Alterações climáticas
– o dilema do copo
O Acordo de Paris é um marco histórico, multilateral e estabelecido no sítio certo, isto é, nas Nações Unidas, pelo menos tão significativo como o Protocolo de Quioto assinado em 1997.
Os optimistas dizem que o copo está meio cheio de água. Os
pessimistas dizem que o copo está meio vazio. Os engenheiros diriam que o
copo é duas vezes maior do que deveria ser. Os peritos em alterações
climáticas dirão que com o aquecimento global a água expande-se e sai
para fora do copo.
As negociações climáticas são assim – é difícil, senão mesmo
impossível, que algum país ou organização da sociedade civil fique
completamente satisfeita com os resultados obtidos numa cimeira crucial e
histórica como esta, que decorreu em Paris. Mais complicado ainda é
quando muitos dos argumentos apresentados são válidos na perspectiva de
cada um dos interlocutores. Por exemplo, um dos temas mais complicados
foi o das "perdas e danos" associados às alterações climáticas e que
dividiu países desenvolvidos e países menos desenvolvidos. Neste caso,
quem assume a responsabilidade e deverá compensar os prejuízos dos
efeitos de eventos meteorológicos extremos, como um tufão de grande
magnitude, como já sucedeu nas Filipinas, e onde o aquecimento global
também teve a sua influência? Não é legítimo exigir esse pagamento aos
países que efectuaram maiores emissões de gases com efeito de estufa até
agora? E qual a diferença entre um “evento normal” e um “evento
extremo”? E as consequências não são piores por deficiências de
planeamento urbano?
Esta cimeira tinha em causa um desafio
geopolítico muito mais profundo do que as cimeiras anteriores e não
apenas sobre a questão das alterações climáticas – pretendia-se começar a
olhar para um mundo em que cada país tem responsabilidades diferentes,
atuais e históricas, na limitação das emissões, bem como na capacidade
de apoiar aqueles que já são e serão ainda mais afectados por um clima
em mudança. Mas nesta nova visão, a tradicional divisão entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento já não tem sentido. Ao contrário de
Quioto, que foi construído olhando para uma meta global de emissões, que
depois era dividida pelos países desenvolvidos, o Acordo de Paris tem
uma visão de baixo para cima, onde cada país afirma metas que consegue
estabelecer, que depois são somadas, embora saibamos que o resultado não
é suficiente para o objectivo traçado. Nesta nova visão, a diferença
entre países ficou mais esbatida, mas não foi completamente ultrapassada
e vai continuar a haver várias “linhas vermelhas” por ultrapassar.
O
Acordo de Paris, mais do que um documento adoptado agora e que entrará
em vigor em 2020, é o início de um processo, que envolverá todos os
países dada a sua formulação legal cautelosa, mas vinculativa, e que
prevê ter sempre uma maior exigência ao longo de várias revisões dos
compromissos nacionais.
“O consenso obriga a esquecer o óptimo”,
disse Laurent Fabius, o Presidente da Conferência em Paris. Quando estão
em causa consequências dramáticas para o planeta, para as populações,
para os ecossistemas, para o futuro não deveria ser este o compromisso?
Ainda mais, quando todos os relatórios nos dizem que o custo da inacção é
muito mais elevado que o custo da acção?
O Acordo de Paris é um
marco histórico, multilateral e estabelecido no sítio certo, isto é, nas
Nações Unidas, pelo menos tão significativo como o Protocolo de Quioto
assinado em 1997. Será que haveria outro processo de chegar até aqui com
um melhor entendimento, mesmo que com limitações? Penso que não.
O copo ficou com bastante água, mas ainda não é suficiente para matar a sede e é preciso não a deixar evaporar…
Professor universitário no CENSE-FCT/UNL
IN "PÚBLICO"
12/12/15
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