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Dois gráficos que
explicam muita coisa
Portugal tem problemas de crescimento anteriores à austeridade e
que não se resolvem apenas com "vontade política". Se não começarmos por
perceber essa realidade, não encontraremos nunca boas soluções
Portugal tem problemas de emprego? De sustentabilidade do seu sistema
de pensões? De emigração de jovens qualificados? De défice público? De
dívida gigantesca?
Há uma solução para todos estes problemas: enriquecer. Ou, por outras palavras, ter mais crescimento económico.
Esta é uma verdade tão auto-evidente que só neoliberais da pior
estirpe não a aceitam. Só seres empedernidos podem defender a
austeridade quando, com crescimento, ninguém teria de sofrer.
Posto assim, até eu estou de acordo: como mais crescimento económico
todos, ou quase todos, os nossos problemas se resolveriam. Mais riqueza,
mais dinheiro para distribuir, até – vejam lá – mais dinheiro para
pagar as nossas dívidas.
Ouvindo os nossos políticos até parece que há uns, os que estão no
Governo, que por “fanatismo ideológico” não querem crescimento; e
outros, os que estão na oposição, que facilmente nos resolveriam todos
os problemas, sem dor, sem “cortes” (muito menos “cortes cegos”) apenas
porque, com eles, haveria crescimento da economia.
Era bom que fosse tudo assim tão simples. Mas não é. Recentemente encontrei no sempre interessante blogue “Desvio Colossal”,
animado por Pedro Romano, dois gráficos que nos ajudam a perceber como
isso do crescimento é uma coisa bem mais complicada. Aqui está o
primeiro:
A originalidade deste gráfico é que utiliza uma escala diferente da
habitual para ilustrar a evolução do nosso PIB per capita, isto é, da
nossa riqueza por habitante. Trata-se de uma escala expressa em
logaritmo que permite tornar linear uma função exponencial e perceber
melhor as tendências da evolução dos números. Desta forma conseguimos
ter uma noção mais clara do que nos sucedeu nos últimos 60 anos, desde
1950.
O que o gráfico torna muito evidente é que vivemos um período muito
bom, em termos de crescimento, entre meados da década de 1960 e a
revolução e que, a partir de viragem do milénio, o país estagnou. Nada
que não soubéssemos, mas algo que esta representação gráfica torna bem
mais evidente.
Nestes últimos 15 anos Portugal experimentou várias maiorias
diferentes, conheceu cinco primeiros-ministros distintos, teve governos
maioritários e governos minoritários. Nunca, porém, a nossa linha de
crescimento do PIB per capita deu reais sinais de querer voltar ao
anterior normal, isto é, ao crescimento.
O que é que nos aconteceu? As explicações são muitas, e há-as para
todos os gostos, desde as que culpam mais o desenho do euro às que olham
mais para os males internos que fizeram com que o país regredisse
depois dessa mesma adesão ao euro. Não vou agora discuti-las, apesar de
achar que ter essa discussão foi, é e continuará a ser indispensável, já
que é essencial para perceber os nossos problemas, se preferirmos, os
nossos limites.
Um outro gráfico do mesmo blogue faz um pouco mais de luz sobre as nossas tendências de fundo:
Aqui utiliza-se a percentagem de variação do PIB per capita
utilizando a média móvel dos últimos dez anos. Desta forma eliminam-se
as flutuações bruscas e tem-se também uma ideia mais clara das grandes
tendências. Voltamos a encontrar apenas um período que se destaca da
média – o tal final da década de 1960, início da da 1970 – e vemos como
nos últimos anos caímos para valores negativos.
Nos últimos 140 anos isso só aconteceu por duas vezes: por volta de
1880, no final do fontismo, quando o desequilíbrio nas contas externas e
o peso da dívida pública puseram um ponto final na política económica e
desenvolvimentista da Regeneração; e na crise final da Monarquia,
prolongando-se para os primeiros anos da República.
Os indicadores apontam para estarmos a atravessar um período
igualmente crítico, provocado por factores que, sendo diferentes, têm
pontos em comum, sendo claro que os nossos problemas são tudo menos
passageiros.
Serve tudo isto apenas para reforçar um ponto: não há milagres e
ninguém deve acreditar em milagreiros. O crescimento, a riqueza, não
estão apenas à distância de umas eleições. Nem serão nunca obra de um
“líder inspirador”, como às vezes se julga.
Quem diz ou sugere o contrário vende ilusões. Perigosas ilusões.
IN "OBSERVADOR"
18/08/14
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