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IN "VISÃO"
11/05/16
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O mesmo planeta,
dois mundos
O que têm em comum um hospital em Viena de Áustria e um hospital em Maputo, Moçambique?
Há uns dias visitei o Hospital Central
de Viena. Uma das maiores unidades de saúde europeias: duas mil camas de
interamento, dez mil funcionários, alguns dos mais reputados da Europa
em áreas sofisticadas como a radiologia. Aliás, o hospital foi o
escolhido para receber o primeiro Somaton Drive do mundo. Um aparelho
ainda sem preço definido e que estará para a radiologia como o Rolls
Royce está para a indústria automóvel.
Os dois mil metros
quadrados do Hospital incluem uma loja de próteses, onde se vendem
muletas verdes, vermelhas, de todas as cores menos do enfadonho
cinzento. Há escadas e passadeiras rolantes, que guiam os utentes até
aos vários serviços. Um sistema de riscas coloridas, marcadas no chão,
ajuda a que ninguém se perca. Pelos corredores amplos, de chão de
linóleo impecavelmente limpo, passam miúdos de bata branca, com ar
preocupado – é um hospital universitário muito exigente e a vida de
estudante de medicina não é fácil para ninguém. Circulam ainda médicos
mais séniores, impecavelmente vestidos e um ou outro mais freak. Como um
que vi passar: bata branca, pele queimada da neve (as mãos estavam
brancas, por isso é que supus ser neve!), cabeça completamente rapada e
um neurónio tatuado, mesmo acima da orelha direita. Neurologista ou
neurocirurgião, com certeza. Tudo em movimento, escada rolante acima,
escada abaixo.
Na ala dedicada à radiologia, pudemos apreciar o
tal Rolls Royce da tomografia. Resultados em menos tempo, mais conforto
para o doente. Na antecâmara, duas radiologistas seguem meia dúzia de
monitores - um para ver o paciente, outro para espreitar o interior da
máquina, outro para definir os cortes necessários para uma análise o
mais exata possível do interior do doente. Se a alma pudesse ser
apanhada, tenho a certeza de que esta máquina o faria. Nem por um
segundo as duas especialistas desviaram os olhos dos ecrãs. Nem quando a
sala foi invadida por uma dezena de visitantes. Fazem isto durante sete
horas. A unidade funciona 14 horas por dia. “Temos uma lista de espera
de três semanas. É mau. Já foi menos”, lamenta o chefe da unidade Marius
Mayerhoefer. Perante o meu espanto pelo tão curto tempo de espera, o
médico e professor universitário atira: “há doentes urgentes, que
precisam de receber tratamento o mais rapidamente possível e sem estes
exames não conseguimos começar a tratá-los”. Claro, isso sei eu, pensei,
um bocado irritada com a condescendência. Ele é que parecia desconhecer
que a urgência é a mesma em todo o lado, mas os tempos de espera não.
Estamos
em Viena, uma cidade que há já alguns anos aparece no primeiro lugar do
índice de qualidade de vida. Não há criminalidade. Os transportes
públicos são tão certos como um relógio suíço. Às seis da tarde, no
inverno, é noite cerrada e os melhores restaurantes da cidade são os de
comida libanesa ou italiana. Tudo funciona!
Uma semana depois de
chegar de Viena, visitei, também como jornalista, o Hospital Central de
Maputo. Antes de partir, conversei com alguns residentes em Moçambique e
sempre que explicava ao que ia, ouvia: “estás preparda?”
Estou
preparada, então não estou! Há 15 anos que faço reportagem em hospitais,
já assisti a operações complicadas, passei horas em urgências
hospitalares. Além disso, sou uma pessoa informada. Sei que Moçambique é
um país com vários problemas, entre eles o acesso à saúde, onde 20% da
população está contaminada com o vírus da sida e a esperança de vida não
passa dos 52 anos.
O avião aterrou às sete e meia da manhã em
Maputo e uma hora depois estava eu a entrar no hospital. Já tinha
passado pelos bairros de lata, entre o aeroporto e o centro da cidade,
com os miúdos a brincar entre o lixo, na beira da estrada.
O
hospital é amplo, espalhado por uma área plana, dividido em pavilhões,
rodeados de canteiros bem cuidados. Há árvores, arbustos e flores.
Talvez por isso o choque seja maior quando se percebe o estado de
degradação dos edifícios. Boa parte deles não teve qualquer tipo de
intervenção desde a sua construção na década de 40 do século passado. Há
sofás de napa velhos espalhados pelas varandas, onde os doentes esperam
pela sua vez. Está muito calor. Trinta graus e ainda não são dez da
manhã.
Mas como não há ar condicionado, mais vale esperar na varanda,
sempre pode correr uma aragem. Na oncologia falta de tudo. Medicamentos,
espaço para sentar os doentes, que se apertam na sala de quimioterapia,
que é essencialmente paliativa. Os doentes chegam num estado muito
avançado da doença, anos depois de sentirem os primeiros sintomas,
quando já há muito pouco a fazer. Em todo o país, a nível público, não
há qualquer equipamento de radioterapia, um elemento essencial no
tratamento dos doentes com cancro. Para todo o hospital, há um aparelho
de TAC e outro de ressonância magnética. Mas há engenho. Adaptam-se os
esquemas terapêuticos, improvisa-se, oferece-se paracetamol para tratar a
dor oncológica. E espera-se. Com uma serenidade e uma paciência
desconcertantes. Afinal, eu não estava preparada para tudo!
No último dia,
dei um passeio de tuc-tuc pela belíssima Costa do Sol, à beira do
Índico, completamente rendida àquele calor, àquelas gentes. Ao volante, o
Matias, um bonito rapaz de 29 anos, orgulhoso do seu veículo e dos
filhos de oito e seis anos. Falávamos do tempo e das estações do ano. "A
primavera começa a 21 de março", disse-lhe. "Ah, pois é! Vocês lá têm
data marcada para tudo", exclama, com genuína pena de mim e de outros
europeus como eu, com a vida assente em calendários e agendas. E é mesmo
para ter pena.
IN "VISÃO"
11/05/16
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