11/11/2018

JAN ZIELONKA

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A falsa promessa
dos soberanistas

Há três décadas celebrámos a queda do Muro de Berlim. Era o mais importante de todos os muros. Simbolizava a divisão da Europa e do mundo em dois campos antagónicos. O muro caiu, a Guerra Fria terminou e o futuro parecia brilhante. "Nada nos vai parar, tudo é possível, Berlim está livre!", declarou o Presidente Clinton nas Portas de Brandemburgo.

Hoje, os muros estão de regresso à moda em todo o mundo, da Hungria e Espanha aos Estados Unidos, Israel e Austrália. Uma parte cada vez maior do eleitorado apoia os políticos que pedem a restauração de estados-nação soberanos. A política do medo é evidente com o líder do "mundo livre" a construir a sua própria muralha na fronteira com o México e a instigar outros a fazerem o mesmo.

Dizem-nos que a política de fronteiras abertas gerou desigualdades astronómicas. Somos levados a acreditar que as fronteiras abertas convidaram os migrantes que ficam com os nossos empregos e introduzem hábitos culturais "estranhos". Dizem-nos que as fronteiras abertas tornam a democracia impossível. As decisões relativas às nossas vidas estão a ser tomadas por mercados transnacionais e autoridades europeias distantes.

O conflito sobre esses muros é tão antigo quanto a história humana, por isso não devemos surpreender-nos com a situação atual. Sempre houve aqueles que tentaram ultrapassar as fronteiras e aqueles que tentaram restaurá-las; aqueles que construíam muros e aqueles que os destruíam.

Pensemos em nómadas e colonos, ou em fazendeiros e caçadores: eles tinham conceitos diferentes e muitas vezes conflituantes de fronteiras, direitos, autoridade, território e identidade. As fronteiras tornaram-se ainda mais controversas com o aparecimento de estados-nação que pretendiam fazer coincidir fronteiras administrativas, fronteiras militares, franjas de mercado e características culturais.

No entanto, a disputa atual não é necessariamente sobre muros e fronteiras, mas sobre a interpretação da história pós-1989. Os soberanistas estão simplesmente a bater à porta errada. As desigualdades foram geradas por políticas neoliberais que puseram os mercados encarregados da redistribuição. Elas também são o resultado de um sistema de crenças no qual a competitividade é mais valorizada do que a solidariedade. As fronteiras abertas têm pouco que ver com isso.

O aumento da migração também tem como causa as nossas políticas erradas. Reduzimos a ajuda ao desenvolvimento e não estimulámos investimentos no Norte de África e no Médio Oriente. Apoiámos ditadores como Kadhafi ou Ben Ali na esperança de que eles mantivessem os migrantes à distância.

Bombardeámos o Iraque, a Síria e a Líbia e a seguir deixámo-los nas mãos dos senhores da guerra locais. E depois ficámos surpreendidos ao ver um influxo de refugiados. As fronteiras abertas têm pouco que ver com esta crise. Na verdade, as nossas fronteiras quase nunca estiveram abertas para essas pessoas desesperadas.

Pela crise da democracia, devemos culpar os nossos partidos e não a ausência de muros. Os partidos políticos já não têm raízes nas nossas sociedades, tratam os cidadãos como consumidores e mantêm o diálogo com os que conduzem sondagens em vez de com os eleitores.

De facto, os mercados tornaram a democracia numa farsa, mas isso acontece porque as instituições encarregadas de regulamentar os mercados, como a Comissão Europeia, ouviram mais os 30 000 lobistas de Bruxelas do que as pessoas comuns. De que outra forma poderia apoiar o Pacto Fiscal ou o ACTA 1 & 2?

O diagnóstico errado leva a tratamentos errados. Construir muros é como prescrever aspirina para a depressão ou uma perna partida. O que podem os muros fazer num mundo de viagens massificadas, comunicação digital, mudanças climáticas, ciberguerra e comércio global? Poderá uma solução do século XIX produzir maravilhas no século XXI?

Em vez de construir muros, precisamos de tornar as nossas instituições mais capazes para lidarem com transações financeiras globais, comunicação e ameaças ambientais. Essas instituições devem ser verdadeiramente transnacionais e não monopolizadas por estados-nação, a maioria deles minúsculos e/ou disfuncionais. Cidades, regiões e ONGs realizam cada vez mais tarefas vitais para as nossas vidas, mas não têm assento na mesa de tomada de decisões dentro da UE, da ONU ou do FMI.

Também precisamos de restaurar o equilíbrio entre a esfera pública e a privada. O setor público tem estado sob ataque nos últimos anos, e tem sido usado principalmente para ajudar o setor privado a prosperar. Isso deixou muitos de nós sem qualquer forma de proteção ou arbitragem.

Por último, mas não menos importante, devemos restaurar a confiança entre os cidadãos e os responsáveis ​​pelos organismos transnacionais. Esses organismos devem servir-nos a nós, as pessoas, que vimos de algum lugar e prezamos as nossas identidades particulares. As nossas identidades não significam que apoiamos a autocracia económica, odiamos pessoas de raças diferentes e apreciamos as conquistas territoriais dos nossos vizinhos. Tudo isso era bastante normal há um século, mas o mundo mudou irreconhecivelmente desde então, ou assim esperamos. Essa esperança é especialmente importante para a geração jovem, que não quer viver num mundo cheio de muros.


* Professor de política europeia na Universidade de Oxford e autor de Counter-Revolution - Liberal Europe in Retreat

**Texto originalmente publicado no jornal Die Zeit

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
10/11/18

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