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ONTEM NO
"PÚBLICO"
Como a socialite do regime russo
se virou contra Putin
Durante quase uma década Ksenia Sobtchak foi uma das mais glamorosas
apoiantes do Presidente russo. Com dinheiro, fama e as ligações certas –
e a alcunha de "Paris Hilton da Rússia" – era uma celebridade próxima
do Kremlin, até se converter numa das vozes mais críticas nos protestos
ao regime.
Ksenia Sobtchak dispensa apresentações na
Rússia. É estrela de programas de enorme popularidade, tem quase meio
milhão de seguidores no Twitter e é provavelmente a figura pública mais
conhecida no país a seguir ao Presidente Vladimir Putin e ao
primeiro-ministro Dmitri Medvedev – ela diz que assim é. Mas quando se
juntou aos 80 mil manifestantes que protestavam em Moscovo contra o
Governo, na véspera de Natal, fez questão de dizer: "Sou Ksenia
Sobtchak, tenho algo a perder e estou aqui mesmo assim."
Foi
acolhida com vaias e duros insultos, que pouco mais a deixaram dizer
naquele dia, por uma multidão de russos que não esquecem que ela é a
epítome dos privilegiados herdeiros da era soviética. E, para mais,
filha do antigo mentor de Putin, o antigo presidente da Câmara de São
Petersburgo, Anatoli Sobtchak, e de uma senadora da câmara alta do
Parlamento, Liudmila Narusova, que permanece acérrima leal à "democracia
soberana" do regime. Dão, por isso, pouco crédito à sua conversão,
mesmo tendo em conta o pedigree liberal recebido do pai, uma das figuras mais aclamadas da resistência à tentativa de golpe de 1991 contra a perestroika.
Ksenia, com 30 anos e conhecida como a "Paris Hilton da Rússia", passara afinal a última década em festas luxuosas, de stilletos e longos casacos de vison, e poses "vulgares" para as revistas cor-de-rosa; até mesmo para as capas da Playboy e Maxim
russas. A sua fortuna pessoal está avaliada pela Forbes em 2,8 milhões
de dólares, num pequeno império empresarial que incluiu uma marca de
roupa, um perfume (Como Casar com um Milionário – e ela namorou uns
quantos) e um dos restaurantes mais elitistas de Moscovo.
Passados porém o choque e a surpresa de ver uma filha do regime a
virar-se contra o Kremlin – e conforme Ksenia endureceu cada vez mais o
tom crítico –, por alturas de Março, em novo protesto anti-Governo, as
vaias aos seus discursos já não eram tão sonoras. Em Maio, na
manifestação que antecedeu a tomada de posse de Putin, regressado ao
poder após o intervalo de quatro anos imposto pela Constituição, foi até
aplaudida. E também detida, por algumas horas, junto com outras figuras
da velha e nova oposição.
"A mãezinha pode sempre telefonar a
Putin", ironizou então o veterano oposicionista e antigo
primeiro-ministro Boris Nemtsov. Devido às ligações muito próximas da
família com o autocrático Presidente – Putin, numa das suas raras
exibições públicas de emoção, chorou no funeral de Anatoli Sobtchak –,
assumira-se que Ksenia gozava de "alguma protecção", nota o
editorialista Brian Whitmore, da Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade.
"Mas essa presunção está a ser desmentida", sustenta.
A 11 de
Junho oito agentes do Comité de Investigação bateram à porta de Ksenia,
uns minutos antes das oito da manhã, e vasculharam-lhe o apartamento
durante seis horas. Só dali saíram depois de encontrarem e confiscarem
envelopes com dinheiro: quase um milhão em euros e meio milhão em
dólares.
Alguns armados, todos encapuzados, viraram-lhe os
armários do avesso, ligaram-lhe o computador e leram em voz alta
mensagens antigas trocadas com ex-amantes à frente do novo namorado,
Ilia Iashin, um dos líderes do Partido Popular da Liberdade, envolvido
na organização dos protestos anti-Governo.
E antes de saírem
ainda lhe disseram: "Se tens casado com um bom homem dos FSB [agência de
serviços secretos que substituiu o KGB] nada disto acontecia." Duas
horas mais tarde, todos os pormenores da busca eram divulgados no
website do tablóide pró-regime Life News, incluindo a descrição da "sugestiva" roupa interior que Ksenia vestia quando abriu a porta aos agentes.
Foi interrogada já duas vezes, dada como
suspeita de evasão fiscal sobre o dinheiro encontrado na rusga, com
fontes anónimas do Ministério do Interior a revelarem para os mediacontrolados
pelo Estado que Ksenia declarou nos últimos dois anos rendimentos que
pouco ultrapassaram os 200 mil dólares. Ela nega estas acusações, frisa
que há vários anos que declara rendimentos entre um e dois milhões de
euros e mantém que as suas contas "estão limpas"."Seja a prisão ou o
exílio, [as autoridades] estão decididas a silenciar-me", denunciou
Ksenia numa entrevista ao New York Times.
Na mesma manhã em que o
seu apartamento foi vasculhado, as casas de outros líderes da oposição
foram também objecto de buscas, mas os observadores entendem que ela é
que era "o alvo" da operação. "A única pessoa que Putin quis castigar
naquele dia foi Ksenia Sobtchak. Não foi uma coisa política. Foi
pessoal. Putin não conhece os outros líderes dos protestos e, por isso,
não tem razão nenhuma para se sentir ofendido por eles. Mas parece
acreditar que tem razões para se sentir ofendido com Ksenia Sobtchak",
defendeu o analista político Stanislav Belkovski, no diário Moskovski Komsomolets.
Putin
não está de facto a dar nenhuns sinais de misericórdia para com a filha
do seu antigo professor de Direito e mentor político, e, sustentam os
kremlinlogistas, dificilmente o fará. Para Putin, que se mostrara
relativamente tolerante com a oposição até à tomada de posse, Ksenia
cometeu o maior crime possível: é uma aliada que o traiu.
O Presidente, observou a jovem numa entrevista ao Moscow Times,
"é o tipo de pessoa que divide os outros entre os que estão com ele e
os que estão contra ele. Respeito-o muito, por tudo o que fez antes pela
Rússia, mas creio que ele acha que eu deixei de "estar com ele" e,
agora, estou a sentir as consequências. E não há nada que eu possa fazer
agora. A máquina da repressão neste país só pode ser iniciada, jamais
parada – nem mesmo por Putin".
O que mais distingue Ksenia
Sobtchak e o que a faz ser amada e odiada é o sucesso como apresentadora
de alguns dos mais polémicos e mais populares programas de
entretenimento na televisão nacional russa: desde o Top Model Po-Russki,
inspirado no programa de moda da americana Tyra Banks, ao Dom-2, um reality show
que, segundo um crítico britânico de televisão, "consegue fazer o Big
Brother parecer um modelo de bom gosto e humanidade". Alguns deputados
fizeram mesmo uma petição para acabar com aquele programa e acusaram
Ksenia de "proxenetismo".
Ela, obreira única da sua imagem
pública, revelou-se nos últimos meses envergonhada com o passado recente
e chegou a lamentar não poder romper o contrato que a ligava àquele
programa. Já não precisa de o fazer: acabou por ser despedida de todos
os contratos na televisão nacional após o raide policial à sua casa.
Era
já, entretanto, também uma das grandes estrelas do canal de cabo e
Internet TV-Rain, onde tem dois programas políticos: o magazine Sobtchak
Live, em que apanha políticos "em flagrante" (como o antigo líder da
organização de juventude pró-Putin Vasili Iakemenko a almoçar num
restaurante de luxo, ou a ministra da Agricultura com uma mala Hermès
Birkin de 25 mil dólares no braço) e o talk show Gosdep-2 ao qual
o embaixador norte-americano, recém-chegado a Moscovo, se ofereceu
prontamente a ir para "desmistificar alguns mitos".
Este último
programa chegou a estar na televisão nacional, no canal que é a versão
russa da MTV, mas acabou cancelado logo após o primeiro episódio, em
Fevereiro, no qual Ksenia entrevistou o popular oposicionista Alexei
Navalni.
Para muitas das figuras de topo da oposição
russa – uma elite também, como nos tempos soviéticos, mas intelectual –,
Ksenia Sobtchak ainda não mereceu um lugar entre eles, apesar de ter já
mostrado estar disposta a usar todos os seus recursos. Muitos já a
instaram a "distanciar-se" do movimento de contestação no país que
ganhou fôlego com as eleições legislativas de Dezembro, vencidas pelo
partido de Putin e denunciadas pela oposição como fraudulentas."Percebo
os receios que têm. Vêem em mim uma ameaça, temem que eu dê má imagem à
oposição. E talvez tenham razão... Mas não posso mudar o que fiz no
passado", nota Ksenia ao New York Times. Nem o percurso de
celebridade da televisão, nem o de socialite escandalosa, nos anos que
se seguiram à morte do pai, em que abandonou os estudos de Ciência
Política.
O blogger russo Anton Nossik, um dos mais influentes no
país, sublinha que a jovem Sobtchak não deve ser subestimada: "Aquilo
que ela está a fazer pode vir a relevar-se muito mais importante do que o
que é feito por qualquer outro opositor. Putin tem os poderes do
Kremlin, claro. Mas ela tem algo que ele não tem: os fãs".
E
domina com mestria o instrumento mais poderoso da oposição russa: a
Internet, que na Rússia tem 66 milhões de utilizadores por dia, a maior
população web de um país em toda a Europa, e constitui o grande refúgio
da kreativni class (a classe criativa), a geração que entrou na
idade adulta na primeira década do século XXI. Os vídeos que Ksenia
protagonizou em paródia à campanha presidencial de Putin - onde aparece a
elogiar o regime com as mãos atadas e uma arma apontada à cabeça por um
homem encapuzado - foram vistos na web mais de dois milhões de vezes.
Diz
que o "ponto sem retorno", o momento em que o sentimento de lealdade ao
regime se quebrou e se converteu à oposição, foi o anúncio feito em
Outubro por Putin e Medvedev de que iriam voltar a trocar papéis. Foi
isto que a fez abraçar o combate às "falhas do regime": a perpetuação no
poder, a corrupção, o estado de polícia, a ausência de liberdade de
imprensa.
"Eu tenho dinheiro, os shows na televisão, sou popular.
Mas a certa altura pensei que tudo aquilo era apenas para mim própria.
Estou envolvida em alguns projectos de beneficência, mas isso não chega,
só serve para ganhar mais popularidade. E quando os protestos começaram
a surgir vi que tinha finalmente uma oportunidade para pôr toda a minha
popularidade ao serviço da causa certa. Sou a única líder da oposição
que pode falar para uma audiência de massas", defende Ksenia em
entrevista à revista Harper"s Bazar.
Mas não quer que a
vejam como política, diz não ter tais ambições, "pelo menos para já", e
pede que não a descrevam como "revolucionária". "Nem me retratem como
uma espécie de cavalo de Tróia, por favor", pediu ao New York Times.
"Sou jornalista de política", afirma. "Idealmente uma jornalista com
uma carreira que seja como a de Larry King. Sei que é difícil imaginar
alguém que apresentou um programa de moda e é capaz também de ter
discussões sobre política. Mas é disso mesmo que tenho orgulho: ser a
Tyra Banks é bom e ser o Larry King é bom, mas melhor ainda que tudo
isso é ser a Tyra Banks e o Larry King ao mesmo tempo.
* A promiscuidade entre a comunicação social e o poder político não dá bom resultado, Portugal já tem alguns exemplos.
Agora na Rússia fia mais fino, porque enfrentar o ex-director do KGB, eleito "democráticamente" para presidente do país, mesmo que seja personagem do show bizz, dá direito a umas amolgadelas.
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