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Soluções inovadoras
não parecem resultar
nas caixas de comentários
No meu tempo de
universitário, vivíamos em ditadura e obscurantismo intencional
disseminado pela sociedade. Muitos de nós, estudantes, tínhamos a
preocupação de sair do campus e "estar com o povo", uma entidade mais
sonhada do que real até ao momento de a começarmos a conhecer, com
alegrias e deceções.
Víamos a universidade como um privilégio - e
era-o - e apostávamos em transformá-lo num serviço à comunidade. Dávamos
aulas à noite em associações recreativas e confraternizávamos com copos
e petiscos à frente com operários e modestos empregados.
Avisadamente,
apesar de termos a convicção de saber mais do que "eles", estávamos ali
mais para os ouvir do que para falar, por duas razões: primeiro, para
os conhecer; e segundo, e mais importante, para dançar na conversa ao
ritmo que eles marcassem, sem lhes tentar impor o nosso discurso
político carregado de certezas e radicalismos, não fossem tomar-nos por
provocadores pidescos.
Para mim, foi uma excelente aprendizagem,
uma formidável recruta para a vida e o princípio de uma amizade blindada
de mais de 40 anos.
No entanto, certo dia, apareceu naquela
tertúlia "operário-estudantil" um colega universitário, voluntarioso e
despachado, e que se achava possuidor da fórmula certa para "falar com
os operários": a cada duas palavras - um palavrão! Estava a adaptar a
sua linguagem aos ouvidos do povo trabalhador...
Reparámos que os
nossos interlocutores não se mostravam agradados com aquele tipo de
comunicação, até que um deles, o mais sábio, se voltou para o
recém-chegado e o verberou:
- Olha lá, tu andas na universidade,
não andas? Então porque é que dizes tantos palavrões? Porque achas que
nós falamos assim, não é? Pois olha: se nós falamos assim, não é por
gosto, é por não sabermos mais. E se falamos contigo e com os teus
colegas, não estamos à espera de que falem como nós. O que gostaríamos
era de falar como vocês. A nós, o palavrão sai-nos sem pensar. Tu dizes
palavrões quando não precisavas de dizê--los. Assim não ganhamos nada
com a conversa.
Remédio santo. Grande lição! E ficámos a saber,
definitivamente, que os "operários" não gostam de palavrões, mesmo que
digam palavrões. Os palavrões são um ruído na conversa, ficam mal em
todos os estratos sociais e só são aceitáveis em poemas de raiva como o
notável "Vernáculo (para um homem comum)", de António Manuel Ribeiro,
dos UHF.
Era isto que eu queria dizer - se servisse para alguma
coisa - às pessoas que entopem as caixas de comentários da edição online
do DN com ordinarices e grosserias. Essas pessoas estão a escrever (?)
abaixo do que são capazes, parecendo sofrer de um psitacismo de mau
hálito dentro de uma sarjeta pútrida.
Ainda não percebi onde é que
é os responsáveis do DN encontram vantagem nessa permissividade: estes
leitores (?) do online não gastam um tostão com o jornal, nunca o
comprarão e aproveitam a borla para o sujar. Parecem aqueles
frequentadores de café que pegam no jornal ali oferecido e se põem a
fazer as palavras cruzadas, esborratando tudo e largando-o para o senhor
que se segue. Mas aí, ainda se vendeu um exemplar. No online, nada. E
se se crê que é um bom reclamo o elevado número de contactos, pouco
avisados são os anunciantes se acham que esse é um barómetro adequado
para os seus negócios.
Tenho acompanhado há mais de ano e meio os
notáveis esforços que os responsáveis do DN têm feito para não impedir a
liberdade de participação dos leitores, para confiar no seu sentido de
responsabilidade e para proporcionar um veículo de diálogo na comunidade
dos leitores. Faz-me lembrar a anedota do campónio que vê a mulher
pintar os lábios. Pergunta-lhe para que faz ela isso e tem como
resposta: "Para ficar mais bonita?" E ele, perplexo: "Então... porque é
que não ficas?"
Nenhum dos bons propósitos em relação às caixas de
comentários está a ser conseguido: não há liberdade de participar
quando se arrisca na volta a levar com um insulto ou um comentário soez;
campeia a irresponsabilidade nas agressões verbais, nos incitamentos ao
racismo, à xenofobia, à intolerância sexual, política, religiosa - e
até científica!; e não há diálogo nenhum na comunidade de leitores,
antes se organizaram hordas de "apagadores" encarniçados de comentários
de outros.
A abertura ao anonimato é péssima e não encontro esse
sistema em mais nenhum jornal de qualidade em todo o mundo. Em todo o
lado, os leitores que queiram participar nos comentários inscrevem-se,
fornecendo elementos que os permitam responsabilizar em caso de abuso ou
agressão. É-lhes permitido o pseudónimo, mas o órgão de informação tem a
identificação do leitor.
Por outro lado, em parte alguma
encontrei a possibilidade de o comentário entrar instantaneamente em
página, sem ter passado por qualquer crivo - e essa prática, no DN, tem
sido catastrófica. Em contrapartida, sem qualquer intervenção de
responsáveis do jornal, permitiu-se uma autogestão do silenciamento: se
um certo número de leitores não gostar de um comentário ou de um
comentador, pode eliminar a sua contribuição, sem ter de apresentar
razões. Veja-se este significativo testemunho de um leitor:
"O
software automático de eliminação de comentários com que os servidores
do DN estão equipados tem sido aproveitado por gente organizada para
apagar comentários adversos à ideologia contrária. Tanto quanto observei
nos últimos meses, essa iniciativa parte sempre de pessoas afetas à
direita radical. Como sabemos que estamos entregues a um mecanismo
automático, por vezes não nos resta outra solução senão retribuir o
"expediente", caso contrário sairemos duplamente injustiçados pela
atitude antidemocrática dessa gente. Não só ficamos impossibilitados de
deixar a nossa opinião, como ainda por cima temos que ficar sujeitos à
hegemonia dos comentários adversos aos nossos. Eu próprio, que sou de
centro-esquerda, já fui várias vezes alvo de um ataque cerrado dessa
gente antidemocrática e não me restou outra solução senão responder da
mesma maneira, ou seja, eliminando os comentários deles também. Faço-o
contrariado e como último recurso. Jamais tomei a iniciativa de
denunciar comentários, a não ser em dois ou três casos, onde estúpida e
violentamente se pedia a morte de Mário Soares ou de Manuel Alegre,
coisa que, vilmente, acontece com frequência em relação a estas duas
figuras públicas.
"Esta prática antidemocrática põe em causa o
sucesso do Fórum e por vezes deixa a dúvida se estes atos de eliminação
de comentários não têm origem mesmo dentro do DN. Eu cheguei à conclusão
de que não parece-me ser de facto gente exterior ao DN. Deixa-nos até a
sensação que essa gente pretende boicotar o fórum para assim minar a
liberdade de expressão alcançada pela nossa Democracia, em abril de 74."
Em vez do diálogo, instalou-se, pois, a guerra.
Certos
jornais "promovem" leitores mais assíduos nos comentários (publicados
depois de monitorizados) a uma espécie de avaliadores da qualidade de
outras contribuições. Mas esses "promovidos" estão identificados e têm
poderes limitados. No DN, qualquer réptil pode cuspir a sua peçonha e,
com dois ademanes de cauda, vassourar os outros.
Não tenho grande
convicção de que faça vencimento a proposta nada inovadora de fazer como
os outros jornais: identificação prévia e correta dos participantes na
caixa de comentários - alguns órgãos de informação ligam o espaço de
comentário a redes como o FaceBook, que tem fama de não brincar em
serviço nesta matéria, podendo até ser excessivamente rigoroso - e
filtragem dos comentários na perspetiva de serem úteis e enriquecedores
do diálogo.
Enquanto estas soluções não forem postas em prática -
sê-lo-ão alguma vez? -, apelo seriamente à Direção do DN para que tome
medidas preventivas em certas áreas: a experiência diz-nos que a notícia
do falecimento de certas personalidades, nacionais e estrangeiras, se
transforma num festim de abutres sem qualquer respeito pela memória do
falecido nem pela dor dos seus entes queridos - é um fartar vilanagem.
Fechar, pura e simplesmente, a caixa de comentários dessa notícia - como
tenho visto fazer - é uma solução radical que retira a possibilidade a
pessoas de bem manifestar a sua mágoa pela perda, ou mesmo as suas
críticas feitas com elevação. Essas notícias, a meu ver, deveriam conter
o e-mail do editor, que receberia os comentários e publicaria aqueles
que, em seu critério (se fazemos confiança no seu critério para editar a
notícia, porque não a faríamos na edição de comentários?), merecessem
ser publicados.
Notícias sobre a vida de pessoas famosas têm sido
um vazadouro de ofensas e grosserias que só se curariam em casa de
correção ou à bengalada. Há, de facto, gente horrorosamente ordinária a
empestar os comentários. Todas essas notícias, nomeadamente da secção
Vidas, deveriam ter um e-mail de responsável a quem fossem enviados os
comentários. O mesmo para todas as notícias que se preveja que possam
despertar a boçalidade racista, xenófoba ou de intolerância sexual. Idem
para as notícias sobre religião. E, em absoluto, no noticiário sobre
ciência!
O leitor talvez não se tenha apercebido, mas chegam-me
frequentes queixas que demonstram como o noticiário sobre ciência se
transformou num campo de batalha onde superstição, beatice e espírito
científico se digladiam numa luta de morte. Por espírito de tolerância,
pode admitir-se que alguém exprima a sua convicção de que o mundo tem
seis mil anos de existência (!). Mas é intolerável que esse comentário
seja repetido DEZENAS de vezes na mesma caixa e, de caminho, vão sendo
apagadas as outras contribuições.
Quem edita o noticiário sobre
ciência tem a obrigação de filtrar os comentários. Em nome da ciência e
do enriquecimento cultural.
Provedor do leitor
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
28/09/13
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