O que quero para o Natal
Além das coisas que posso comprar para mim ou aquelas coisas para
quais trabalho todos os dias (porque isso é a parte divertida), as
coisas que quero são sonhos impossíveis.
Todos os anos, nesta altura, a minha mãe pergunta-me o que quero para o
Natal. Além do creme anti-rugas que ela ia me comprar antes de ler o
que escrevi aqui na semana passada sobre cremes para o rosto, não me
consigo lembrar de nada. As únicas coisas que quero são absurdas…
Quero paz no mundo, como é óbvio. Paz no mundo deve estar no topo da
lista de toda a gente que deseja pelo menos parecer simpática, ou ganhar
um concurso de beleza. O problema é que a única maneira de conseguir
paz no mundo seria a aniquilação brutal de todos os adultos com cérebro
de adolescente que adoram brigas e guerras. Mas a aniquilação brutal
desses adultos implicaria alguma violência brutal, negando assim o
sentido da paz. É um paradoxo impossível. De qualquer maneira, não vai
acontecer.
Quero que desapareça o tecto de vidro que deixa as mulheres verem os
lugares cimeiros mas que as exclui de lá chegarem. Quero que o tecto de
vidro rebente em cima dos homens que o mantém, aqueles tipos que gostam
do status quo, que dão pouco valor às mulheres, excepto nos casos em que
é do interesse deles, claro. Eles ficariam tão ocupados a tirar os
cacos de vidro espetados nos fatos, agora mais brilhantes, que não
teriam tempo de ignorar as mulheres, que agora poderiam subir até onde
merecem estar, com as suas ideias, ética e batom (ou sem batom, a
escolha é delas). Mas isso não vai acontecer.
Quero que todas as artes sejam mais importantes do que os
bisbilhotices e sobre-análises da política. Mas sabemos que isso não vai
acontecer.
Quero as ruas de Lisboa livres de bosta de cão, de tuk-tuks, de
buracos gigantes, de graffiti. A merda de cão esmagada nas pedras da
calçada obriga-nos a olhar para o chão em vez de olhar para cima, e ver a
cidade. Os tuk-tuks dão a Lisboa, esta antiga e graciosa cidade
europeia, o aspecto e ruído de Bombaim. Os buracos na estrada não são
buracos, mas fissuras glaciais que aparecem e ficam nas ruas mais
importantes da cidade e ameaçam partir os eixos dos carros e o nosso
espírito. Os graffiti destroem qualquer vista, incluindo os graffiti
supostamente aceitáveis que os autores receberam autorização para pintar
em grandes edifícios, cartoons feios e na moda, incontornavelmente
gigantescos e invasivos, e que dão um aspecto afavelado à cidade, uma
cidade que está longe, mas muito longe de ser uma favela. E não vai
acontecer.
IN "OBSERVADOR"
14/12/14
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