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Errar é humano, Serena
Errar é humano, Serena
Serena Williams tem razões para dizer que o sexismo existe no
universo do ténis? Sem dúvida, por mais que em termos de igualdade a
modalidade até tenha vindo a melhorar. Mas Serena foi punida nesta final
especificamente por ser mulher? Não. E este não foi certamente o
momento mais apropriado para puxar a cartada da discriminação de género
como argumento. Mas tal como o árbitro em causa, Serena é humana. E os
humanos erram. É preciso é que todos, independentemente da sua posição,
do seu historial ou do erro em causa, saibam admiti-lo.
Será
que se Carlos Ramos tivesse sido menos duro na primeira penalização,
tendo em conta a conduta coerente da carreira da tenista quanto à
questão do coaching, isto teria acontecido? E será que se Serena tivesse
usado outros modos que não o insulto e a ameaça para chamar o árbitro à
atenção o desenlace era este? Mais uma vez, ninguém pode dizer. O que é
fácil compreender é que Serena Williams tinha uma pressão imensa nos
ombros nesta final, e ser mulher, sim, fazia parte deste bolo. Jogava em
casa, tinha os olhos do mundo em cima, basicamente um mundo que ainda
espera que ela tenha de provar que tanto a idade como a maternidade não
são obstáculos às suas capacidades enquanto tenista. Essas sim, pressões
que têm muito de sexistas. Num mundo ideal estas pressões não existiam,
mas não vivemos num mundo ideal.
Enquanto mulher,
negra, vinda de um meio pobre, que galgou a pulso e que muito penou para
conquistar o respeito num universo elitista, maioritariamente de
brancos ricos (lamento, mas o ténis ainda é isto), é certamente
cansativo isto de se andar sempre contra a corrente e a ter de provar
que merece um lugar ao sol. E esta contracorrente não se resume aos
courts de ténis, esses são apenas um reflexo do enorme racismo, sexismo e
demais formas de preconceito que ainda existem na sociedade onde Serena
se move. Por mais que não seja essa a nossa realidade, é importante
lembrarmo-nos disto antes de lhe atirarmos pedras fáceis. Mas claro que a
tudo isto se juntou o peso e a frustração acrescidos de ter à sua
frente uma tenista bastante mais nova e inexperiente, mas que estava
nitidamente em condições de ganhar a final. Uma final que seria a cereja
no topo do bolo na validação de Serena em tantos aspetos.
Carlos Ramos: ser tendencioso não é igual a ser sexista
Contudo,
por mais que possamos e devamos empatizar com tudo isto numa análise
geral, também há que perceber que tudo aconteceu durante uma partida de
ténis e que nada justifica que qualquer atleta – independentemente do
género - insulte ou ameace pessoas em campo, neste caso o árbitro. Mesmo
que outros já o tenham feito anteriormente. Se quisermos nivelar nesta
perspetiva, então que se questione e exijam punições para quem o faz, em
vez de se exigir que se possam repetir os mesmo erros e infrações e
sair-se impune. Parece uma pescadinha de rabo na boca, mas são coisas
bem diferentes na construção global do tratamento igualitário e da
evolução do que está errado.
Carlos Ramos, goste-se
ou não do seu estilo frio de arbitragem, acabou por ter razões válidas
para a penalizar. E não me parece que o tenha feito por ela ser mulher,
tal como ela não se exaltou especificamente porque tem uma vulva entre
as pernas que a torna uma histérica, como já li por aí. Carlos Ramos
puniu-a porque as atitudes de Serena foram reprováveis perante as regras
do jogo, tal como já o fez com atletas do sexo masculino. Claro que, se
quisermos, encontramos exemplos de momentos em que este árbitro não
puniu jogadores do sexo masculino desta forma. Mas se quisermos, também
encontramos inúmeros exemplos em que ele o fez, por mais que não existam
dois jogos iguais. Aliás, tanto Nadal como Djokovic têm um
historial de quezílias com ele precisamente por acharem que o árbitro
português é controverso nas suas decisões. Carlos Ramos pode ser acusado
de ser tendencioso perante diferentes jogadores ou de arbitragem
inconstante. Mas isso não tem nada a ver com sexismo.
Um momento infeliz não invalida toda uma carreira
Não
é errado dizermos que Serena Williams se passou e que teve uma reação
que a acabou por prejudicar e lhe tirar a razão (ela tinha razão quanto à
dureza da primeira advertência). Serena passou-se como qualquer ser
humano se passa de vez em quando. Ou como qualquer árbitro, de qualquer
modalidade, invariavelmente também falha nos seus juízos, tão simples
quanto isto. Não somos robots, temos emoções difíceis de gerir, dúvidas
em determinados momentos, tomamos decisões sob pressão e algumas nem
sempre são as melhores. Mas quando erramos, regra geral, sofremos
consequências. Para uma atleta de alta competição, numa final como esta,
a consequência foi esta.
Infelizmente, depois há
consequências que têm um espectro mais amplo do que a nossa esfera
pessoal. Ainda há poucas semanas a tenista foi alvo de decisões sexistas
quanto à sua indumentária, por exemplo, e a sua reação foi exemplar,
digna de aplauso. Aliás, é essencial que mais atletas se insurjam contra
a discriminação sexista sistémica no mundo do desporto. Mas neste caso
não foi de todo oportuno usar este argumento, nem muito menos produtivo
para a credibilização da causa. E este é o ponto que realmente me
incomoda nesta história.
Seja como for, em qualquer
movimento ideológico e de mudança de paradigma existem interpretações
pouco construtivas da mensagem (olhemos para a política ou para a
religião) e momentos pontuais em que esta é usada de forma errada ou
impulsiva. Mas isso não invalida de todo a importância e seriedade da
mesma na sua globalidade. Tal como este momento infeliz da carreira de
Serena não invalida que ela seja a melhor tenista de todos os tempos, e
uma fonte de inspiração para pessoas do mundo inteiro.
IN "EXPRESSO"
11/09/18
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