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“Os museus são uma seca!”
Os museus têm uma comunicação eficaz com os adultos, mas não comunicam com os mais novos.
Esta foi a expressão repetida por uma criança, de cerca de 10 anos, à
saída de um dos grandes museus nacionais. O rapaz barafustava e no rosto
dos pais via-se o desalento, talvez pela reação do miúdo ou pelo tempo
perdido ou pelo dinheiro gasto (embora até aos 12 anos a entrada seja
gratuita), quiçá pelo conjunto das razões.
Como professora de História, aquela situação incomodou-me, porque todos
sabemos (ou devíamos saber) da importância dos museus enquanto espaços
de partilha, de memórias, de identidade, de conhecimento, de tolerância,
de multiculturalidade entre outras tantas virtuosidades que lhes
poderia apontar. Muitas das nossas crianças só vão a museus através da
escola. Os serviços educativos daquelas instituições têm, de um modo
geral, criado uma dinâmica interessante e atrativa, aquando da
realização de visitas de estudo, com propostas de atividades variadas
que estimulam a observação, a concentração, a análise e a comunicação.
Mesmo assim, os constrangimentos económicos e administrativos têm sido,
nos últimos anos, um grande obstáculo à saída dos alunos para lá das
quatro paredes da sala de aula e há a clara noção da necessidade de
aumentar a frequência destas experiências de aprendizagem. Esta é a
perceção que vou colhendo junto de profissionais dos serviços educativos
de alguns museus e de professores de História, no âmbito de uma
formação para professores que tenho vindo a dinamizar, e que os museus
têm prontamente acolhido e cooperado.
De qualquer forma, assaltou-me naquele caso em particular o aspeto
positivo da família querer e poder proporcionar aquela vivência ao
filho. E como esta, outras haverá. Eu também lá entrei com os meus
filhos, de 5 e 8 anos.
A visita à cidade não fora planeada. Encontrámo-la cheia de turistas,
ruas animadas com música, folclore e até programas de televisão ao
vivo. No museu, reinava um silêncio pesado, que me perturbou tanto
quanto a expressão do rapaz. E incomodou-me porque lhe dava razão. O
museu esqueceu-se das crianças. E como este, outros haverá. Nos dois
pisos, que expõem grandes obras da nossa pintura, entre outras
“relíquias”, cruzámo-nos apenas com um casal estrangeiro. Percorri as
salas en passant e consegui que os meus filhos, que até estão habituados
a frequentar estes espaços, me acompanhassem durante trinta minutos, em
que fui apontando para algumas curiosidades. O museu tem uma
comunicação eficaz com os adultos, mas não comunica com os mais novos.
Aprofundei o assunto com o meu rapaz de 8 anos. Na cabeça das nossas
crianças e jovens há dois tipos de museus: os “museus fixes”, pensados
para eles, com informações em formatos digitais e interativos, com caças
ao tesouro, ou passatempos, e os “museus seca”, os dos adultos
(“aqueles que têm muitas pinturas”). Ou seja, estes museus têm um grande
desafio pela frente: cativar o público infanto-juvenil de forma a
proporcionar experiências enriquecedoras também em contexto familiar.
Aliás, esta simbiose escola – família é de crucial importância para
criarmos o gosto pela arte e pela nossa cultura e as oportunidades não
podem ser desperdiçadas, tanto mais quanto Portugal está na moda. As
nossas vilas e cidades estão repletas de potenciais “consumidores
culturais”. Por essa Europa fora, não faltam exemplos de museus que,
logo à entrada, publicitam as atividades ao dispor dos mais novos e é
vê-los empolgados ao longo da visita. Não envolvem forçosamente as
tecnologias, são propostas desafiadoras, didáticas, divertidas e
conseguem envolver toda a família. Poderão passar, por exemplo, por
adaptar atividades destinadas a grupos de alunos a uma realização
individual. Por exemplo, ainda com três anos de idade, a minha filha fez
uma visita de estudo a um desses “museus seca”: teve de observar e
descobrir os animais representados nas pinturas dos séculos XVII e
XVIII. Esta é uma atividade simples, que pode ser aplicada numa visita
em família, e que fez sucesso. Sempre que lhe falamos em visitar museus,
ela tem reagido com entusiasmo. É importante que museus, escolas e
famílias tenham condições para despertar e manter este interesse, porque
os museus não podem de ser uma seca!
IN "PÚBLICO"
26/08/18
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