A voz do Presidente
da República
Cavaco Silva
"A voz do Presidente tem de ser uma voz serena e de verdade, que seja escutada pelos agentes políticos", Cavaco Silva, in Roteiros V,
de 2011. Sim, quem escreveu esta frase é a mesma personalidade que
nesta última semana, por duas vezes consecutivas, se colocou no centro
de todas as atenções. Primeiro, por ter reduzido o problema da dívida de
Pedro Passos Coelho à Segurança Social a uma questão de polémica
político-partidária, com cheiro a campanha eleitoral; e depois, por ter
decidido traçar o perfil ideal do seu sucessor, salientando a grande
importância que é este ter experiência em política externa.
Se com a primeira intervenção, Cavaco Silva prejudicou o
primeiro-ministro e deu novo fôlego aos adversários do PSD; na segunda o
Presidente da República entrou, por iniciativa própria, numa discussão
que, nesta altura, é de mera natureza político-partidária, e voltou a
penalizar, acima de tudo, o PSD e a direita, já que são os potenciais
candidatos de esquerda – António Guterres e António Vitorino – que, à
excepção de Durão Barroso, melhor se enquadram no ideal de Cavaco Silva.
Não parece, porém, crível que esta seria a forma escolhida se o
objectivo fosse declarar apoio ao ex-presidente da Comissão Europeia. E
muito menos que a intenção fosse ajudar os socialistas a ganhar terreno
para as Presidenciais. Excluídas as intenções construtivas, resta a
destrutiva, ou seja, a de dificultar o caminho aos que Cavaco Silva
gostaria de ver excluídos à partida.
Dois deles – Marcelo Rebelo de Sousa e Pedro Santana Lopes –
reagiram de imediato. Rui Rio não terá ficado menos incomodado, mas
optou pelo silêncio e, dessa forma, distinguiu-se dos seus concorrentes e
do próprio Presidente da República.
Cavaco Silva é livre de apoiar e reprovar quem bem entende para a
corrida a Belém, mas fazê-lo nesta altura e através do prefácio de um
Roteiro, uma das mais institucionais ferramentas de comunicação que tem
utilizado desde que foi eleito, é uma opção que atropela por completo a
imagem que Cavaco tanto se tem esforçado por afirmar. E que legitima,
inclusive, uma nova interpretação para a frase que abre este texto,
porque afinal o mais importante parece ser que a voz do Presidente "seja
escutada pelos agentes políticos".
Infelizmente, esta contradição não foi a única do Presidente da
República nesta semana. Também a dualidade de critério na felicitação a
Nelson Évora pela medalha de ouro no Campeonato da Europa de Atletismo e
a ausência de qualquer palavra para os atletas João Costa e Joana
Castelão, também eles campeões europeus, dá força a todos quantos têm
criticado Cavaco Silva pelos elogios públicos arbitrários que este tem
feito na área do desporto, em particular o olímpico. E, desta vez, nem
sequer estava em causa uma condecoração – ou a ausência da mesma –, que
também já no fim do ano passado tinha motivado crítica de Emanuel Silva,
vice-campeão olímpico e mundial e campeão europeu de canoagem.
Compreende-se que o Presidente da República, talvez por estar a
entrar na recta final do mandato, se sinta mais liberto para ser ele
próprio, mas colocar-se deliberadamente no centro de polémicas e
discussões como estas não só afecta a sua imagem pessoal como também a
da própria instituição Presidência da República.
Este comportamento é ainda mais difícil de compreender, quando
numa década – entre Janeiro de 2000 e Abril de 2011 –, Cavaco Silva e as
equipas que o coadjuvam sabem que foi o primeiro Presidente a ter um
saldo negativo de popularidade num barómetro da Marktest, pois nunca
antes um Chefe de Estado tinha tido mais opiniões negativas do que
positivas neste estudo. E que, desde então, nunca conseguiu libertar-se
dessa impopularidade.
Director
IN "SÁBADO"
12/03/15
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