01/10/2010

FERNANDA PALMA




A última revisão

A Lei nº 32/2010, de 2 de Setembro, alterou o Código Penal criando duas novas incriminações – o "recebimento indevido de vantagem" e a "violação de regras urbanísticas" – e modificando o âmbito do crime de corrupção passiva. A revisão criminaliza a violação de deveres por funcionários, independentemente do seu resultado, em nome da legalidade e da imparcialidade da Administração.


Assim, o funcionário que solicitar ou aceitar vantagem patrimonial ou não patrimonial será punível pelo crime de "recebimento indevido de vantagem", com prisão até 5 anos ou multa até 600 dias. E também será punível pelo mesmo crime, mas com prisão até 3 anos ou multa até 360 dias, quem der ou prometer uma vantagem indevida a funcionário em exercício de funções ou por causa delas.

Além de muito ampla e indeterminada, esta incriminação prevê uma punição mais grave do que a norma alemã que a inspirou, em que se exige expressamente que a vantagem tenha por finalidade o exercício do cargo pelo funcionário. Os tribunais podem socorrer-se de uma cláusula que exclui as "condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes", mas que é de difícil aplicação.

A "violação de regras urbanísticas" consiste em realizar obras ilegais que incidam sobre via pública ou terreno de reserva e também é punível com prisão até 3 anos ou multa. Quando praticada por funcionário, traduz-se na prestação consciente de informação ou parecer falsos ou na decisão favorável de licenciamento e pode ser agravada. As regras podem constar de regulamentos e não apenas de leis.

Na corrupção passiva, deixou de se exigir a conexão estrita entre a vantagem e o acto ou omissão do funcionário, que podem ser anteriores à própria conduta criminosa.

Torna-se difícil, pois, distinguir este crime do "recebimento indevido de vantagem", tanto mais que os limites máximos das penas das duas incriminações são idênticos, no caso da corrupção para acto lícito (5 anos de prisão).

O Código Penal expandiu-se, por conseguinte, para uma área em que não se exige que a conduta do funcionário cause prejuízos materiais ou seja concebida como contrapartida de uma vantagem qualquer. Não se exige, de todo, essa relação nos crimes de "recebimento indevido de vantagem" e de "violação de regras urbanísticas" e também passa a ser dispensável no crime de corrupção passiva.

O Parlamento, apesar de ter ouvido vários Professores de Direito, não recolheu muitas das suas observações, relativizando o papel da doutrina. Terá pretendido cultivar uma ética rigorosa na Administração Pública. A sua vontade política firme de combater a corrupção ditou normas que impõem aos juízes decisões difíceis ou, em alternativa, a via aparentemente mais fácil de tudo punir.

Professora catedrática de Direito Penal

in "CORREIO DA MANHÃ"
29/09/10

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