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27/05/19
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A “orbanização” da
extrema-direita na Europa
O espectáculo realmente indecente, de
incapacidade e impotência, que a UE representou face à terrível crise
dos refugiados, constituiu, sem a menor dúvida, um dos principais
pretextos para os movimentos nacionalistas, xenófobos, populistas e
racistas se expandirem.
Há precisamente dois anos, em Maio de 2017, o grande
historiador italiano Enzo Traverso (n. 1957) avisou: “Se, depois do
traumatismo do Brexit, a União Europeia não for capaz de mudar de rumo,
não merecerá sobreviver”. Em 2017, longe de se erguer como um obstáculo
ao crescimento das direitas radicais ou extremas, a UE continuava a
legitimá-las e a alimentá-las. E em 2019 nada mudou.
A União Europeia tornou-se uma construção política desarticulada que
foi, pouco a pouco, corroendo as soberanias nacionais para submeter os
seus países membros à soberania supranacional dos mercados financeiros.
As políticas de austeridade que impôs, com total inflexibilidade, a
países como a Grécia e Portugal, através da Troika (BCE + FMI + Comissão
Europeia), privilegiando a defesa dos bancos e dos plutocratas em
prejuízo das classes médias e das classes populares, constituíram um
sinal iniludível da deriva tecnocrática e burocrática de Bruxelas.
Por outro lado, o espectáculo realmente indecente, de incapacidade e
impotência, que a UE representou face à terrível crise dos refugiados,
constituiu, sem a menor dúvida, um dos principais pretextos para os
movimentos nacionalistas, xenófobos, populistas e racistas se expandirem
e erguerem as suas bandeiras contra as elites europeias instaladas no
poder, em Bruxelas e nos países membros.
Em 2017, Enzo Traverso salientava que, entre 2004 e 2014, a Comissão
Europeia foi presidida por Durão Barroso, actual chairman do Goldman
Sachs (o banco mais predador da economia e finanças gregas, nos
‘antecedentes’ da Troika); tendo-lhe sucedido, em 2014, Jean-Claude
Junker (durante quase 20 anos primeiro-ministro e ministro das Finanças
desse ‘paraíso fiscal’ que é o Luxemburgo); sem esquecer um outro
representante do tentacular Goldman Sachs, Mário Draghi (porventura o
mais competente do “trio maravilha”), o qual, como presidente do Banco
Central Europeu, logrou ‘salvar’ o euro para alívio do capitalismo
financeiro.
Entretanto, os movimentos de extrema-direita foram-se desenvolvendo
em vários países europeus e agregando em torno do “evangelizador magiar”
Viktor Orban, o primeiro-ministro húngaro “iliberal”, nacionalista,
xenófobo, racista, populista, pós-fascista ou neofascista (a imprecisão
conceptual ainda prevalece), “encantando” à sua roda outros políticos de
extrema-direita como, por exemplo: o italiano Matteo Salvini, o polaco
Jaroslav Kaczynski, o romeno Liviu Dragnea, a francesa Marine Le Pen
(mas também o ex-PR Nicolas Sarkozy), o britânico Nigel Farage, o
austríaco Heinz-Christian Strache (hoje caído em desgraça por
corrupção), o holandês Geert Wilders (que promete acabar com a
“escumalha marroquina” no seu país), além do turco Recip Erdogan e,
claro!, do russo Vladimir Putine. Sem esquecer, do outro lado do
Atlântico, não só o “pistoleiro” brasileiro iletrado e racista, Jair
Bolsonaro, mas, sobretudo, o macho grotesco e cerdo chauvinista Donald
Trump, Presidente dos EUA, um político ignorante, fascizante e xenófobo
que pretende, à viva força, mergulhar o mundo, não só numa “guerra
comercial” com a China, mas também numa “guerra quente” com o Irão, que
seria uma imensa catástrofe.
A divisa do partido de Viktor Orban, o FIDESZ, não deixa de ser
chocante. Diz ela: “Nós salvaremos a Europa cristã contra a contaminação
multicultural pretendida pela União Europeia”. O que é, no mínimo,
ridículo, num país onde apenas 3 % de jovens adultos confessam ir à
missa e cujo primeiro-ministro critica furiosamente as declarações do
Papa Francisco em defesa da dignidade e do acolhimento dos refugiados.
Também é muito curioso que esta ‘deriva liberticida’ – tanto de Viktor
Orban, na Húngria, como de Jaroslav Kaczynski, na Polónia –, que
disparou desde a “crise migratória” de 2015, seja sublinhada por
repetidas proclamações de anti-comunismo, quando o fenómeno a que se
assiste, nessas “fortalezas sitiadas por refugiados” – que, aliás, nunca
almejaram instalar-se nesses dois países – é uma progressiva renúncia à
democracia, através de esquemas muito semelhantes aos dos regimes
comunistas derrubados durante a década de 1990.
Do ponto de vista estritamente ideológico, a confusão é patente entre
“familiares” da extrema-direita, mas o que os une é, por enquanto, mais
forte: o nacionalismo, a xenofobia, o racismo, a demagogia política, e o
desprezo pela democracia e pela liberdade. Diz-se, regra geral, que os
episódios da História nunca se repetem, mas a minha intuição diz-me que
alguns deles são, pelo menos, muito parecidos. Para já, as forças que
dominam a economia global – capital financeiro e plutocracia – ainda
apoiam Bruxelas, os seus tecnocratas e burocratas, assim como os
políticos coniventes ou simplesmente conformistas. Mas, como lembrou
Enzo Traverso, em 2017: “Numa situação caótica prolongada, tudo se torna
possível. No fundo, foi o que se passou na Alemanha entre 1930 e 1933,
quando os nazis abandonaram o seu estatuto de movimento minoritário de
plebeus enraivecidos, para se tornarem os interlocutores dos grandes
konzern (grupos empresariais), das elites industriais e financeiras e,
depois, das próprias forças armadas (Wehrmacht)”.
Como lamenta Régis Debray, a Europa já deixou de ser um sítio do
mundo em que a economia não ditava a lei, em que a política ainda se
sobrepunha ao negocismo (business), e os assuntos públicos eram bem mais
importantes do que os bancos. Só que: “Bruxelas adoptou a hierarquia de
valores próprios dos EUA. E nela fala-se inglês e pensa-se americano.
Daí o círculo vicioso; esta construção artificial – que cada dia o é
cada vez mais – tornou-se a expressão do neoliberalismo económico mais
destrutivo e, por essa via, reactivamente, fornecedor dos nacionalismos
mais obtusos”. Porque é disso que se trata nesse irreal ‘círculo de giz
reaccionário’ que foi sendo traçado em torno do “evangelizador magiar”
Viktor Orban.
E em Portugal? Por cá, o fenómeno de “orbanização” da direita não tem
avançado graças à solução de Governo que os partidos de esquerda
conceberam para tornar viável o Governo minoritário do PS. Mas ameaças
existem, sobretudo oriundas dos sindicatos, quer ‘controlados’ pelo PCP
(caso da FENPROF, do ‘maximalista’ Mário Nogueira), quer ‘controlados’
pelo PPD-PSD (caso da FNE, de João Dias da Silva, e, sobretudo, caso da
bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, que já foi da
direcção do PPD e que controla os sindicatos que lhe são fiéis).
De resto, existem nos partidos da direita com representação
parlamentar sectores mais radicais, direi mesmo “miguelistas”, como o
dos adeptos de Passos Coelho e do truculento Paulo Rangel (no PPD) e o
dos adeptos de Nuno Melo e de Assunção Cristas (no CDS), que primam,
todos eles, pelo recurso sistemático à provocação e ao insulto contra a
Esquerda, mas revelam uma total vacuidade do ponto de vista ideológico.
Para os perceber um pouco melhor, só lendo algumas prosas bastante
reaccionárias que são ‘enxame’ quotidiano no jornal on-line Observador…
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27/05/19
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