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IN "PÚBLICO"
01/10/18
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Extrema-direita na Áustria:
devemos ficar preocupados?
Hoje, a Viena outrora de Strauss e Schubert vive tempos assustadores.
Estar a viver temporariamente em Viena dá-me o pretexto ideal para
falar sobre os recentes acontecimentos políticos na Áustria e as suas
possíveis consequências no quadro europeu.
Até recentemente, a política doméstica austríaca não merecia especial
atenção além-fronteiras. E os austríacos agradeciam. Afinal de contas,
depois das catástrofes políticas do século passado, é preferível deixar o
grande plano para outros atores. Mas tudo muda. E hoje, a Viena outrora
de Strauss e Schubert vive tempos assustadores. Pelo menos é essa a
perceção daqueles com quem me cruzo diariamente, desde o cidadão comum
aos especialistas em ciência política. Obviamente esta perceção é muito
provavelmente enviesada e até minoritária – afinal de contas, as
sondagens continuam a indicar elevados níveis de apoio ao novo governo.
Mas isso é que é assustador. Porquê? Façamos então um breve exercício de
memória.
No último ano, o Partido Popular (ÖVP), partido habituado a governar
ao longo dos anos, ganhou as eleições. Mas enfrentou, novamente, uma
vitória sem maioria parlamentar, aliando-se, desta vez, com a
extrema-direita do Partido da Liberdade (FPO), que arrecadou cerca de
31% dos votos. Embora esta coligação não seja uma novidade para os
austríacos – aconteceu também em 2000 –, o partido tem muito mais poder
atualmente, incluindo o controlo de importantes ministérios. Muito já se
escreveu sobre o Partido da Liberdade: partido nacionalista,
conservador, anti-imigração e islamofóbico fundado por nazis (entre
outros) depois da 2.ª Guerra Mundial. Quando entrou para o Governo em
2000, outros países da União Europeia impuseram, em protesto, pequenas
sanções à Áustria. Contudo, a paisagem política europeia atual dita
outra reação: aceitação silenciosa. Até porque Kutz, líder do ÖVP,
prometeu construir um governo pró-europeu.
Mas a extrema-direita na Áustria não é uma novidade e tão pouco se
fica pelas estruturas de poder político formais como o parlamento e o
governo. A extrema-direita também se faz sentir nas ruas. O movimento
“identitário” pan-europeu iniciado em França no ano de 2003 tem o seu
“bloco” mais visível, atualmente, na Áustria desde a sua implementação
em 2012. Embora a importância real deste grupo seja frequentemente
inflacionada pela cobertura mediática que lhe é dada, a sua longevidade e
recente crescimento merecem, porém, algum destaque quando falamos na
extrema-direita na Áustria.
Muitos questionam qual o verdadeiro perigo da ascensão da
extrema-direita na Europa. Parece haver duas perspetivas dominantes:
1) os media retratam esta ascensão num tom apocalíptico que tem pouca adesão à realidade – recorde-se o alerta do primeiro-ministro português à saída da reunião de chefes de Estado e Governo em Salzburgo há uns dias atrás; ou
2) a Europa devia estar muito preocupada porque, a passos largos, estamos a caminhar para uma Europa cada vez menos democrática e tolerante. Eu partilho a visão mais pessimista. E acredito que a inclusão do Partido da Liberdade como parceiro governativo constitui uma mudança sistemática na política austríaca com severas repercussões e implicações para o resto da Europa. Por várias razões. Pelo peso eleitoral e territorial do partido no país: já não é a primeira vez que chega ao governo e desde a sua implementação que tem aumentado substancialmente a sua expressão eleitoral; é também apoiado por grupos da sociedade civil, grupos e movimentos de extrema-direita e direita radical. Pela posição geográfica do país: é particularmente assustador à luz das recentes derivas à direita com traços autoritários dos países vizinhos, como a Hungria, Croácia e Polónia. E por aquilo que representa para os partidos austríacos mainstream habituados a dividir o poder entre si. Na última eleição o ÖVP virou completamente à extrema-direita em alguns temas importantes. Em campanha eleitoral, Kurz chegou mesmo a aliciar os simpatizantes da extrema-direita com a promessa que ele é que seria capaz de implementar uma política anti-imigração eficaz, ao contrário do FPO. Enquanto o partido social democrata (SPÖ) optou pelo silêncio em questões fraturantes.
1) os media retratam esta ascensão num tom apocalíptico que tem pouca adesão à realidade – recorde-se o alerta do primeiro-ministro português à saída da reunião de chefes de Estado e Governo em Salzburgo há uns dias atrás; ou
2) a Europa devia estar muito preocupada porque, a passos largos, estamos a caminhar para uma Europa cada vez menos democrática e tolerante. Eu partilho a visão mais pessimista. E acredito que a inclusão do Partido da Liberdade como parceiro governativo constitui uma mudança sistemática na política austríaca com severas repercussões e implicações para o resto da Europa. Por várias razões. Pelo peso eleitoral e territorial do partido no país: já não é a primeira vez que chega ao governo e desde a sua implementação que tem aumentado substancialmente a sua expressão eleitoral; é também apoiado por grupos da sociedade civil, grupos e movimentos de extrema-direita e direita radical. Pela posição geográfica do país: é particularmente assustador à luz das recentes derivas à direita com traços autoritários dos países vizinhos, como a Hungria, Croácia e Polónia. E por aquilo que representa para os partidos austríacos mainstream habituados a dividir o poder entre si. Na última eleição o ÖVP virou completamente à extrema-direita em alguns temas importantes. Em campanha eleitoral, Kurz chegou mesmo a aliciar os simpatizantes da extrema-direita com a promessa que ele é que seria capaz de implementar uma política anti-imigração eficaz, ao contrário do FPO. Enquanto o partido social democrata (SPÖ) optou pelo silêncio em questões fraturantes.
No entanto, a inclusão do Partido da Liberdade no governo não é o resultado mais assustador per se. A extrema-direita sempre esteve presente na política Austríaca. Enquanto em 2000 a Áustria estava isolada e era um outlier
(o que explica as sanções impostas por vários países europeus), em 2018
a Áustria é mais um caso de sucesso entre muitos outros onde a
extrema-direita e a direita radical estão a crescer, como na Alemanha,
Suécia, Grécia e Holanda. Passados quase 20 anos, o panorama europeu é
muito diferente. A extrema-direita e o populismo estão hoje mais
musculados, poderosos e imbuídos em algumas instituições nacionais e até
no Parlamento Europeu.
No próximo dia 4 de Outubro está previsto um protesto na cidade de
Viena, que vai reunir grandes figuras do panorama cultural e intelectual
austríaco, incluindo Elfriede Jelinek, prémio Nobel da Literatura.
Espera-se que esta seja uma das maiores manifestações desde o início de
funções do governo, em 2017. Esperemos que muitos mais protestos se
repitam. E que os europeus respondam em massa contra o populismo e a
extrema-direita nas próximas eleições europeias em Maio de 2019.
IN "PÚBLICO"
01/10/18
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