ESTA SEMANA NA
"VISÃO"
"VISÃO"
A maldição do sobrediagnóstico
E se um check-up fizer mais mal do que bem? E se tratar precocemente levantar apenas dúvidas em vez de nos dar certezas? Um movimento na classe médica defende que demasiada intervenção também pode matar. Leia a entrevista com Luís Correia, cardiologista e professor na Universidade Federal da Baía, encabeça no Brasil a campanha Choosing Wisely
Luís Correia, 46 anos, cardiologista e professor na Universidade Federal
da Baía, encabeça no Brasil a campanha Choosing Wisely (algo como
"escolher de forma sensata"), lançada nos Estados Unidos, e que tem como
objetivo combater o uso de recursos pseudocientíficos na Medicina,
promovendo as medidas baseadas na evidência.
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Defende que é preciso levar o pensamento científico à Medicina. Esta não é uma ciência já?
O pensamento médico é supostamente científico, porém não tem sido assim
exatamente. Na prática, utiliza-se muito crença e tradição, em
detrimento de evidências. Precisamos de transportar o paradigma
científico para o mundo médico. Há uma certa prepotência no médico que o
leva a ser dogmático.
E os doentes estão preparados para aceitar estas alterações?
Temos de oferecer à população um pensamento racional. O que não
acontece. Um dos grandes problemas de hoje da Medicina é o
sobrediagnóstico e o sobretratamento. Há procedimentos que não deviam
estar a ser feitos.
Por exemplo...
A
angioplastia coronária em pessoas assintomáticas, apanhadas num
diagnóstico de rotina, e que leva à colocação de um stent. É um
tratamento que não traz benefício algum a quem não tem angina. Outro
exemplo é a prescrição de glucosamina para tratamento da artrose do
joelho. Está comprovado que não traz benefício além do efeito placebo no
controlo da dor. Mas continua a ser altamente usado em ortopedia.
E isso acontece porquê?
Porque vivemos sob a mentalidade do médico ativo, com a ideia de que
‘‘sou melhor médico se prescrever’’. O médico sente-se melhor
profissional se fizer, se prescrever medicamentos, exames…
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Mas os procedimentos médicos obedecem a guidelines, respeitadas pela classe.
Certo. Só que as guidelines são escritas por pessoas, não deuses. Há
umas ótimas e outras que nem por isso. Devem existir para nos nortear.
Mas têm de ser olhadas com uma visão crítica. E há conflitos de
interesse. Faz parte do ser humano.
Para satisfazer interesses comerciais?
Sim. Por exemplo, valorizar excessivamente níveis glicémicos um pouco
acima de 100 mg/dl leva a que se vendam muito mais milhões de
medicamentos para tratar a diabetes.
* Uma entrevista da jornalista SARA SÁ.
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