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* Advogada associada sénior da Cuatrecasas
Antecipação da Morte e Seguros
A delimitação das condições específicas aplicáveis depende agora da discussão na especialidade dos vários projetos de lei apresentados. Seja como for, o que importa reter é o conceito base de antecipação da morte por decisão própria.
A
despenalização da antecipação da morte é um tema particularmente
complexo e exigente no plano jurídico-constitucional. Sem pretender
tomar posição quanto a uma matéria que reclama particular sensibilidade e
seriedade intelectual, este artigo visa apenas refletir sobre a
validação do pedido para morrer à luz do Direito dos Seguros, em
particular da regra que exclui a cobertura em caso de suicídio ocorrido
até um ano após a celebração do contrato.
Antes de mais, importa
referir que o que foi aprovado, na generalidade, na Assembleia da
República foi a despenalização da antecipação da morte por decisão da
vítima, quando levada a cabo por profissionais de saúde e na medida em
que se encontrem verificadas determinadas condições legalmente
previstas. Ou seja, no plano estritamente jurídico, a despenalização do
homicídio a pedido da vítima (quando a concretização das medidas para a
morte são executadas pelo profissional de saúde a pedido da pessoa
doente ou eutanásia stricto sensu) e do suicídio assistido (quando o
profissional de saúde se limita a disponibilizar os meios, sendo a morte
concretizada pelo próprio doente).
A delimitação das condições
específicas aplicáveis depende agora da discussão na especialidade dos
vários projetos de lei apresentados. Seja como for, o que importa reter é
o conceito base de antecipação da morte por decisão própria.
A
norma do Direito dos Seguros referida a propósito do suicídio tem como
fundamento o mesmo imperativo de ordem pública que justifica a exclusão
dos atos dolosos, i.e. a prevenção da fraude e do próprio suicídio, ou,
dito de outro modo, impedir a celebração de um contrato de seguro na
iminência de suicídio. Já a delimitação temporal legalmente imposta visa
não onerar desproporcionadamente os beneficiários da apólice, atingidos
pela dor da perda da pessoa segura. Finalmente, sublinha-se o facto de
as partes poderem convencionar em sentido diverso, diminuindo ou
aumentado o prazo de exclusão de cobertura ou mesmo eliminando esta
exclusão.
Atento o exposto, será legítimo considerar que a
despenalização da antecipação da morte tem um impacto imediato na norma
seguradora acima identificada, afastando-a?
Penso que não. Penso
que, tal como no suicídio stricto sensu, nos dois casos objeto de
despenalização estamos, de um ponto de vista conceptual, no mesmo plano –
o da antecipação da morte decidida de forma voluntária pelo próprio -,
devendo, nessa medida, aplicar-se às três hipóteses a mesma solução
legal. Tal não significa, porém, que não devam ser ponderadas, caso a
caso, exceções à aplicação de tal exclusão. Como causa de exclusão, nas
hipóteses ora despenalizadas, teremos, por exemplo, a circunstância de o
contrato de seguro ter sido contratado de boa fé, num contexto de vida
completamente distinto (e jamais indicativo) daquele que veio a
determinar a antecipação da morte, não obstante a mesma se ter
verificado antes de ter decorrido o referido prazo de um ano a contar da
data da celebração do contrato.
* Advogada associada sénior da Cuatrecasas
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
06/03/20
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