Carta a um/a
candidato/a
Caro candidato/a à Presidência da
República, estou quase certa que fará melhor papel que Cavaco Silva. Não
necessariamente por acreditar, à partida, no seu mérito, mas sobretudo
porque é difícil fazer pior. No entanto essa certeza não me satisfaz nem
acalma. É pedir poucochinho para um país que andou tantos anos ao sabor
das vontades autoritárias do cavaquismo. Uma anedota, se pensarmos que o
ainda presidente se esforçou tanto para nos convencer que nem político
era, quanto mais assumir responsabilidades pelos disparates que fez no
passado.
Exatamente por recusar a hipocrisia populista de Cavaco
Silva desconfio dos candidatos que recusam escolher lados, assumir-se
políticos, dizer claramente o que defendem e ao que vêm. Quem diz
defender tudo e todos é porque não está disposto a assumir que, às
vezes, para defender o povo, é preciso mesmo enfrentar os poderes
instalados, os interesses financeiros, os tecnocratas de Bruxelas.
Por
isto mesmo, caro/a Candidato/a, devo dizer que não tenho qualquer
interesse em saber o que comeu ao almoço, o que comprou ontem na
farmácia, e agradeço ser poupada aos pormenores do seu dia a dia. Fico
satisfeita se encontrar, em si, a simpatia que lhe permita chegar ao
povo, mas pouco me interessam as características do seu rasgado sorriso
se ele for usado para nos dar más notícias ou, pior, para ficar calado
nas alturas difíceis.
O que interessaria saber, por exemplo, é se
está disposto a travar orçamentos com medidas inconstitucionais, mesmo
se for a mando da troika. Se considera que uma injeção de 3000 milhões
de dinheiros públicos no Banif - para ser depois entregue ao Santander -
coloca, ou não, em risco o interesse do país, e que deve ser travada.
Queria perguntar se entende que os cortes na saúde, na educação e na
Segurança Social são, ou não, uma ameaça ao Estado social, consagrado na
Constituição. Se entende, já agora, que as pressões europeias são uma
ameaça ao modelo que o país escolheu para si mesmo quando aprovou a Lei
Fundamental. Por último, seria importante que nos pudesse esclarecer
sobre as suas posições quanto aos principais temas de política externa,
uma vez que será o nosso principal representante no exterior. O que
pensa do regime angolano e da prisão de Luaty Beirão? O que tem a dizer
sobre a Palestina? Sobre os refugiados, o terrorismo e a emigração?
Não
é segredo para ninguém que, nesta campanha, apoio a candidata que, na
minha opinião, melhor responde a todas estas questões: a Marisa Matias. O
que me preocupa não é quem dela divirja, mas quem tenta chegar a Belém
sem nunca responder a qualquer uma destas perguntas porque sabe que, no
momento que o fizer, cairá por terra a tal hipocrisia populista que
Cavaco Silva tão bem soube usar.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
19/01/16
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