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O regresso ao
ensino elitista
A ascensão de Nuno Crato ao poder foi promovida por duas vias: o seu
populismo discursivo, de que a desejada implosão do ministério foi
paradigma, e a influência poderosa de grupos para quem a Educação é
negócio.
Chegou agora o momento em
que o aforismo emblemático de César das Neves começa a colher prova no
terreno das realidades: não há almoços grátis! O recentemente aprovado
estatuto do ensino privado mostra ao que Crato veio e para quem
trabalha. O seu actual direitismo, socialmente reacionário, está
próximo, em radicalismo, do seu esquerdismo de outros tempos. O fenómeno
explica-se, tão-só, por simples conversão de interesses e ambições aos
sinais dos tempos. O resultado que se desenhou e ganha agora forma é o
retorno a um sistema de ensino elitista, onde muitos serão excluídos.
1.
Acabámos de viver o momento alienante da divulgação dos “rankings” dos
resultados escolares em exames, sem que o país valorizasse os outros
resultados, não mensuráveis por eles, mas, eventualmente, bem mais
relevantes. Ficámo-nos pela leitura simples dos dados absolutos e
dispensámos a complexa que resultaria do cruzamento das variáveis
subjacentes. Depreciámos, sem razão, as disciplinas que ficaram de fora
dos “rankings”, por não estarem sujeitas a exames nacionais.
Contentámo-nos com olhar para os pontos de chegada dos alunos, sem
considerar aqueles de que partiram. O famigerado “Guião para a Reforma
do Estado”, ao socorrer-se dos “rankings” para, sem pudor, incensar o
ensino privado e apoucar o público, assumiu uma política deliberada de
elitismo e de tudo para o privado e cada vez menos para o público.
Cito
dois exemplos de facciosismo, para que não me acusem de me ficar por
generalidades: enquanto às escolas privadas está hoje outorgada total
autonomia pedagógica e directiva, retirou-se às públicas a possibilidade
de estabelecerem as suas ofertas formativas e impôs-se-lhes um modelo
único de gestão, fortemente burocratizado e de um gigantismo
desumanizante; enquanto o financiamento público às escolas privadas
aumentou (são mais 2 milhões de euros que no ano passado, num total de
149,3 milhões e 19,4 para os futuros cheques-ensino), todos os programas
de melhoria dos resultados escolares das escolas públicas foram
extintos e o seu financiamento diminuiu.
Em conclusão breve, os
“rankings” chamam a atenção para as escolas mais elitistas e menorizam
as escolas, eventualmente melhores, que acolhem e tentam ensinar os
excluídos.
2. Não direi que o novo programa de Matemática A tenha
sido concebido com a intenção perversa de apressar a passagem de muitos
alunos do ensino regular para os eufemisticamente chamados “percursos
alternativos”. Mas será esse o corolário previsível, considerando a
complexidade inapropriada que lhe foi introduzida e a sua extensão. Se
já eram detectados problemas de cumprimento no anterior, designadamente
pelas dificuldades de passagem do básico para o secundário, o quadro
ficará pior face a um programa que ignora o que a investigação didáctica
internacional tem recomendado e é praticado pelos sistemas de ensino
que melhores resultados obtêm nos estudos comparativos. Professores da
disciplina, com quem procurei validar a opinião que formei, foram
unânimes: trata-se de mais um retrocesso de décadas a teorias e
processos há muito abandonados, que promoverá a aversão à disciplina e
fará aumentar o número dos excluídos.
3. O Governo estabeleceu até
ao fim de Dezembro o prazo para as universidades e politécnicos se
pronunciarem sobre a reordenação da rede de ensino superior, de modo a
que o próximo ano lectivo a encontre pronta. Se, por um lado, a medida é
necessária, por outro, uma imposição atabalhoada só pode gerar
desastre. As fusões e os consórcios que o Governo deseja não se promovem
sob imperativo temporal bruto. Na linha simplista e imediatamente
utilitária que pontifica, pode prevalecer a lei da obediência à procura.
Mas se desertificámos o interior, é natural que aí não a encontremos.
Valeria a pena uma reflexão sobre processos de rentabilizar a capacidade
formativa instalada e o forte investimento dos últimos anos em
infra-estruturas, no sentido de atrair jovens para as instituições do
interior, designadamente estrangeiros, o que não seria difícil, se
considerarmos a enorme potencialidade da lusofonia. Abandonar parte do
país e aceitar o determinismo da redução sem sequer equacionar a utopia
da expansão é limitativo. As políticas de desertificação do país,
prosseguidas com denodo pelo actual Governo, justificam o receio de que
esta reforma da rede se resuma ao simples aumento das dificuldades para
os poucos jovens que ainda resistem nas zonas do interior. A ser assim,
os que não tiverem recursos para demandarem o litoral e os grandes
centros urbanos serão excluídos.
4. Por tudo isto, não surpreende
que o primeiro-ministro português, paroquial e subserviente ao
estrangeiro, não tenha pestanejado quando, a seu lado, Durão Barroso
pressionou explicitamente o Tribunal Constitucional com a expressão
vulgar do “caldo entornado”. Um e outro, “pintarolas” em lugares de
Estado, não percebem que qualquer cidadão de hoje se deve bater pela sua
Constituição como os cidadãos do passado se batiam pelas muralhas do
seu burgo.É o último reduto para não serem definitivamente excluídos.
Professor do ensino superior
IN "PÚBLICO"
20/11/13
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