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O meu 25 de Abril
Dia 25/4/74, eram 8h.05. Era a habitual hora de me levantar, quando
oiço chegar o meu pai aflito, vindo da padaria com o pão, dizendo:
- Há uma revolução, o Chico não pode ir à escola, a Baixa está cheia
de tropas!
- Aquilo “de não poder ir à escola” interessou-me logo, eu
nem estava a acreditar, pois ao fim de 4 anos de primária, pela 1ª vez
não ia à escola! Era formidável!!! Nesse dia estava eu e os meus colegas
livres de levar porrada da grossa (tortura e terror) imposta
diariamente pelo nosso professor da primária: Alexandre Mendonça Martins
na escola Nº 24 do Bairro de São Miguel com a sua “varinha mágica” como
ele lhe chamava, às vergastas que ele próprio arrancava dos arbustos do
jardim da escola, com que nos enchia de nódoas negras, até as ouvíamos
assobiar no ar!!! Encolhíamos nos todos de ver bater no desgraçado, pois
sabíamos que dentro de minutos o desgraçado era cada um de nós!
Já para
não falar da situação de vexame a que nos submetia aquando duma
redacção, desenho… Escolhendo a redacção mais fraca, pondo-a em
ridículo, lendo-a alto em voz de gozo para todos se rirem dando ênfase
às situações caricatas e lendo os erros tal como o aluno escrevera, no
final o aluno como prémio era chamado à frente para saborear a “varinha
mágica”.
Com os desenhos e tudo o resto era a mesma coisa, exibia
gozando. Portanto não convinha nada ter a pior redacção, o ditado com
mais erros, o pior desenho, a pior aritmética porque já se sabia que ia
ter como prémio a famosa “varinha mágica”, que fazia milagres como ele
dizia! Enfim métodos de ensino! Cá para mim ele deve ter sido educado
num seminário para padres (lá bem no interior) ou coisa do género!
A
PIDE é que nunca o descobriu! Dava um óptimo pide!!!
Naquela época os festivais da canção eram muito importantes e todos os
anos a rapaziada cantava a canção vencedora ou a mais "orelhuda" e nesse
ano a canção "festivaleira" tinha ficado em 2º lugar "No Dia Em Que 0 Rei Fez Anos" enquanto a vencedora fora "E Depois Do Adeus". E fora também a 1ª senha para dar inicio às operações militares. E após o 25 de Abril a canção que toda a gente cantava era "Somos Livres".
Portanto o não ter ido à escola nesse dia foi a melhor prenda!
Fui para a
rua e o que eu ouvia na rua e na escada do prédio era: Que queriam
fazer mal ao Marcelo Caetano e também ao Américo de Tomás e eu pensei de
imediato «Isto são uns patifes»! Fazerem mal ao Marcelo Caetano e ao
Américo de Tomás que são pessoas tão boas!
Fiquei com medo dos
revolucionários e das tropas. Ao que depois me disseram que não! Os
revolucionários é que eram bons e os do governo é que eram maus! Fiquei
confuso, sem perceber! Eu tinha em tão boa conta o Presidente Américo
Tomás que alem de ter o seu nome no actual Estádio do Restelo, estava lá
na fotografia por cima do quadro da sala de aula ao lado da também
fotografia do Salazar, apesar do presidente do conselho já ser há
bastantes anos Marcelo Caetano. Como digo tinha em boa conta “esta
gente” como é que agora eles eram maus! E foi então que na rua havia
quem explicasse à vizinhança que eles eram fascistas e ditadores,
“palavrões” que eu nunca ouvira antes!
E as explicações continuavam: -
Eles têm muita gente presa que nunca cometeram crimes, apenas mostraram
ter outra opinião e só por isso foram presos. Estão lá no «poleiro» mas
foram eles que se meteram lá e de lá não saiem, ninguém votou neles para
estarem lá! E eu ouvindo isto pensei: Nunca me ocorreu saber como é que
“eles” estão no governo, pois se não é por tomada de posse hereditária,
como é que são eles e não outros no governo?
Eu que estava com medo das forças armadas, fiquei a saber pelas pessoas
que afinal eles vieram libertar o país duma ditadura “Oligárquica”. E o
que eu sentia nesse momento era o que uma vizinha dizia: - “Eles”
enganaram-me bem, eu que pensava que eles eram amigos do povo e afinal…
Eu não sabia que existia PIDE/DGS, que havia censura, presos políticos,
que deveria haver eleições, que chegou a haver eleições que foram só
para alguns “farsas”.
Mas nesse mesmo dia apareciam pessoas com opinião contrária, que diziam:
«O Zé Povinho anda contente mas não sabe o que o espera!» «Isto ainda
vai haver uma guerra civil» «Quem trabalha e não se mete em confusões a
pide não prendia» «O Salazar foi amigo do país porque deixou grandes
reservas de ouro e livrou-nos da 2ª Guerra Mundial». Ao que a maioria
das pessoas respondiam (as mais velhas): Que o Salazar fê-las passar
fome…
Nesse dia não ouvi falar em partidos politicos mas ouvi muitas palavras
novas: Fascismo; Ditadura; Democracia; Latifúndio; Monopólio; Eleições;
Revindicações…
Um dia diferente num país onde nada acontecia. O maior acontecimento
nacional dos últimos 5 anos nas conversas de café tinha sido o aumento
da “bandeirada dos táxis” de 1$50 para 2$00, numa época em que os preços
eram «eternos» mas que a crise petrolífera internacional de 1973 (com
os racionamentos) estava a complicar.
Durante a semana a seguir ao dia da “Revolução Dos Cravos”, foi a semana
nacional mais colorida de sempre, as pessoas estavam eufóricas e
felizes, eram todas amigas umas das outras e até pessoas que já não se
viam à muitos anos, faziam visitas umas às outras! Culminou com a grande
festa do 1º de Maio na FNAT, actual INATEL (perto de onde moro). Nunca
vi nem houve tanta gente junta nas ruas de Lisboa como nesse dia. E
éramos todos AMIGOS!
Nesta época a taxa de analfabetismo em pessoas acima dos 45 anos era
superior a 50% e aumentava muito no interior principalmente nas pessoas
do sexo feminino. A maioria das pessoas ainda não possuía televisão (eu
só tinha há 2 anos), nem sequer electricidade ou água canalizada nas suas
localidades. E foi neste “Portugal profundo” que passadas 3 semanas
encontrei mais o meu pai, pessoas que em conversa com elas desconheciam a
existência da revolução que mudara de regime, estávamos admirados ao
que o meu avô aproximou-se e ao aperceber-se da conversa disse:
- Eles
não sabem disso aqui! – Não têm telefonia! – O 25 de Abril não chegou cá
a eles!!!
Francisco Silva
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