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O mito das falsas denúncias
de crimes sexuais
A mulher mentirosa é um mito medieval que tem de ser destruído. Com taxas ridiculamente baixas como 0,2% podemos e devemos afirmar que as vítimas de crimes sexuais não mentem.
Com a denúncia recente
por parte de várias mulheres contra o juiz Kavanaugh, fomos de novo
confrontados com denúncias de crimes sexuais que ocorreram há décadas.
Continuamos assim a surfar o tsunami que é o movimento #metoo. O
nervosismo aumentou e as vozes do status quo gritam mais alto agora. Mas o grito não é original: “As denúncias são falsas!”
Toda
a gente mente. Mas, num tema tão sério e repleto de mitos como este, é
necessário ir além de lugares-comuns e perguntar: quem mente?; quem
ganha com a mentira?; quão comum é a mentira em torno do abuso sexual?
Pesquisando diversas estatísticas nacionais chegamos
à conclusão de que as “falsas denúncias” de crimes sexuais são
inferiores a 2,28% se nos cingirmos aos crimes denunciados. Mas se
contarmos também os crimes não reportados — que somos obrigados a contar
— a taxa de “falsas denúncias” resume-se na verdade a uns inexpressivos 0,2%, de acordo com estatísticas de Espanha.
Importa
reconhecer que mesmo estas estatísticas oficiais são influenciadas por
outros factores. A recolha de prova nestes crimes é extremamente
difícil. Mas há uma grande distância entre a incapacidade de demonstrar
em tribunal que um crime ocorreu e afirmar que a denúncia era falsa.
Será que é de facto uma insignificância estatística como 0,2% que dá azo a tantos gritos?
A mulher mentirosa é um mito medieval que tem de ser destruído. Com
taxas ridiculamente baixas como 0,2% podemos e devemos afirmar que as
vítimas de crimes sexuais não mentem.
Ultrapassemos o nosso preconceito
sexista e perguntemo-nos: por que o fariam? O que leva uma mulher, mais
grave, uma criança — que não tem forma de descrever actos sexuais com
adultos a menos que os tenha sofrido — a mentir? Sabemos como a
sociedade trata as vítimas destes crimes; a reacção imediata é o
descrédito e a desconfiança. “Mentirosa, quer vingança”, “a criança é
fantasiosa”, “alienação parental!”, “implantação de falsas memórias”
(estas últimas, ambas falsas teorias criadas por dois defensores da
pedofilia, alerte-se). Este tratamento, cruel e tristemente comum, é
suficiente para remeter a esmagadora maioria das vítimas ao silêncio.
Quem escolhe ser vítima a menos que o seja de facto? Além do trauma
eterno do abuso, as vítimas têm de sobreviver com o estigma quase
insustentável de terem sido violadas e essa informação ser pública.
Sabemos quem mente. Quando falamos de abuso sexual de menores, violação e assédio sexual, quem mente são os culpados. Mas a presunção da mentira é sempre das vítimas. Os agressores sexuais estão confortavelmente cobertos pelo manto do in dubio pro reu. São as vítimas que são difamadas, insultadas, humilhadas, revitimizadas e acusadas de estarem a mentir.
Entretanto, a exemplo de tantos outros – e apesar da credibilidade das várias denúncias – o juiz Kavanaugh declarou-se inocente.
Paremos de falar nas “falsas denúncias”. Os únicos beneficiários são
os criminosos sexuais, que usam esse argumento desonesto até à exaustão.
Dediquemos o nosso esforço e energia a destruir estes mitos e
preconceitos sexistas, que estão em toda a parte, inclusive dentro de
nós. Ajudemos as vítimas a denunciar, a reduzir o mar de culpados em
liberdade. Isto faz-se apoiando as vítimas, crendo nelas, mesmo sem provas, mesmo sem vídeos. Porque elas estão a dizer a verdade.
IN "PÚBLICO"
28/08/18
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1 comentário:
Obrigada por falar nisso. É sufocante quando nos percebemos sozinhas nessa luta de não se calar.
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