20/04/2012

ANNE-MARIE SLAUGHTER



 Preste atenção aos vizinhos



A opinião geral sobre se a Síria cumpriria o plano de cessar-fogo do antigo secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, apontava na semana passada para que tal dependia da Rússia. Estávamos a voltar à política da Guerra Fria, na qual o Ocidente não estava disposto a utilizar a força e a Rússia estava disposta a armar e a apoiar o seu cliente. Assim, a Rússia tinha um trunfo na mão: a escolha da quantidade de pressão que estava disposta a colocar sobre o presidente sírio, Bashar al-Assad, para cumprir o plano.

Se este ponto de vista estivesse correcto, o Irão teria certamente um trunfo igualmente poderoso. Annan, afinal de contas, também viajou para Teerão. A tradicional geopolítica do equilíbrio do poder, ao que parece, está viva e bem de saúde.

Mas esta é, na melhor das hipóteses, uma visão parcial que esconde tanto quanto revela. Em particular, perde a importância crucial e crescente da política e das instituições regionais.

A resolução a longo prazo da crise síria depende tanto da Turquia e da Liga Árabe como dos Estados Unidos, da Europa e da Rússia. Tendo em conta o que mais aconteceu na semana passada: o governo da Turquia deixou claro que recorreria a novas medidas, caso o plano de Annan não produza resultados.

As autoridades turcas têm emitido declarações semelhantes há meses, mas agora as tropas sírias dispararam na Turquia, perseguindo os rebeldes do Exército Livre sírio que fugiram para lá da fronteira, ao mesmo tempo que o número de civis refugiados sírios aumentou drasticamente. Na semana passada, o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan aumentou dramaticamente a parada com a conversa de ter “muitas opções” e por ter acrescentando: “Além disso, a NATO tem responsabilidades que têm a ver com as fronteiras da Turquia, de acordo com o artigo 5º”.

O artigo 5º do Tratado da NATO estipula que um ataque a um membro da NATO deve ser considerado um ataque contra todos e que todos virão em auxílio desse membro. É claro que outros membros da NATO podem discordar de que a Síria atacou, de facto, a Turquia, mas se a Turquia invocar o artigo 5º, uma recusa em oferecer assistência pode ter consequências desagradáveis para a aliança, como um todo. E Assad sabe muito bem que será impossível evitar mais incidentes fronteiriços, a menos que esteja preparado para permitir que o Exército Livre sírio utilize a Turquia como uma zona segura.

A importância do artigo 5 º é de que se uma causa credível pode fazer com que a Turquia e os seus aliados ajam em legítima defesa, eles não precisam de procurar a aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Isso torna a sugestão de Erdogan um divisor de jogo, forçando Assad a contar com a perspectiva de uma zona de facto segura pela força militar para a oposição civil.

O ponto mais profundo aqui é que as organizações regionais, incluindo a NATO, fornecem o primeiro nível de legalidade e de legitimidade necessário para uma utilização bem-sucedida da força. Os EUA não teriam apoiado a intervenção na Líbia se a Liga Árabe não tivesse suportado uma zona de exclusão aérea e não estivesse disposta a ir para a ONU nessa base.

Na verdade, partindo do princípio que Assad não começa a demolir cidades inteiras, não consigo imaginar quaisquer circunstâncias nas quais os EUA apoiariam até mesmo uma intervenção militar limitada na Síria sem a aprovação pública da Liga Árabe e da Turquia. É por isso que temos assistido a um jogo de “depois de si” em relação à Síria, com os turcos a dizer que precisam de apoio do Ocidente, com os EUA a dizer que precisam de apoio regional e com ambos a dizer que precisam de apoio da ONU.

Para além do Médio Oriente, África fornece a melhor evidência para uma geopolítica baseada tanto nas potências e nas instituições regionais, como nas tradicionais grandes potências. Enquanto Annan tem tentado ser o mais diplomático possível para resolver a crise na Síria, as perturbações no Senegal, no Mali, no Malawi e na Guiné-Bissau foram rapidamente abordadas por outras potências regionais. Em particular, a União Africana (UA) tem actuado várias vezes em nome do cumprimento da Carta Africana para a Democracia, Eleições e Governação.

No Senegal, a violência latente acompanhou as recentes eleições, nas quais foi permitido ao presidente Abdoulaye Wade candidatar-se a um inédito terceiro mandato. A primeira volta forçou Wade a desempatar com Macky Sall, ao ponto de a UA ter enviado prontamente uma Missão de Observação Eleitoral, elaborado a partir de 18 países africanos, para avaliar se as eleições eram legais e os resultados “reflectiram a vontade do povo senegalês ”. Não podemos ter a certeza sobre qual foi o impacto que a missão teve sobre a decisão final de Wade, ao admitir a derrota para Sall, mas saber que a região estava a assistir deve ter focado a sua mente.A situação no Mali é mais complicada, porque envolve um contínuo movimento separatista, bem como um golpe de Estado no dia 21 de Março. Mas, após o golpe de Estado, a UA e a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), com o apoio da ONU, suspenderam imediatamente a adesão do Mali na UA, impuseram sanções económicas e diplomáticas no país e colocaram restrições de viagem aos líderes do golpe de Estado. Pouco mais de duas semanas depois, a CEDEAO anunciou que tinha chegado a um acordo com os líderes do golpe de Estado, de devolver o governo ao regime civil em troca do levantamento das sanções.

Do mesmo modo, o presidente da UA, Jean Ping, condenou o golpe de Estado na Guiné-Bissau, no início de Abril, de imediato e com toda a veemência.

Aqueles que interpretam todos os movimentos no cenário internacional em termos da eterna disputa pelo poder e pelo prestígio jamais terão falta de provas. A maneira como a rivalidade entre a Arábia Saudita e o Irão se está a desenrolar na Síria é um exemplo proeminente. Mas o desejo dos países em acabar com os assassínios em massa nos seus países vizinhos ou assegurar o cumprimento das normas regionais tem a sua própria força. Cada vez mais, quando uma instituição regional não age, as potências externas à região têm dificuldade em intervir. E, quando uma região se une à linha de acção, a intervenção das potências externas torna-se menos necessária ou mais eficaz.



Professora em Princeton, ex-directora da planificação de políticas do Departamento de Estado dos EUA


Tradução de Deolinda Esteves/Project Syndicate


IN "PÚBLICO"
18/04/12

.

Sem comentários: