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A falsa promessa
**Texto originalmente publicado no jornal Die Zeit
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
10/11/18
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A falsa promessa
dos soberanistas
Há três décadas celebrámos a queda do Muro de Berlim. Era o mais
importante de todos os muros. Simbolizava a divisão da Europa e do mundo
em dois campos antagónicos. O muro caiu, a Guerra Fria terminou e o
futuro parecia brilhante. "Nada nos vai parar, tudo é possível, Berlim
está livre!", declarou o Presidente Clinton nas Portas de Brandemburgo.
Hoje,
os muros estão de regresso à moda em todo o mundo, da Hungria e Espanha
aos Estados Unidos, Israel e Austrália. Uma parte cada vez maior do
eleitorado apoia os políticos que pedem a restauração de estados-nação
soberanos. A política do medo é evidente com o líder do "mundo livre" a
construir a sua própria muralha na fronteira com o México e a instigar
outros a fazerem o mesmo.
Dizem-nos que a política de fronteiras
abertas gerou desigualdades astronómicas. Somos levados a acreditar que
as fronteiras abertas convidaram os migrantes que ficam com os nossos
empregos e introduzem hábitos culturais "estranhos". Dizem-nos que as
fronteiras abertas tornam a democracia impossível. As decisões relativas
às nossas vidas estão a ser tomadas por mercados transnacionais e
autoridades europeias distantes.
O conflito sobre esses muros é
tão antigo quanto a história humana, por isso não devemos
surpreender-nos com a situação atual. Sempre houve aqueles que tentaram
ultrapassar as fronteiras e aqueles que tentaram restaurá-las; aqueles
que construíam muros e aqueles que os destruíam.
Pensemos em nómadas e
colonos, ou em fazendeiros e caçadores: eles tinham conceitos diferentes
e muitas vezes conflituantes de fronteiras, direitos, autoridade,
território e identidade. As fronteiras tornaram-se ainda mais
controversas com o aparecimento de estados-nação que pretendiam fazer
coincidir fronteiras administrativas, fronteiras militares, franjas de
mercado e características culturais.
No entanto, a disputa atual
não é necessariamente sobre muros e fronteiras, mas sobre a
interpretação da história pós-1989. Os soberanistas estão simplesmente a
bater à porta errada. As desigualdades foram geradas por políticas
neoliberais que puseram os mercados encarregados da redistribuição. Elas
também são o resultado de um sistema de crenças no qual a
competitividade é mais valorizada do que a solidariedade. As fronteiras
abertas têm pouco que ver com isso.
O aumento da migração também
tem como causa as nossas políticas erradas. Reduzimos a ajuda ao
desenvolvimento e não estimulámos investimentos no Norte de África e no
Médio Oriente. Apoiámos ditadores como Kadhafi ou Ben Ali na esperança
de que eles mantivessem os migrantes à distância.
Bombardeámos o Iraque,
a Síria e a Líbia e a seguir deixámo-los nas mãos dos senhores da
guerra locais. E depois ficámos surpreendidos ao ver um influxo de
refugiados. As fronteiras abertas têm pouco que ver com esta crise. Na
verdade, as nossas fronteiras quase nunca estiveram abertas para essas
pessoas desesperadas.
Pela crise da democracia, devemos culpar os
nossos partidos e não a ausência de muros. Os partidos políticos já não
têm raízes nas nossas sociedades, tratam os cidadãos como consumidores e
mantêm o diálogo com os que conduzem sondagens em vez de com os
eleitores.
De facto, os mercados tornaram a democracia numa farsa,
mas isso acontece porque as instituições encarregadas de regulamentar
os mercados, como a Comissão Europeia, ouviram mais os 30 000 lobistas
de Bruxelas do que as pessoas comuns. De que outra forma poderia apoiar o
Pacto Fiscal ou o ACTA 1 & 2?
O diagnóstico errado leva a
tratamentos errados. Construir muros é como prescrever aspirina para a
depressão ou uma perna partida. O que podem os muros fazer num mundo de
viagens massificadas, comunicação digital, mudanças climáticas,
ciberguerra e comércio global? Poderá uma solução do século XIX produzir
maravilhas no século XXI?
Em vez de construir muros, precisamos
de tornar as nossas instituições mais capazes para lidarem com
transações financeiras globais, comunicação e ameaças ambientais. Essas
instituições devem ser verdadeiramente transnacionais e não
monopolizadas por estados-nação, a maioria deles minúsculos e/ou
disfuncionais. Cidades, regiões e ONGs realizam cada vez mais tarefas
vitais para as nossas vidas, mas não têm assento na mesa de tomada de
decisões dentro da UE, da ONU ou do FMI.
Também precisamos de
restaurar o equilíbrio entre a esfera pública e a privada. O setor
público tem estado sob ataque nos últimos anos, e tem sido usado
principalmente para ajudar o setor privado a prosperar. Isso deixou
muitos de nós sem qualquer forma de proteção ou arbitragem.
Por
último, mas não menos importante, devemos restaurar a confiança entre os
cidadãos e os responsáveis pelos organismos transnacionais. Esses
organismos devem servir-nos a nós, as pessoas, que vimos de algum lugar e
prezamos as nossas identidades particulares. As nossas identidades não
significam que apoiamos a autocracia económica, odiamos pessoas de raças
diferentes e apreciamos as conquistas territoriais dos nossos vizinhos.
Tudo isso era bastante normal há um século, mas o mundo mudou
irreconhecivelmente desde então, ou assim esperamos. Essa esperança é
especialmente importante para a geração jovem, que não quer viver num
mundo cheio de muros.
* Professor de política
europeia na Universidade de Oxford e autor de Counter-Revolution -
Liberal Europe in Retreat
**Texto originalmente publicado no jornal Die Zeit
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
10/11/18
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