HOJE NO
"PÚBLICO"
Editora da Tinta da China
constituída arguida por publicar
livro que denuncia abusos em Angola
Rafael Marques, arguido no mesmo processo, é o autor de Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola, que a editora publicou em 2011.
Quando soube da investigação do jornalista e activista angolano
Rafael Marques sobre crimes contra populações nas zonas de extracção de
diamantes das Lundas, em Angola, Bárbara Bulhosa, responsável da editora
Tinta da China, não teve dúvidas de que queria publicar esse trabalho
em forma de livro. Fez as diligências para verificar factos e ficou
convicta da sua veracidade. Relatórios internacionais e testemunhos de
vítimas apontavam num mesmo sentido: graves violações de direitos
humanos estavam, há vários anos, a ser cometidas por empresas de
segurança contra as populações indefesas com a conivência de generais em
Angola. Publicou. E, por ter publicado, foi constituída arguida, por
difamação e injúria, no mesmo processo em que também Rafael Marques é
arguido.
Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola, que vendeu até agora cerca de sete mil exemplares, traça
um retrato implacável da vida nas zonas de exploração diamantífera das
Lundas, no Nordeste esquecido do país. Por isso mesmo, o assunto
interessou a Bárbara Bulhosa, enquanto editora. Esta quinta-feira,
quando foi ouvida no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP)
de Lisboa, perguntaram-lhe como tinha conhecido Rafael Marques e por que
se interessara pelo seu trabalho.
Para a editora, o importante,
no momento de publicar o livro, foi dar a conhecer uma situação “de
extrema gravidade, que não era conhecida e que estava a acontecer”.
“Para mim, [a opção de publicar o livro] não tem nada a ver com Angola.
Podia ser noutro país qualquer”, disse ao PÚBLICO. “O que me interessava
era a questão dos direitos humanos e a denúncia de situações terríveis
para as populações.” Considera que este é “um processo político de
intimidação” e uma “pressão sobre todos os editores a quem possam chegar
manuscritos sobre questões sensíveis e em que estão envolvidas pessoas
com muito poder”.
A editora fica com termo de identidade e
residência até o Ministério Público (MP) decidir se deduz ou não
acusação. Mas, tal como explicou o advogado Manuel Magalhães e Silva,
quando Rafael Marques, seu cliente, soube em Dezembro que era
constituído arguido, também o advogado de Bárbara Bulhosa, José Manuel
Mesquita, explica que, na abertura de um processo, os visados são sempre
constituídos arguidos, não resultando essa designação de nenhuma
apreciação do caso.
“Um erro”, segundo a defesa
Seja
como for, diz o advogado: “Este processo parece-me um erro.” Um erro,
no sentido em que poderá vir a confirmar com maior alcance público os
factos expostos no livro. E um erro, considera, de quem interpôs a
queixa-crime: nove queixosos, sete generais e as duas empresas de
segurança de que são accionistas e que operavam nas zonas diamantíferas
em Angola – Sociedade Mineira do Cuango e TeleService (esta última,
entretanto, abandonou a zona de extracção de diamantes).
BÁRBARA BULHOSA |
O
advogado do escritório PLMJ, de José Miguel Júdice, que representa os
generais angolanos e as duas empresas de segurança, João Medeiros,
confirmou ao PÚBLICO que a queixa-crime foi interposta em Março de 2012,
em Portugal, país onde o livro foi editado, e que, entre os queixosos,
está o general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ministro de Estado e chefe
da casa militar da Presidência da República. (É uma das mais influentes
figuras em Angola e do círculo mais íntimo do chefe de Estado, e uma
das figuras visadas por um inquérito-crime aberto na Procuradoria-Geral
da República em Portugal, por branqueamento de capitais e fraude
fiscal.)
Entre os queixosos, estão também o general António dos
Santos França “Ndalu”, deputado do MPLA no poder e presidente da empresa
sul-africana de diamantes De Beers em Angola, e dois generais, Armando
da Cruz Neto e João de Matos, que ocuparam o cargo de chefe do
Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas.
Com uma acusação, haverá julgamento
Pela
defesa, José Manuel Mesquita não arrisca antecipar uma decisão do MP,
mas lembra que a difamação não é punível desde que os factos imputados
sejam verdade ou mereçam credibilidade por parte do autor ou do editor. E
isso está garantido, assegura. Existem relatórios internacionais e
testemunhos locais a confirmar a realidade descrita no livro, que, por
outro lado, “merece toda a credibilidade do autor e da editora”,
acrescenta. Pela acusação, João Medeiros limita-se a dizer: “Vamos ver.”
No caso
de o MP deduzir acusação, o advogado de Bárbara Bulhosa não pedirá a
instrução do processo (que ainda daria hipótese ao arquivamento do
mesmo). “Vamos logo para julgamento.” Será uma forma de expor a verdade,
sugere: “Se querem questionar a veracidade dos factos, vamos ver a
veracidade dos factos."
* Bárbara Bulhosa uma portuguesa de coragem que merece o nosso profundo respeito.
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