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HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
2000 transplantes de fígado.
A despedida do cirurgião pioneiro
Equipa de Eduardo Barroso no Curry Cabral alcançou mais um marco. Cirurgião, que se reforma este ano, fez questão de participar.
Envolto
num roupão azul escuro, P., que prefere resguardar assim a sua
identidade, entra na pequena sala de refeições da unidade de
transplantes do Curry Cabral pelo seu pé, sem esforço aparente. No
rosto, um breve sorriso. Não se adivinha que há apenas oito dias, feitos
ontem, ganhou um fígado novo, numa cirurgia que durou cinco horas. Já
não seria pouco, mas não é só isto, esta recuperação rápida. P.
representa um marco na história da unidade hospitalar: é o doente do
transplante de fígado 2000 ali realizado.
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Ele
próprio só o soube pouco antes da operação. Eduardo Barroso, o diretor
do Centro Hepato-Bilio-Pancreático e de Transplantação (CHBPT) e do
serviço de cirurgia, fez questão de lho dizer. Uma coincidência, claro.
Mas olhando agora para trás, P. sorri. Acabou por ser o seu "número da
sorte".
O cirurgião também viveu este
transplante como momento especial. "Foi muito simbólico para mim",
conta. Por isso, e embora já participe hoje muito menos nos transplantes
hepáticos, Eduardo Barroso fez questão de intervir nesta cirurgia de
número redondo. "Tive muito orgulho em fazer a hepatectomia total
[remoção do fígado do doente], o que me demorou duas horas, e não foi
preciso uma transfusão", garante. "Neste doente, o Eduardo de
antigamente era capaz de ter levado menos 20 minutos, mas isto não é uma
corrida", ri-se.
Participar no transplante de fígado 2000
do centro que dirige desde 2003, e onde foi pioneiro nestas cirurgias,
em 1992, juntamente com o então diretor, o cirurgião João Rodrigues
Pena, foi intervir nesse marco que coroa uma história de 26 anos. Mas
Eduardo Barroso também tem sobre isso outro olhar, e não teme falar
dele. Assim, pragmático: "Deve ter sido a minha despedida. Tenho 69 anos
e, pela lei, aos 70, tenho de me reformar, o que acontecerá até ao
final do ano. Tenho pena, mas também é bom, porque rejuvenesce a
equipa".
Para trás está toda uma
história, que se faz de aprendizagens e de começos, de luta por uma
ideia, da criação e do crescimento de uma equipa à qual não poupa
elogios. "Tenho os melhores cirurgiões do fígado do mundo, e uma geração
que está nos 40 anos que já fez mais cirurgias do fígado e mais
transplantes do que qualquer colega da mesma idade no mundo", diz sem
hesitações. Mas não fala só dos cirurgiões. Os transplantes obrigam a
uma equipa multidisciplinar, que tem de ter muitas outras
especialidades, dos hepatologistas aos radiologistas e anestesistas, dos
psicólogos e psiquiatras aos fisioterapeutas, entre muitos outros, sem
esquecer os enfermeiros e auxiliares. "Não seria possível sem todos
eles, e sem uma equipa muito coesa como esta", garante.
Foi
em 1992 que a aventura destes transplantes se iniciou no Curry Cabral.
"Isto vem do meu interesse na cirurgia do fígado. A certa altura percebi
que tinha também de oferecer o transplante de fígado aos doentes que só
assim poderiam ser tratados. Uma unidade de hepatologia moderna tinha
de disponibilizar isso", lembra.
Então,
em 1985, decidiu rumar a Cambridge, no Reino Unido, para aprender a
fazê-lo e trazer esse conhecimento para o país. "Aqui diziam que nunca
haveríamos de fazer cá transplantes hepáticos, porque não havia
tecnologia. Mas eu estava convencido de que ia fazê-lo". Não se enganou.
O
segundo transplante de fígado foi realizado ainda no ano de arranque,
numa doente. "Chama-se Maria Mota e ainda está viva", conta Eduardo
Barroso, com um sorriso. "Lembro-me muito bem. Estava nervoso porque
ainda era muito no início", recorda. Àquela hora, por coincidência,
jogava-se um Benfica-Sporting e no momento de um dos golos da sua amada
equipa, um enfermeiro trouxe o rádio aceso com aquele grito longo:
"goooo-oooolo". "Esse transplante e Maria Mota ficaram, para mim,
ligados à vitória do Sporting", lembra, divertido.
No
último quarto de século, a equipa de transplantes hepáticos do Hospital
Curry Cabral estabilizou, cresceu, tornou-se uma referência no país e a
nível internacional - por ali passam, em estágios de formação,
profissionais de todo o mundo -, e é a que maior número de transplantes
de fígado faz anualmente na Europa, excluindo o Reino Unido: entre os
120 e os 140.
"Se me perguntassem em 21
de setembro de 1992 se eu acreditava que em fevereiro de 2018 estávamos
a fazer aqui o transplante de fígado 2000, em condições
infraestruturais e organizacionais de nível europeu, eu achava que não
era possível", admite Eduardo Barroso. Mas ele aí está, real, e a
recuperar bem - para além de todas as outras marcas que são os números
das intervenções cirúrgicas que o CHBPT realiza: cerca de 500 receções
(corte e remoção parcial) do fígado e 120 do pâncreas todos os anos.
Para
P., abre-se uma nova etapa. O principal nesta fase é impedir a rejeição
do novo órgão pelo sistema imunitário, com recurso a medicamentos.
Depois a vida há de seguir o seu fluxo.
Para
o cirurgião este é também um ano de mudança. Terminada a sua missão no
Curry Cabral acredita que pode dar um contributo em cirurgias de fígado e
pâncreas, "num privado, em que haja as condições certas e uma
componente de investigação". Mas não tem nada definido. E, claro, há o
Sporting. Hoje mesmo, espera dar um "grande abraço" a Bruno de Carvalho -
o "melhor" presidente do clube desde que se conhece -, no final da
assembleia geral que decide da sua permanência no cargo. Caso contrário,
diz, vai pensar. "Deixar que alguém desta minoria que fez a vida negra
ao Bruno possa aspirar a ser presidente porque ele saiu, só por cima do
meu cadáver", garante. Poderá vir a candidatar-se à presidência do
Sporting? "Só para evitar" essa situação.
* Fantástica equipa de transplantes hepáticos do Curry Cabral que devolveu qualidade de vida a muita gente, parabéns ao director por este sucesso, quanto ao Sporting, nós que somos sportinguistas não somos da mesma opinião.
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