O Fantasma da Coreia do Norte
Às 7h39 do dia 13 de Abril, a Coreia do Norte lançou um míssil (que foi chamado de satélite) perante a oposição de quase toda a comunidade internacional. De uma forma perversa, o mundo vingou, porque o veículo explodiu um minuto depois da descolagem, resultando em destroços inofensivos caídos ao mar.
Tipicamente, a Coreia do Norte mantém-se silenciosa depois de tais episódios: “fracasso” não existe no seu léxico político, não podendo, por isso, ser relatado ou discutido. Os meios de comunicação do país tratam qualquer falha com efusões de música patriótica e bombástico louvor para o regime.
Mas desta vez foi diferente. Nos bastidores da Coreia do Norte, o fracasso tem consequências. Nas próximas semanas, vamos assistir, provavelmente, a uma purga aos responsáveis. Na verdade, os engenheiros e os cientistas envolvidos no lançamento puseram as suas vidas em risco.
Além disso, a Coreia do Norte não podia negar uma falha, desta vez, porque o regime convidou meios de comunicação internacional para o evento – permitindo mesmo a presença de jornalistas na sala de controlo – de forma a legitimá-lo como o lançamento de um “satélite” e não um teste de armas. O “fracasso” não podia ser escondido, por isso foi rapidamente admitido.
O que supostamente seria uma celebração do 70º aniversário de KimJong-il, no dia 15 de Abril, e do recomeço do regime sob a alçada do seu sucessor, o seu filho mais novo, Kim Jong-un, acabou por ser uma saudação fúnebre. Em Pyongyang, pessoas supostamente comuns, disseram à imprensa estrangeira, com uma espontaneidade ensaiada, que “o sucesso nasce do fracasso repetido”.
É um sentimento assustador. O lançamento do míssil, acredita-se ter sido um legado de Kim Jong-il, que acreditava fervorosamente que a sobrevivência da Coreia do Norte exigia o desenvolvimento de armas nucleares e bioquímicas. Assim, o falhanço do lançamento do míssil significa, provavelmente, que a retomada dos testes nucleares é inevitável, dando seguimento aos testes de 2006 e 2009.
No entanto, elementos radioactivos, como Krypton-85 ou Xenon-135, não foram detectados na atmosfera depois dos testes anteriores. Tal como a Coreia do Norte chamou o míssil recente de “satélite”, uma explosão subterrânea causada por explosivos convencionais não pode ser usada como moeda de troca, a menos que seja chamada de “teste nuclear”. O próximo acontecerá, provavelmente, logo que estejam asseguradas entre 500 a 1000 toneladas de dinamite.
O fracasso do lançamento marcou também um fiasco de segurança para a Coreia do Norte, na medida em que um think tank da Coreia do Sul teve acesso às suas ordens finais. Estas instruções continham algumas referências à família Kim, indicando que “os ensinamentos devem ser executados por Kim Kyong-hui (irmã de Kim Jong-il), que “Kim Kyong-hui e Kim Jong-un devem tomar conta da família”, e que “Kim Kyong-hui devem tratar da gestão de todos os bens dentro e fora do país”.
A imprensa estrangeira foca-se, muitas vezes, no papel de Kim Kyong-hui enquanto esposa do membro do regime Jang Sung-taek, mas, enquanto irmã de Kim Jong-il, ela tem controlado firmemente as mudanças de pessoal desde a morte do irmão. Dos 232 membros do comité fúnebre de Kim Jong-il, ela foi listada em 14º lugar; e o seu marido em 19º. Muitas vezes, ela ocupa um lugar mais importante que o seu marido, em termos de protocolo. Na verdade, a promoção de Jang Sung-taek a general foi decisão dela.
O problema é que Kim Kyong-hui tem a saúde debilitada, devido a anos e anos de abuso de alcool. Além disso, ela á tão caprichosa e egoísta, que mesmo Kim Jong-il teve dificuldades em mantê-la sob controlo. Devido ao seu estado de saúde, é difícil saber por quanto tempo ela será capaz de continuar a aconselhar Kim Jong-un, agora cercado por militares, com os seus setenta ou oitenta anos, que apoiaram as gerações passadas. Ele precisa de conselheiros próximos da sua idade, mas não há nenhum.
As preocupações dinásticas são agora centrais para o regime. Cresce a especulação, por exemplo, sobre se Kim Sol-song – a segunda filha da Terceira mulher de Kim Jong-il – será nomeada quando Kim Kyong-hui não for mais capaz de desempenhar as suas funções.
Antes da sua morte, Kim Jong-il reiterou a necessidade de construir, pelo menos, três reactores nucleares. Alertou também que a China, apesar de ser o aliado mais próximo da Coreia do Norte, é o país que merece maior cautela. A Coreia do Norte, insistiu ele, não deve permitir-se ser usada pela China.
Quando Kim Il-sung (o “Eterno Grande Líder”) morreu, em 1994, Kim Jong-il apoiou.se nos ensinamentos do seu pai para reforçar a sua autoridade. De facto, não há forma de saber se as suas ideias e políticas não eram, na verdade, as de Kim Il-sung. Talvez os “Dez Princípios para a Fundação de um Sistema de Ideologia Única” devam ser vistos como um documento oficial que estipula quais as instruções que devem ser seguidas quando, onde, e por quem. Nesse caso, o seu sucessor, o inexperiente Kim Jong-un, pode dizer que está obrigado a fazer o que lhe foi dito.
Muitas vezes a Coreia do Norte pressiona a comunidade internacional. Mas a própria Coreia do Norte está a ser pressionada pelos ensinamentos de um fantasma, usado por aqueles que permanecem no poder, em Pyongyang. Por mais quanto tempo é que o resto do mundo vai permitir-se ser pressionado por um fantasma?
Yuriko Koike é ex-ministra da Defesa do Japão e Conselheira de Segurança Nacional.
© Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
21/05/12
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