanusa Coxi, que se identificou em tribunal como "operadora de call center", fala ao DN à saída da audiência no Tribunal Cível de Lisboa em que depôs como autora de uma ação contra André Ventura e o partido que lidera "por ofensas diretas e ilícitas cometidas contra o direito à honra e direito à imagem". É uma das sete pessoas da família Coxi que se viram, no debate do candidato presidencial do Chega com Marcelo, a 6 de janeiro, exibidas numa foto como evidência de que o presidente incumbente se tinha juntado a "bandidos" e "bandidagem". "Senti-me ultrajada", disse Vanusa no seu depoimento. "Foi uma ofensa gravíssima. Eu sempre trabalhei, nunca roubei, nunca fiz nada para merecer esse tipo de julgamento. Só recebo abono de família pelos meus filhos, que é um direito deles, e vivo do salário do meu marido."
Quando questionada pela juíza Francisca Preto sobre o objetivo da ação, respondeu curto: "Um pedido de desculpas e que limpem o meu nome." Teve logo a seguir, pela boca de Ventura, a certificação de que não o fará de iniciativa própria: "Se fico feliz por as minhas declarações terem ofendido alguém, não fico. Mas voltaria a fazer o mesmo."
Vanusa indigna-se: "Ele foi a um debate televisivo, proferiu as palavras que proferiu, foi movido um processo contra ele e mesmo assim conseguiu vir aqui e dizer que faria tudo novamente?"
André Ventura, que à pergunta do tribunal sobre a sua profissão respondeu "deputado", negou ter querido "retratar aquelas pessoas de forma negativa." E diz ter usado aquela foto, tirada em fevereiro de 2019 aquando da visita surpresa de Marcelo ao bairro da Jamaica na sequência de confrontos de habitantes com a PSP, "que estava no mercado noticioso sem levantar problemas, que foi amplamente difundida sem causar nenhuma reação", para "realçar que o Presidente esteve com aquelas pessoas em concreto e não com a polícia." Nada teve a ver, garante, "com a cor da pele nem com a origem demográfica [dos retratados] mas com uma prática criminal constatada" - referindo-se ao facto de uma das pessoas na foto, Hortêncio Coxi, cunhado de Vanusa, ter à época duas condenações por crimes de menor gravidade. "Procurei referir-me expressamente a uma pessoa e era a única foto disponível."
Não é porém exato que Ventura tenha, no debate com Marcelo, referido "expressamente" um dos retratados. Aliás nem disse quem estava na foto, ou sequer o local e altura em que foi tirada. Limitou-se a afirmar: "Nesta fotografia, o candidato Marcelo Rebelo de Sousa juntou-se com bandidos, um deles é um bandido verdadeiramente. (...) Porque esta fotografia que está aqui, (...) não foi tirada depois na esquadra de polícia, foi tirada só, entre aspas e vão-me desculpar a linguagem, à bandidagem."
Porque é que usou aquela imagem se queria apenas referir uma das pessoas? A pergunta é da juíza. "Era importante que as pessoas percebessem do que estávamos a falar", respondeu o presidente do Chega. "Referindo Quinta da Fonte ou Bairro da Jamaica as pessoas podiam não perceber."
E como é que "as pessoas" iam perceber "do que estava a falar" sem que sequer identificasse as pessoas ou o local, só mostrando a foto? Essa pergunta ninguém fez, pelo que o deputado não teve de responder. Mas Vanusa não tem dúvidas de que Ventura a abrangeu na denominação de "bandidagem": "A partir do momento em que disse que o presidente tirou a foto com bandidos fui incluída. As outras vezes em que a foto foi usada, que eu saiba, foi no contexto de referir os acontecimentos no Bairro da Jamaica e a violência policial. Nunca ninguém tinha pegado nela para nos chamar a todos de bandidos."
Ao lado de Ventura no banco dos réus estava Tiago Sousa Dias, em representação do Chega. O partido também é demandado devido a uma publicação no Twitter, a 22 de janeiro, na qual a mesma foto da família Coxi com Marcelo foi usada como contraponto a uma imagem de Ventura com três homens brancos, um deles com uma tshirt do Movimento Zero (que se apresenta como um movimento de polícias anónimos, surgido após a condenação de agentes da PSP por agressão a jovens negros do bairro da Cova da Moura), com a legenda "Eu prefiro os portugueses de bem."
Sousa Dias procurou negar a relação do partido com aquela conta na rede social: "É gerida por uma pessoa que trabalha para o partido mas não tem essas funções [de gerir a conta], é secretário pessoal de André Ventura. A conta é-nos próxima mas não a reconhecemos juridicamente como ligada ao partido."
Acabaria no entanto por admitir que mandou eliminar a publicação em causa quando soube do processo. Porquê, perguntou a juíza. "No partido Chega temos chatices diárias por causa das coisas mais impensáveis", respondeu o réu. "E optamos por eliminar publicações para seguir em frente."
Veria no entanto o seu depoimento contraditado pelo secretário pessoal de Ventura, Luc Mombito. Este, cuja conta pessoal no Twitter foi suspensa por comportamento abusivo, confirmou ter sido o autor daquela publicação no Twitter do partido e e afirmou-se "responsável pela gestão das redes sociais do Chega".
.
RACISTA SERÁ SEMPRE RACISTA/1
(TÍTULO NOSSO)
Família do Bairro da Jamaica
exige pedido de desculpas
a Ventura e Chega
Ventura chamou-lhes "bandidos" e acusou-os de "terem vindo para cá viver do Estado social"; o Chega apresentou-os como o avesso de "portugueses de bem". Agora, a família Coxi acusa partido e líder de racismo e exige nos tribunais uma retratação. "Não tenciono pedir desculpa", diz Ventura.
"Foram instrumentalizados para efeitos de narrativa de campanha, em função da cor da sua pele e da sua posição socioeconómica, para efeitos da narrativa de uma campanha política, procurando animar sentimentos discriminatórios de uma parte do eleitorado. (...) As ofensas cometidas pelos Réus foram motivadas por uma intenção de humilhar e diminuir pessoas negras e residentes em bairros sociais degradados - isto é, por ódio racial e de posição socioeconómica - para ganhar popularidade eleitoral. (...) Enquanto instrumento de campanha eleitoral, esta imagem não conhece antecedente na história da democracia portuguesa - nunca um político se serviu da imagem de cidadãos anónimos e particularmente desfavorecidos para ilustrar o grupo de pessoas que não merecem ser representadas por si, caso seja eleito."
É assim que a petição inicial, à qual o DN teve acesso, da ação "por ofensas diretas e ilícitas cometidas contra o direito à honra e direito à imagem", apresentada a 13 de abril no Juízo Local Cível de Lisboa em nome de sete pessoas da família Coxi, residentes no bairro da Jamaica, no Seixal, qualifica o que lhes aconteceu no debate televisivo ocorrido a 6 de janeiro entre os candidatos à Presidência da República Marcelo Rebelo de Sousa e André Ventura e subsequentemente no programa de Manuel Luís Goucha e na conta Twitter do partido Chega.
Eram essas sete pessoas - incluindo uma criança de três anos - com Marcelo, na foto que Ventura exibiu dizendo: "Esta fotografia mostra tudo o que a minha Direita não é. Nesta fotografia, o candidato Marcelo Rebelo de Sousa juntou-se com bandidos, um deles é um bandido verdadeiramente. (...) Porque esta fotografia que está aqui, (...) não foi tirada depois na esquadra de polícia, foi tirada só, entre aspas e vão-me desculpar a linguagem, à bandidagem. E, portanto, talvez seja aqui uma diferença entre nós: eu não tenho medo de ser politicamente incorreto, de lhes chamar os nomes que têm de ser chamados e dizer o que tem de ser dito. (...). Eu nunca vou ser presidente dos traficantes de droga, nunca vou ser presidente dos pedófilos, nunca vou ser presidente dos que vivem à conta do Estado, com esquemas de sobrevivência paralelos, enquanto os portugueses de bem pagam os seus impostos, todos os dias a levantar-se de manhã à tarde para os pagar e o que fez aqui não tem nenhuma justificação... (...) Muitos destes indivíduos vieram para Portugal para beneficiar única e exclusivamente daquilo que é o Estado Social."
Na manhã do dia seguinte, no programa de Manuel Luís Goucha, na TVI, o líder do Chega voltaria a designar depreciativamente aquelas sete pessoas, usando de novo a palavra "bandidagem". A imagem da família com Marcelo seria também usada pelo partido num tuite de 22 de janeiro, antevéspera das eleições, como contraponto a uma fotografia de Ventura - este frente à Assembleia da República, com três homens brancos, um dos quais com uma tshirt do Movimento Zero (que se apresenta como um movimento de polícias anónimos e surgiu na sequência da condenação de agentes da PSP por agressão, sequestro e insultos a jovens negros do bairro da Cova da Moura). "Estrangeiros do mal", genéricos e sem nome
A legenda é: "Eu prefiro os portugueses de bem." Antes, na noite do debate, também no Twitter, o Chega divulgara, com a frase "Marcelo Rebelo de Sousa esteve ao lado dos bandidos no Bairro da Jamaica. Já eu serei o presidente que está ao lado da polícia!", o excerto vídeo do momento em que Ventura confrontou Marcelo com a foto.
As pessoas na fotografia, que em nenhum momento André Ventura ou o Chega identificam, são, informa-nos o texto da ação, ao qual o DN teve acesso, Fernando Coxi, hoje com 65 anos, e a mulher, Julieta Luvunga (55), os filhos de ambos Higina (27), Aurora (30) e Hortêncio (33), a nora Vanusa Coxi (35, então grávida) e o neto James Linder (6, filho de Higina). Das sete, quatro - Fernando, Aurora, Vanusa e James - são portuguesas. As restantes três têm nacionalidade angolana mas residem em Portugal desde 2007, possuindo, assevera o texto da ação, todos os requisitos para pedirem a nacionalidade portuguesa se assim o desejarem.
Três delas - Julieta, Higina e Hortêncio - são simultaneamente arguidas e assistentes num processo criminal em que é também arguido e assistente um agente da PSP. O processo, cujo julgamento se iniciou em janeiro, diz respeito a um confronto ocorrido a 20 de janeiro de 2019, no bairro da Jamaica, entre essas três pessoas e agentes da PSP, em parte filmado por circunstantes e depois divulgado nas redes sociais e comunicação social.
Como já foi mencionado, porém, nem André Ventura nem o Chega identificaram, ao usar a foto, alguma das pessoas nela constantes ou sequer referiram o processo em curso. Como se a imagem fosse tão eloquente que não precisasse de explicação; como se toda a gente soubesse quem aquelas pessoas são, só de olhar para elas. E como se houvesse claro motivo para as apelidar de "bandidagem".
Pelo contrário, frisa a ação, que apresenta factos para demonstrar que as imputações de Ventura são falsas. Não só, como já dito, por quatro dos retratados serem portugueses e não estrangeiros como o líder do Chega deu a entender, mas também porque apenas uma daquelas sete pessoas - Hortêncio Coxi - tem averbamentos no registo criminal, referentes a três delitos. São eles tráfico (de estupefacientes) de menor gravidade e desobediência, em 2015, e condução embriagado, em 2019 (o que aconteceu já após o momento do retrato). Em nenhum dos casos houve lugar a pena de prisão efetiva.
Por outro lado, e ainda de acordo com a peça processual, só duas daquelas sete pessoas auferem prestações de apoio social. Vanusa recebe um subsídio, indexado ao seu salário de operadora de call center, por doença profissional, devido a estar incapacitada de trabalhar até à realização de uma cirurgia que aguarda desde 2018, e abono de família pelos filhos; Aurora, que trabalhava no setor da restauração e ficou desempregada devido às restrições impostas pela pandemia, recebe RSI e abono pelos dois filhos menores. Os restantes quatro adultos vivem do que auferem trabalhando.
Assim, conclui o documento, assinado pela advogada Leonor Caldeira, as declarações de André Ventura padecem de "flagrante falsidade": "Deliberadamente e sem qualquer conhecimento de facto sobre qualquer aspeto da vida destas pessoas [André Ventura] serviu-se da imagem e do local de residência dos Autores [da ação] para ilustrar, a milhões de pessoas, a personificação de pessoas que são o oposto dos "portugueses de bem", que são criminosos, (bandidos), que não trabalham, não pagam impostos e que apenas se querem aproveitar da generosidade do Estado social português."
Mas, sublinha, a causídica no texto da petição, "quando André Ventura fala dos portugueses que "pagam os seus impostos", que se levantam todos os dias de manhã para trabalhar e que "sustentam a economia portuguesa", fala, em rigor, também dos Autores na presente ação. (...) A única diferença entre os Autores e quaisquer outros cidadãos com quem o Presidente da República foi fotografado é a de serem negros e residentes de um bairro particularmente pobre e marginalizado. Qualquer decisão sobre a presente causa não poderá ignorar estas circunstâncias. (...) Tendo em conta que André Ventura não sabia da nacionalidade dos Autores quando proferiu aquelas declarações, temos que o elemento diferenciador que foi determinante para esta qualificação como "o outro" foi, infelizmente, a cor da pele."
E argumenta ainda Leonor Caldeira: "A divulgação deste entendimento ignorante e errado de que Portugal é uma nação homogénea no que respeita à cor da pele dos cidadão é, em si, uma forma de discriminação para portugueses que não são brancos, porquanto reforça a ideia de que não são inteiramente portugueses, em virtude da sua origem étnica ser de fora do território nacional, o que muitas vezes também não corresponde à realidade."
Para além disso, prossegue, "não pode ser ignorada a associação grosseira entre pessoas negras, pobres e residentes num bairro social degradado, como sendo todos "bandidos", pessoas que não querem trabalhar e que apenas querem viver à custa do Estado. São, manifestamente, afirmações e ilustrações racistas e de discriminação em função da posição socioeconómica dos Autores. Por isso mesmo, as ofensas cometidas contra os Autores da presente ação merecem ser alvo de um juízo de agravamento da ilicitude, que reconheça o caráter particularmente ofensivo de afirmações e ilustrações discriminatórias, por se basearem em elementos que os Autores não controlam inteiramente e em razão dos quais sofrem recorrentemente. "
Qual então o intuito desta ação que, pela "assimetria de poder socioeconómico entre as partes" - a "celebridade mediática" (citando o Media Lab do ISCTE) André Ventura e "uma família de gente pobre e marginalizada, com baixos índices de escolaridade, moradores de um bairro degradado" - se descreve como sendo "de David contra Golias"?
A resposta é "o decretamento de providências que atenuem e previnam, dentro do possível, a humilhação, revolta e indignação que sentiram e continuam a sentir, bem como a perceção pública que vigora até hoje a seu respeito, em consequência da conduta reiterada dos Réus."
Pede-se que o tribunal reconheça a ilicitude das ofensas descritas e ordene a emissão de uma declaração de retratação pública a ser publicada nos media e nas redes sociais onde as ofensas ocorreram, assim como a eliminação do tuite de 22 de janeiro da conta do Chega. E ainda que estipule a obrigação de os réus nunca mais cometerem ofensas de conteúdo semelhante aos ofendidos e de diligenciarem para que seja publicada a sentença nos meios onde as ofensas foram proferidas.
Não há um pedido de indemnização, porém. Porquê? Segundo o que o DN conseguiu saber - a família declinou falar ao jornal - aquilo de que fazem questão "é que fique claro que não somos bandidos. Trabalhamos, somos pessoas honestas e trabalhadoras, como outras quaisquer."
A opção por um processo cível em detrimento de um processo crime terá tido a ver com o facto de o primeiro ser mais célere mas também com o desconforto com a ideia de criminalizar um discurso político.
Leonor Caldeira, a advogada que representa os Coxi, trabalha para a organização sem fins lucrativos Client Earth, sediada na Bélgica e que se dedica à litigância de causas ambientais e direitos humanos na UE. Também advoga em Portugal, sobretudo em causas individuais e maioritariamente pro bono (ou seja, a título gratuito) que se prendam com o desenvolvimento da jurisprudência dos direitos humanos. É o caso desta, que pela insuficiência económica dos autores foi dispensada de taxas de justiça e outros encargos processuais.
O objetivo da jurista será ver concretizada a obrigação declarada na citação que faz do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça relativo ao homicídio de Alcindo Monteiro e agressões a várias outras pessoas negras por supremacistas brancos, em 1995: "É dever dos tribunais condenar os ideais racistas, pois eles administram a justiça em nome do povo e a nossa sociedade é multirracial. Se a Lei Fundamental condena o racismo, todos devemos condenar o racismo, porque, em democracia, a Constituição é a expressão da vontade popular."
Contactado pelo DN, André Ventura requereu que a pergunta fosse feita por escrito. O jornal assim fez, enviando o seguinte texto por SMS: A 6 de janeiro, no debate das presidenciais com Marcelo, apelidou de "bandidos" e "bandidagem" sete pessoas, incluindo uma criança de três anos, sem sequer as identificar pelo nome ou de qualquer outra forma ou explicar por que motivo as apelidava assim, afirmando "não ter medo de lhes chamar os nomes que têm de ser chamados". Essas pessoas, todas da mesma família, exigem-lhe agora um pedido de desculpas em tribunal. Tenciona pedir desculpa? A resposta foi "Não tenciono pedir desculpa."
Significa isso que mantém a acusação que fez àquelas sete pessoas?, perguntou ainda o DN. Pode-se saber em que se baseia para as apelidar de bandidos?
* Um trabalho da jornalista FERNANDA CÂNCIO
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" 23/O4/21
** Fotos caricaturais da nossa responsabilidade
.