06/06/2024

LUÍS OSÓRIO

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 Os líderes do futuro e
          a morte de um tempo

Com mais de dois partidos a poderem ganhar eleições, sendo que um deles defende uma rutura com a democracia, só restará a alternativa de entendimento entre os que acreditam na democracia.

Quando comecei a trabalhar, na velha redação do semanário “O Jornal”, vários jornalistas ameaçaram fazer guerra ao que as administrações chamavam “um novo tempo”. Estávamos na época em que as máquinas de escrever deram lugar aos primeiros computadores. Este é também um tempo de mudança. A internet, e tudo o que daí nasceu, transformou o mundo e ameaça rebentar com todos os alicerces que antes conhecíamos. Na política, projetos alavancados nas redes sociais e na ditadura do algoritmo, tiveram uma ascensão que ainda não atingiu o seu “Princípio de Peter”. Os políticos tradicionais continuaram a fazer o que antes faziam e todos os dias perdem mais um bocadinho para projetos populistas, disruptivos ou inorgânicos. 

No futuro morrerão partidos que achávamos poderem ser eternos. O Chega terminou com o bipartidarismo, como afirmou André Ventura. Mas se não fosse o Chega seria outro partido qualquer desde que tivesse uma figura carismática capaz de capitalizar o que a audiência deseja. A surpreendente votação no Juntos pelo Povo na Madeira é mais um sinal de que o poder deixará de ser dividido como antes.

O ambiente é para muitos de catastrofismo. Eu vejo-o como uma oportunidade. A ameaça dos partidos populistas é real, mas só pode ser combatida com compromissos entre os que acreditam na democracia. Os que dramatizam o “estado a que chegámos” são os mesmos que continuam a viver a política como antigamente, a viver na ideia de que o poder se conquista pelo esmagamento ou anulação do adversário, que só existe poder quando este é exercido sem necessidade de criar entendimentos. 

 Com mais de dois partidos a poderem ganhar eleições, sendo que um deles defende uma rutura com a democracia, só restará a alternativa de entendimento entre os que acreditam na democracia. Os líderes do futuro serão marcados por esta inevitabilidade e quem o perceber primeiro levará vantagem. 

A dicotomia esquerda/direita será menos importante do que a dicotomia entre os democratas e os que não o são. Há 30 anos, alguns dos jornalistas mais respeitados ameaçaram fazer guerra aos computadores com a mesma paixão que alguns políticos de referência ameaçam que todo o mal vem das empresas tecnológicas. Nem sequer interessa se uns e outros tinham ou têm razão, o que interessa é o que fazemos na nossa vez de jogar.

 * Consultor

IN "O JORNAL ECONÓMICO" - 31/05/24.

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