Porque vai Marcelo
à Festa do "Avante!"?
O professor
Marcelo foi à Festa do Avante!. Comprovei, in loco, que é uma simpatia.
Vislumbrei, ainda, isto: se o católico descontraído acaso desse em
comunista teria, mesmo assim, muitas dificuldades em ser militante do
PCP. Já explico.
Talvez o comentador/político tenha ido desta vez à
Quinta da Atalaia para marcar pontos a favor da candidatura à
Presidência da República. Não me interessa. Interessa-me isto: o próprio
Marcelo diz que foi pelo menos uma dezena de vezes ao evento. Fico a
matutar: porquê?
Desde os anos 80 o que pude ler, ano após ano, na
maioria dos jornais sobre a Festa do Avante! ou foi nada ou foram
monótonas reportagens, sempre iguais, a queixarem-se do pó, das filas
para comer, dos bêbados. As fotografias faziam uma busca obcecada por
marcas de estalinismo, de velhos que ilustrassem a decadência do PCP, de
bandeiras vermelhas gastas pelo tempo, de proselitismo nos cartazes. Os
relatos e as opiniões transcreviam diálogos caricaturais de fanatismo
ideológico temperados pela ridicularização daqueles três dias para o
nível de um piquenicão do Continente, sem relva de plástico (vá lá!...).
Nunca
li a explicação para o fenómeno que leva três gerações de milhares de
portugueses, desde 1976, a tirarem anualmente férias para irem
trabalhar, de borla, na Festa do Avante!. Nunca li a explicação para o
único concerto regular de música clássica em Portugal, que atrai uma
plateia de 30 a 50 mil pessoas, ser o da Festa do Avante!. Nunca li a
explicação para a existência perene da multidão "ecuménica" (palavras de
Marcelo) que enche, ao sábado, até ao sufoco, a Festa do Avante!.
Este
ano gostaria de ter lido alguém contar como se juntou, no mesmo
espetáculo, a banda Expensive Soul com o Grupo Coral "Os Mineiros de
Aljustrel". Ou uma crítica, talvez justamente negativa, à bienal de
artes plásticas ou à exposição política. Gostaria, em suma, que houvesse
jornalismo cultural ou, melhor, jornalismo culto, mesmo que desse
porrada na festa, mas que fosse para lá do resumo do discurso de
Jerónimo de Sousa.
Talvez seja por isso que Marcelo Rebelo de
Sousa vai ao Seixal: se ficar à espera dos jornais nunca perceberá o que
se passa ali. Por isso, jantou com os mineiros de Aljustrel, no
self-service atrás do Palco 25 de Abril, numa mesa onde, no meio, estava
escrito: "Amigo, não te esqueças de levar o tabuleiro, s.f.f."
No
final da refeição Marcelo despediu-se dos mineiros com contagiante boa
disposição. Esqueceu-se, porém, de levar o seu tabuleiro para a zona de
despejos, coisa que nenhum militante comunista português falharia...
Marcelo bem o estuda, mas teria mesmo muitas dificuldades em pertencer a
um coletivo com a cultura do PCP.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
08/09/15
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