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HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
"O meu pai assistiu ao 13 de outubro,
mas não viu nada"
Sérgio
Ribeiro, antigo eurodeputado comunista, conta que o seu pai, Joaquim
Ribeiro - que dará nome a um Centro de Documentação - assistiu aos
acontecimentos de 13 de outubro de 1917 e garantia nada ter visto
Estava
no Colégio do Sagrado Coração de Maria. Fui lá pela 13.ª vez
consecutiva. Convidaram-me uma vez, parece que não desagradei às
freiras... e todos os anos me convidam. No ano passado houve um pequeno
incidente com um pai que não gostou que eu tivesse sido convidado, e
escreveu ao colégio a dizer que não deviam convidar gente como eu. Não
sei porquê...
Gente comunista?
Sim...
escreveu uma carta um pouco complicada, a que eu respondi em termos que
acho civilizados. E este ano não esperava ser convidado.
Mas foi...
... e foi muito agradável estar com os miúdos.
Que idade tinham?
13 anos, na sua maioria. Estavam ali à minha frente e eu a lembrar-me dos primeiros que me ouviram ali, e que têm agora 26 anos.
E nestes encontros o que procura transmitir aos miúdos?
Duas
coisas: primeiro, que na idade deles comecei a olhar à minha volta e
via coisas de que não gostei e tentei fazer alguma coisa para mudar. Mas
como nessa altura não havia liberdade, só opressão e perseguição, sofri
as consequências. Foram desagradáveis, com prisão, com tortura, com
morte, com assassinatos de amigos...[é o que vou relatando aos miúdos em
linguagem que procuro acessível] mas que me deram uma enormíssima
alegria... ter estado preso no 25 de Abril e ter saído para a liberdade.
Ter nascido segunda vez.
Considera que começou aí a sua segunda vida?
Aquilo
que eu vivi foi um parto, com toda a imagem do parto: da escuridão para
a luz, através de um corredor. E depois ver os faróis dos carros, o meu
pai e a minha mãe. Só saímos no dia 27, de Caxias.
Nessa
sua infância e juventude aqui, a meia dúzia de quilómetros da Cova da
Iria, o fenómeno Fátima era muito presente em toda a gente...ou não?
Não.
Eu sinto-o quando vejo passar os peregrinos, claro. Mas veja: eu nunca
conversei sobre Fátima com os meus vizinhos. Sei que Fátima tem uma
influência muito grande, mas não de forma direta. O meu pai tinha 19
anos e assistiu ao 13 de outubro ["milagre do sol"].
Foi lá, à Cova da iria?
Sim,
foi. O meu pai será o maior responsável pela minha posição em relação a
Fátima. É uma versão contraditória da que vingou. O meu pai era
comerciante em Lisboa, tinha muitos amigos. Alguns deles nos anos 40 e
50 vinham cá, dormiam cá em casa. Ele não era crente, era agnóstico.
Sobretudo anticlerical. Batizou-me, só. Quando eu lhe fazia perguntas,
com a curiosidade de miúdo, ele dava-me esta explicação: "Eu fui lá ver o
que se passava. E não vi nada! Ou por outra: vi coisas que achei
naturais."Até fazia comigo esta experiência (das poucas vezes em que
falámos do assunto) - "pega numa imagem qualquer, olha para isto
fixamente durante uns minutos, olha para o céu, e vês a imagem
refletida".
E foi o que lhe aconteceu?
Sim.
Isto no meio de uma massa de gente cria uma ilusão coletiva. Agora
chama-se visão, como diz bem numa entrevista recente o D. Carlos
Azevedo. Mas isso é contraditório! Como é que se explica que a partir de
uma visão se canonize duas crianças? Como é que o D. Carlos Azevedo,
por uma questão de rigor de linguagem - para evitar o ridículo - pactua
com o ridículo da canonização de duas crianças que foram induzidas a ter
visões pela prima mais velha...que era uma visionária.
Mas qual é a sua versão sobre os acontecimentos de Fátima?
Acho
que é claríssima a evolução histórica de Fátima. Começou por ser
reticente a aceitação da mãe de Lúcia, da Igreja, dos padres. A Igreja
não deu aval durante muitos anos. Mas em contrapartida ia comprando
terrenos à volta... a tese de Luís Filipe Torgal é claríssima, por ser
comprovável. É um estudo histórico e científico. A Igreja ia mantendo as
suas dúvidas, teve como grande estratega o padre Manuel Formigão...e
numa primeira fase é reticente, muito no registo "se isto der... logo se
vê. Se não der, não estamos comprometidos".
Foi próximo do administrador do concelho da época, Artur de Oliveira Santos. Que relação tinha com ele?
Havia
uma revista que se publicava em Portugal - Seleções de Reader"s Digest -
que tinha uma secção chamada "O meu tipo inesquecível". Se eu tivesse
que escolher um tipo inesquecível para mim era o senhor Artur de
Oliveira Santos, um amigo excecional. Era um homem de raiz operária.
Depois era um homem culto, da propaganda republicana. E era um ativista
político. A sua atitude era política.
E foi o administrador do concelho de Ourém naquela altura...
E
é um dos grandes responsáveis por Fátima ter vingado. Porque se ele no
dia 13 de agosto não tivesse ido buscar os miúdos, talvez as coisas
fossem diferentes. Ele foi buscá-los para casa dele, tratou-os
exatamente como tratava os filhos, que conheci muito bem. Era um homem
excecional de bonomia, de bondade, mas de intervenção. Não fora isso,
havia menos um argumento contra a República. Dou-lhe um exemplo: eu
miúdo, no final da guerra, já voltado para as questões políticas, fui
com o meu pai ao Cinema São Jorge, em Lisboa, ver um filme americano
sobre Fátima, em que dão o retrato do Artur como um facínora.
Ainda hoje prevalece um pouco essa imagem...
Ou
que é feita prevalecer. Isso é das coisas que me indigna. E é uma das
minhas batalhas. Nesse dia, vejo o meu pai levantar-se e a gritar "é
mentira!". Isto no tempo do fascismo... na fase política de Fátima.
Depois de a Igreja começar a aceitar, Fátima foi muito bem aproveitada
pelo Estado Novo, naquele "casamento" Salazar-Cerejeira.
Como é que olha para o fenómeno da comemoração do centenário?
Estava
à espera disto, não me surpreende literalmente nada. Já há uns anos
escrevi para a revista Vértice sobre isso, dizendo que iria haver dois
centenários muito importantes: o de Fátima e o da Revolução Soviética.
São duas coisas que, na minha perspetiva, têm a ver como a história da
humanidade se vai desenrolando. Assim como daqui a cem anos iremos viver
o centenário de um momento de rutura, que pode ser amanhã se o Trump
quiser.
Com a vinda do Papa, alguns amigos pediram-lhe para ficar em sua casa?
Desta
vez não. À medida que os anos vão passando, as amizades também vão
sendo mais seletivas. Alguns que poderiam vir, já morreram...
É também por essa noção de preservar a memória que quer deixar a Ourém o legado do seu pai e toda a sua biblioteca?
O
meu pai foi uma figura tutelar para mim. Daí a minha intenção de
assinar o protocolo com a câmara para criar o Centro de Documentação
Joaquim Ribeiro. O que tenho em casa é só uma parte, fora o que está aí
numa adega de um vizinho, com a documentação do Parlamento Europeu.
Quantos anos lá esteve?
Entre
1990 e 2000 e 2004-2005. Estive na comissão monetária que criou o euro,
e tive o enorme prazer de votar contra o euro. Naquela altura diziam
que eu era louco.
Foi preciso uma dose de loucura para ser comunista aqui?
Sinto-me daqui, sempre senti, mas para a maioria das pessoas eu não era daqui, era o menino que vinha de férias.
Até os poucos candidatos que o partido aqui consegue ter são maioritariamente católicos, é assim?
Faz
parte dos nossos estatutos a liberdade religiosa, não se põem reservas.
É verdade que temos uma ideologia que por vezes entra em contradição.
Mas a vida é feita de contradições. Quer maior contradição que essa de
dizer "não houve aparições, houve visões"? E então os videntes são
canonizados a partir de um processo que é mais do que discutível? E um
papa como o Papa Francisco sujeita-se ao ridículo de vir canonizar duas
crianças a partir de processos que são ridículos?
Ainda acha que Fátima deveria ser concelho?
Claro.
Esteve aprovado e foi vetado pelo Jorge Sampaio. Eu sempre disse que
estava a correr-se um risco muito grande, porque o processo estava a ser
mal conduzido. Fátima deveria ser um concelho não na lei geral mas pelo
seu caso específico: uma terra que tem 9 mil habitantes e milhões de
visitantes. Isto cria situações de gestão autárquica que tem de ser
específica. Se a partir da concordata as receitas da Igreja estão
isentas de IMI, como é que a gestão autárquica pode fazer face a esta
especificidade? E por isso isto tinha de ser tratado com o mínimo de
racionalidade. Mas em Fátima nada tem racionalidade.
* Sem mais palavras!
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