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Advogado na norma8advogados
IN "i"
07/03/19
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Crónica sobre os dias
da esquizofrenia justiceira
e a reafirmação do direito
É, por isso, muito curioso fazer uma análise à
indignação que os acórdãos de Neto de Moura vêm desencadeando junto
destes antigos profetas da liberdade
De repente, o universo mediático e não só, à
semelhança do fenómeno do futebol, encheu-se de especialistas em direito
e em direitos, e assistimos com perplexidade ao julgamento público dos
julgadores profissionais à luz das disposições dos códigos do populismo e
da agenda política.
Para nosso grande azar, a justiça está na berra, e em vez de outras
prementes questões que muito mais que os acórdãos do dr. Neto de Moura
poderiam e deveriam mobilizar e catalisar a opinião pública, ficámos
desgraçadamente na análise daquilo que uns quantos acham que estes
acórdãos dizem e do que deviam antes dizer.
Sobre o que é mesmo relevante discutir na justiça, vamos esperar não
ter de relembrar em breve os gloriosos tempos dos “distraídos”
conselheiros Noronha do Nascimento e Pinto Monteiro, enquanto dissecamos
sumariamente mais um acórdão que não compreendemos, por causa de uma
acusação qualquer de que não cumpre com os hodiernos tempos da agenda
mediática e das causas fracturantes.
Esses temas, porém, não têm o mediatismo conseguido pela análise
apócrifa, e não técnica, que todos de repente se permitem sobre os
acórdãos deste acossado sr. desembargador. A verdade, porém, é que,
regra geral e além da propagação muitíssimo amplificada de uma retórica
dissonante das ideias mainstream sobre a violência doméstica e de uma
personificação muitíssimo fulanizada no julgador, e nada nos agressores,
toda esta sublevação está inquinada pela falta de profundidade da
análise e pela ignorância profunda quer do conteúdo da decisão quer da
seu acerto técnico.
É evidente que Neto de Moura não tem empatia e que as suas decisões
parecem, prima facie, ferir esta tal verdade (absoluta e contaminante)
construída da simples leitura de um acórdão.
Quase todos sem excepção, e muitos a quem se pedia muito mais,
decidiram julgar Neto de Moura por causa daquilo que alguém diz ter
lido, e menos sobre que o acórdão relatado por Neto de Moura foi tirado
por unanimidade, o que indiciará, não que todos os juízes são pela
violência doméstica, mas sim que estarão de acordo com a fundamentação
técnica do mesmo, e mais, poucos até agora, na ânsia justiceira de
comentadores das caixas de ódio, conseguiram atentar em que, no
essencial, esta sentença confirma uma decisão de primeira instância que
diz o seguinte:
“Face ao exposto, o Tribunal (de primeira instância) decide:
a) Condenar o arguido B… pela prática, em autoria material, de um
crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art. 152.o, n.o 1
alíneas a) e c) e n.o 2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de
prisão;
No entanto, por considerar que as exigências de prevenção ficam
devidamente salvaguardadas, decide-se suspender a pena de prisão
aplicada, condenando-se assim o arguido B… na pena de 3 (três) anos de
prisão, prisão suspensa na execução pelo período de 3 (três) anos,
suspensão sujeita a regime de prova, obrigando-se o arguido ao
cumprimento do plano de reinserção social (…).
Do plano de reinserção social deverá constar o tratamento ao
alcoolismo, se tal for considerado necessário, e ainda o cumprimento das
penas acessórias.
b) Condenar o arguido B… na pena acessória de proibição de contactos
com C… (proibição de contactos telefónicos, presenciais, por redes
sociais ou epistolares), com a imposição do afastamento do arguido do
local de trabalho/residência da vítima C…, pelo período de 3 (três)
anos, e com recurso a meios de vigilância eletrónica.
c) Condenar o arguido B… na pena acessória de obrigação de frequência
no Programa de Prevenção de Agressores de Violência Doméstica, em
sessões a definir pela DGRSP de acordo com as necessidades do condenado,
programa a frequentar no prazo de 1 (um) ano;
d) Por se considerar o pedido de indemnização civil procedente, por
provado, condena-se o demandado B… a pagar à demandante C…, pelos danos
não patrimoniais, a quantia de €2500,00 (dois mil e quinhentos euros)”.
Será que sabem que nem o Ministério Público nem a lesada recorreram
dessa sentença? E que na extensa fundamentação do acórdão pode ler-se
que “ O grau de ilicitude da conduta do arguido não pode ser
menosprezado, tendo em consideração a natureza do bem jurídico violado. §
Presentemente, é consensual a ideia de que a utilização da violência,
nomeadamente contra as mulheres, as crianças e os idosos, constitui uma
violação dos direitos fundamentais da pessoa humana”? Ou que, no fundo,
este acórdão mantém a condenação com pena suspensa que fora decidida em
primeira instância, retirando-lhe dois meses na sua duração por uma
questão de ponderação técnica da dosimetria, e que as demais alterações
se reportam a nulidades processuais e insuficiências da decisão
recorrida, ou seja, que mais não foram que a reposição da legalidade?
Esta decisão, assim, não revogou ou decidiu a libertação do agressor,
que nunca esteve preso, e o que se decidiu reformar no acórdão não
teria de ter sido feito se a sentença recorrida estivesse em condições, e
decidiu pois:
“(…) b) manter a condenação do arguido B… pela prática, em autoria
material, de um crime de violência doméstica previsto e punível pelo
artigo 152.o, n.os 1, alíneas a) e c), e 2, do Código Penal, mas alterar
a medida da pena, que agora se fixa em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses
de prisão, cuja execução se suspende por igual período;
c) manter a condenação do arguido na pena acessória de proibição de contactos com C…, mas reduzir a sua duração para um ano;
d) revogar a decisão de utilização de meios técnicos de controlo à
distância na fiscalização do cumprimento dessa pena acessória;
e) em tudo o mais, designadamente no que tange ao regime de prova e
imposição de deveres e regras de conduta que condicionam a suspensão da
execução da pena e quanto à pena acessória de obrigação de frequência de
programa de prevenção de agressores de violência doméstica, manter o
decidido”.
O acórdão explica as opções e identifica os vícios, e a verdade é
que, pese o coro mediático, até para as vozes histriónicas que se
levantaram deverá ser consensual que, comparadas com as muitas mulheres
que morrem vítimas da violência doméstica, sempre amiúde lembradas por
estes, por trágico e amoral que seja furar um tímpano a soco, que é!.
(no confronto), tal será relativamente menos grave que matar alguém à
pancada. A lei reconhece-o e o julgador tem de fazê-lo também, quando
aplica o direito.
É muito curioso, pois, que pessoas que normalmente se afirmam
paladinos da defesa do direito a inúmeras liberdades, constitucionais e
não só, e que exigem de todos e relativamente a si o respeito
escrupuloso de cada um dos seus direitos e garantias, ou porventura
também para todas as suas minorias favoritas, recusem (numa matéria que
claramente desconhecem ou relativamente à qual estão de má-fé) que tais
garantias possam de alguma forma, e afinal, ser suprimidas a alguém
sempre que a decisão não for conforme com os cânones das suas certezas
politicamente correctas e ideologicamente puras.
É, por isso, muito curioso fazer uma análise à indignação que os
acórdãos de Neto de Moura vêm desencadeando junto destes antigos
profetas da liberdade. Os mesmos que rasgavam as vestes com o exercício
da autoridade do Estado no Bairro da Jamaica são os que encabeçam agora o
movimento contra o Estado quando este é garantista e os reafirma,
afrouxando as restrições decretadas aos direitos dos arguidos que são,
de acordo com as agendas em voga, “impopulares”.
O exercício da função de julgar sopesa os direitos dos agressores e
dos agredidos, e o seu exercício correcto pode e, muitas vezes,
determinará mesmo casuisticamente resultados socialmente impopulares e
aparentemente cruéis e/ou completamente dissonantes da agenda mediática,
mas, não obstante, perfeitamente legais porque repositores da
legalidade e a espaços delimitadores e repressores de um certo populismo
justiceiro e totalitário das causas mais ou menos apaixonadas.
Por isso, por maior paradoxo que pareça ser, é nos acórdãos polémicos
e impopulares que, de tempos a tempos, se reafirmam direitos que a
barbárie já revogou no seu ímpeto justiceiro, e que há espaço para se
reafirmar o direito, e os direitos, mesmo que tal pareça aberrante no
calor do momento.
Advogado na norma8advogados
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07/03/19
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