Vanessa.
O meu amigo JP,
as conversas de gajos
e as conversas de gajas
O JP julga que ao ouvir gajas a falar de gajos pode aprender alguma coisa sobre aquilo que considera razoavelmente estranho, a cabeça das mulheres. Claro que isto dá “match” nulo, porque as mulheres estão perfeitamente convencidas de que nunca irão perceber a cabeça dos homens. Esta impossibilidade de compreensão mútua serve para boas conversas
Uma das coisas boas do meu amigo JP é que odeia conversas de gajos a
falar de gajas, o que é uma coisa admirável, porque se todos os homens
fossem como o meu amigo JP – que por pudor faz-se desaparecido nesses
conclaves – as mulheres não teriam o desejo secreto de que muitos homens
fossem mudos ou tivessem perdas de memória, pelo menos nos casos em que
determinadas situações não deixam boas lembranças.
Esse velho pesadelo das mulheres – os homens que falam – está agora razoavelmente equilibrado desde que as mulheres desataram a falar, muito, muitíssimo, e ao pormenor discutível.
Com essas conversas o meu amigo JP importa-se menos e diverte-se um bocado desde que não envolvam detalhes sórdidos. O JP julga que ao ouvir gajas a falar de gajos pode aprender alguma coisa sobre aquilo que considera razoavelmente estranho, a cabeça das mulheres. Claro que isto dá “match” nulo, porque as mulheres estão perfeitamente convencidas de que nunca irão perceber a cabeça dos homens. E, atenção, neste capítulo, nada melhorou (eventualmente piorou) desde a revolução sexual. Mas esta impossibilidade de compreensão mútua (“o que é que ele quer?” versus “o que é que ela quer?”), desde que vista na perspectiva do humor e nunca do sofrimento – o apego ao sofrimento inconsequente é uma paranóia feminina – serve para boas conversas.
A Vanessa tinha chegado de Atenas, depois de umas semanas a ver a revolução Syriza – ou lá o que é, segundo os menos convencidos – no terreno e a viver um encantamento breve, mas febril enquanto durou, com um Yannis, que tinha o nome do Varoufakis com mais um “n” e – diz ela – o charme doce de Alexis Tsipras. Tínhamos combinado com o JP jantar no bar onde ele vai dia sim dia não, com a excepção dos fins-de-semana.
– E então como era o Yannis?, perguntei eu.
– Era lindo, maravilhoso, doce, romântico, sentimental, atencioso.
– A única coisa que eu quero saber são os “spicy details”, disse o JP. “Houve sexo?”
A Vanessa hesitou, porque não conhece o JP tão bem como eu. Eu sei que se lhe pedirmos muito ele não conta nada a ninguém.
– Sim, houve. Foi extraordinário, espectacular, magnífico, sumptuoso...
– Já chega!, pediu o JP, que gosta de informações rápidas desprovidas de esclarecimentos excessivos.
– Mas apaixonaste-te, Vanessa?
– Eu????
– Sim, não te apaixonaste pelo Yannis? Aquela coisa toda lá em Atenas não te fez apaixonar? E se ele era assim tanta coisa, como é que conseguiste não te apaixonar?
– Com disciplina!
Aqui até o JP, a quem é difícil surpreender, estranhou.
– Disciplina??
– É evidente que sim, disciplina! Tu sabes quantas vezes eu já me apaixonei na vida? Achas que estou para isso outra vez? Agora, cada vez que encontro um tipo engraçado, disciplino-me. Concentro-me. Não penso nisso. Se tu te convenceres que a paixão não existe, ela não existe mesmo, entendes?
O JP abanou a cabeça. Mas se calhar pela primeira vez na vida percebeu uma gaja. Não tenho a certeza.
Esse velho pesadelo das mulheres – os homens que falam – está agora razoavelmente equilibrado desde que as mulheres desataram a falar, muito, muitíssimo, e ao pormenor discutível.
Com essas conversas o meu amigo JP importa-se menos e diverte-se um bocado desde que não envolvam detalhes sórdidos. O JP julga que ao ouvir gajas a falar de gajos pode aprender alguma coisa sobre aquilo que considera razoavelmente estranho, a cabeça das mulheres. Claro que isto dá “match” nulo, porque as mulheres estão perfeitamente convencidas de que nunca irão perceber a cabeça dos homens. E, atenção, neste capítulo, nada melhorou (eventualmente piorou) desde a revolução sexual. Mas esta impossibilidade de compreensão mútua (“o que é que ele quer?” versus “o que é que ela quer?”), desde que vista na perspectiva do humor e nunca do sofrimento – o apego ao sofrimento inconsequente é uma paranóia feminina – serve para boas conversas.
A Vanessa tinha chegado de Atenas, depois de umas semanas a ver a revolução Syriza – ou lá o que é, segundo os menos convencidos – no terreno e a viver um encantamento breve, mas febril enquanto durou, com um Yannis, que tinha o nome do Varoufakis com mais um “n” e – diz ela – o charme doce de Alexis Tsipras. Tínhamos combinado com o JP jantar no bar onde ele vai dia sim dia não, com a excepção dos fins-de-semana.
– E então como era o Yannis?, perguntei eu.
– Era lindo, maravilhoso, doce, romântico, sentimental, atencioso.
– A única coisa que eu quero saber são os “spicy details”, disse o JP. “Houve sexo?”
A Vanessa hesitou, porque não conhece o JP tão bem como eu. Eu sei que se lhe pedirmos muito ele não conta nada a ninguém.
– Sim, houve. Foi extraordinário, espectacular, magnífico, sumptuoso...
– Já chega!, pediu o JP, que gosta de informações rápidas desprovidas de esclarecimentos excessivos.
– Mas apaixonaste-te, Vanessa?
– Eu????
– Sim, não te apaixonaste pelo Yannis? Aquela coisa toda lá em Atenas não te fez apaixonar? E se ele era assim tanta coisa, como é que conseguiste não te apaixonar?
– Com disciplina!
Aqui até o JP, a quem é difícil surpreender, estranhou.
– Disciplina??
– É evidente que sim, disciplina! Tu sabes quantas vezes eu já me apaixonei na vida? Achas que estou para isso outra vez? Agora, cada vez que encontro um tipo engraçado, disciplino-me. Concentro-me. Não penso nisso. Se tu te convenceres que a paixão não existe, ela não existe mesmo, entendes?
O JP abanou a cabeça. Mas se calhar pela primeira vez na vida percebeu uma gaja. Não tenho a certeza.
IN "i"
09/03/15
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