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Cansados de blogs bem comportados feitos por gente simples, amante da natureza e blá,blá,blá, decidimos parir este blog do non sense.Excluíremos sempre a grosseria e a calúnia, o calão a preceito, o picante serão ingredientes da criatividade. O resto... é um regalo
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GOSTO ᗪᕮ ᑭᗩᒪᗩᐯᖇÕᕮS
𝐌𝐈𝐆𝐔𝐄𝐋 𝐆𝐔𝐈𝐋𝐇𝐄𝐑𝐌𝐄 𝐥𝐞̂ 𝐌𝐈𝐆𝐔𝐄𝐋 𝐄𝐒𝐓𝐄𝐕𝐄𝐒 𝐂𝐀𝐑𝐃𝐎𝐒𝐎
* A péssima captação de som estraga a qualidade da interpretação
Gosto muito de palavrões, como gosto de palavrinhas e de palavras em geral. Acho-os indispensáveis a quem tenha necessidade de escrever ou falar.
Mas como sou moralista tenho uma teoria, que é a seguinte: quando se usam palavrões, sem ser com o sentido concreto que têm, é como se estivéssemos a desinfectá-los, a torná-los decentes, a recuperá-los para o convívio familiar e quando um palavrão é usado literalmente é repugnante.
Dizer que “a sanita está entupida de merda.” ou “tenho uma verruga na ponta do caralho” é inadmissível. No entanto, dizer que um filme “é uma merda” ou que “comprar uma casa em Massamá não lembra ao caralho”, não mete nojo a ninguém.
Cada vez que um palavrão é utilizado fora do seu contexto concreto e significado, é como se fosse reabilitado. Dar nova vida aos palavrões, libertando-os dos constrangimentos estritamente sexuais ou orgânicos que os sufocam, é simplesmente um exercício de libertação.
Em Portugal é muito raro usarem-se os palavrões literalmente. É saudável. Entre amigos, a exortação “Não sejas cona”, significando “Despacha-te! Não percas tempo a decidir!”, nada tem a ver com a cona em si, palavra bastante feia, que se evita a todo o custo nas conversas do dia-a-dia.
Ao separar os palavrões dos seus significados libertam-se! O verbo “foder”, por exemplo, fora da cama quase nunca se usa para dizer “fornicar”. Quando se conta uma aventura, e caso se queira ser ordinário, diz-se “fiz” ou “papei” ou “comi”.
Geralmente, “foder” significa “estragar”, “prejudicar” ou “fazer mal”. Quando o Sr. Marques da contabilidade diz que “fodeu” o Sr. Sousa do contencioso, refere-se apenas a um acerto de contas entre eles. Pessoalmente, somente gosto da utilização “é fodido”. Quando tem o sentido de “triste sorte a minha”.
Por exemplo, quando não se encontra uma peça sobressalente para a mota, ou se não se acerta no TotoLoto por um único número, ou se vê que alguém nos passa a frente numa promoção só porque conhece o patrão, diz-se “é fodido”. Qual é o sujeito? Deveria ser a vida, mas nesse caso dir-se-ia “é fodida”. Na minha opinião, a frase subentendida é algo como “é fodido um gajo andar para aí a tentar safar-se e ver que não tem sorte nenhuma”.
Do mesmo modo, quando dizemos “foda-se”, é raro que a entidade que nos provou a intercação seja passível de ser sexualmente assaltada. Quando nos queimamos no ferro de engomar, ou quando temos visitas em casa e se acaba o whiskey, não existe, ao dizer-se tranquilamente “foda-se”, qualquer intenção de mandar fornicar o ferro ou a garrafa.
Quando o verbo é usado com o sentido que tem, eu acho indelicado e grosseiro, até porque fornicar ou ser fornicado não são coisas assim tão más quanto isso. Sendo aceite que o sexo é divertido, não se percebe como é que “vai-te foder” exprima um desejo antipático. Eu acho muito mais ofensivo “vai pentear macacos” ou “vai dar uma volta ao bilhar grande!”.
Os palavrões supostamente menos pesados, como “chiça” e “porra”, escandalizam. São violentos. Enquanto um pai, ao não conseguir montar um avião da Lego para o filho, pode suspirar após três quartos de hora, “ai o caralho”, sem que daí venha grande mal à família, um “chiça”, sibilino e cheio, pode instalar o terror.
E quando o mesmo pai, recém-chegado do Ikea, ou do Aki, perde uma peça para a armação do estendal de roupa e se põe, de rabo para o ar, a perguntar “onde é que se meteu a puta da porca?”, está a dignificar tanto as putas, como as porcas, como as que acumulam as duas qualidades.
Se há palavras realmente repugnantes são as decentes como “vagina”, “prepúcio”, “glande”, “vulva” e “escroto”. São palavrões precisamente porque são tão inequívocos.
Para dizer que uma localidade fica fora de mão, não se pode dizer que “fica na vagina da mãe” ou no “ânus de Judas”. Todas as palavras eruditas soam mais porcas e dão menos jeito. Quem se atreve a propor expressões latinas como “fellatio” ou “cunnilingus”? Tira a vontade a qualquer um.
Da mesma maneira, “masturbação” é pesado e maçudo, prestando-se pouco ao diálogo, enquanto o equivalente popular “punheta”, com a ressonância inocente que tem de uma treta que se faz com o punho, é agradavelmente infantil.
O sexo… O sexo como a vida deveria ser o mais simples e amigável possível. Misturar as duas coisas através dos palavrões parece-me muito saudável. Deixá-los fechados debaixo dos lençóis e atrás das portas é condená-los a uma existência bafienta que não merecem.
Por que é que uma prostituta não há-de dizer “puta de vida!” sem se ofender a si mesma? Os palavrões são palavras multifacetadas, muito mais prestáveis e jeitosas do que parecem. É preciso usá-los, para que não se tornem obscenos e propagá-los, para que deixem de ser chocantes.
É pior falar mau português do que falar mal em bom português!
Quem anda para aí a foder a língua não são os que dizem “foda-se” de vez em quando. São os que dizem “acabou de terminar…” e “eventualmente estão assegurados…”.
Se não usarmos os palavrões, livre e inocentemente, eles tornar-se-ão em meras obscenidades. E para obscenidade já basta a vida em si.
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1.Chicote vs. Cenoura. O governo decidiu retirar alguns alimentos dos bares e cantinas das escolas. Não é uma medida consensual, apesar de poder parecer bem intencionada. Antes de mais, é coxa, porque interfere na liberdade de escolha dos indivíduos em relação à sua alimentação, forçando a uma mudança de comportamento ao limitar as opções disponíveis. Como qualquer medida paternalista, esta torna-se de efeito preverso se não apostar na pedagogia, na reeducação alimentar e no envolvimento dos cidadãos na tomada de decisão. De nada servirá forçar um comportamento na escola, se este for entendido como obrigação. Porque, à primeira oportunidade (em casa ou no café da esquina, por exemplo), é quebrada a regra imposta.
Em opção, o que é que temos? O nudging, conceito apresentado por Richard Thaler e Cass Sunstein há mais de uma década, cujo exemplo mais clássico é precisamente o efeito da mudança da disposição dos alimentos nas cantinas escolares: colocando a fruta ao nível dos olhos e em evidência, provou-se que o consumo de fruta aumentava. Não deixaram de existir sobremesas nem açucarados, mas o facto de estarem menos próximos ou destacados reduziu o seu consumo, levando mais pessoas a optar pela alternativa saudável. Podendo ser uma medida paternalista, é também libertária, uma vez que não obriga à mudança de comportamento. Estimula-a.
O nudging é uma ferramenta muito utilizada na formulação de políticas públicas, com inúmeros casos de sucesso testados. Está na altura de Portugal entrar na lista de países que o utilizam de forma consistente. Até porque em democracia, a aposta segura será sempre na cenoura. Nunca no chicote. No incentivo, nunca na obrigação.
2.Máscaras para continuar? Os tempos de pandemia levaram a muitas limitações e interferências nos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. A obrigatoriedade do uso de máscara ao ar livre é uma dessas limitações, forçando um comportamento individual em prol do bem comum. A lei que regula esta obrigatoriedade estará em vigor até 12 de setembro. E o governo, que já avançou para a última fase de desconfinamento, já deixou clara a intenção de pôr fim a esta obrigação. Mas não foi além de um manifesto de intenção e a efetiva decisão, chutou-a para o Parlamento, com a desculpa de que foi de lá que veio a lei. Na realidade, trata-se de uma fuga para a frente, mais uma demissão da assunção de responsabilidades. Vejamos: se o Parlamento puser fim à lei e se revelar que essa medida tem consequências negativas ao nível da Saúde Pública, a culpa é dos deputados. Se os partidos optarem por manter a obrigatoriedade do uso de máscara, uma medida claramente impopular mas absolutamente necessária, é o Parlamento que está a travar o regresso à normalidade, quando para o governo não havia dúvidas de que a sociedade está pronta para avançar.
O PSD, principal partido da oposição que pode ter impacto determinante na decisão final, recusa-se a tomar uma posição baseada na direção do vento, pelo que pediu que os peritos que têm sustentado a decisão política se reunissem para refletir sobre esta matéria. O governo recusou agendar a reunião. Pena que as manobras político-partidárias e o populismo continuem a ter primazia sobre a saúde dos portugueses e não se opte pela opção responsável (e corajosa): decidir com base na evidência científica, mesmo que isso signifique a manutenção de medidas que geram mal-estar e acumulam críticas.
3.Tudo ou nada. Mais uma vez, falta uma estratégia assente na pedagogia e na informação, que explique porque temos, enquanto sociedade, que continuar a ter determinados comportamentos preventivos e qual é o papel de cada um de nós na defesa dos interesses de todos. O governo criou uma task force de cientistas comportamentais, o que levaria a pensar que tem consciência da importância da informação para a influência de comportamentos. Mas até agora não vimos nada dessa task force, nenhuma estratégia de comunicação ou técnicas de incentivo para a adoção de boas práticas. Esta última fase de desconfinamento é o momento certo para que o coletivo de especialistas dê a cara e apresente um plano estratégico. É a derradeira oportunidade destes especialistas deixarem de ser apenas nomes num papel e se mostrarem úteis, garantindo que os portugueses sabem e compreendem que, independentemente do levantamento das restrições, a sua saúde e a dos que lhes estão próximos depende diretamente dos seus comportamentos.
Para podermos vir a ter tudo outra vez, não podemos mergulhar de cabeça no vazio, ignorando todas as regras. Temos de viver cada dia como uma conquista. Conscientes, serenos, solidários. Até que nos chegue a vitória.
* Assessora de Comunicação Política, desde 2011, na Assembleia da República
IN "SOL" - 25/08/21
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