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Quem se habituou a viajar por várias capitais europeias dá-se conta de que a vida em Oslo é diferente. Nos táxis, nos hotéis, nos restaurantes, na limpeza das ruas são os noruegueses que ocupam essas funções. Jovens estudantes, no seu tempo de férias, não têm problema em pegar na esfregona e lavar o chão dos restaurantes ou servir à mesa. Não se importam de dobrar as costas e retirarem entulho das obras municipais e desempenharem tarefas servis, que hoje, nos países da União Europeia, estão destinadas a serem desempenhadas por imigrantes.
Até há poucas décadas, o que se vê em Oslo via-se em toda a Europa. Serão várias as razões para que Noruega se apresente, nesse aspecto, como uma sociedade coesa, onde todos os noruegueses parecem contribuir para suprir as necessidades do país. Mas a principal dessas razões reside nos referendos de 1972 e 1994, em que os noruegueses não autorizaram o Governo a integrar a Noruega na União Europeia. Já a Suécia, nas costas da Noruega, vive a normal vida da UE, onde não faltam radicais a queimar o Corão em público, vá-se lá saber porquê.
Os portugueses anteciparam em mais de 50 anos o movimento migratório que haveria de se abater sobre o mundo ocidental. Migrava-se para França, Alemanha, Suíça, Luxemburgo, América e Canadá. Fomos pedreiros, taxistas, empregados de mesa, porteiros, mordomos e ascensoristas. Uma migração-badalo, um pêndulo que ia e vinha ao ritmo da saudade. E, quando se ficava, ficava-se sendo o que os outros eram no país de acolhimento.
Não pedíamos que nos integrassem, integrávamo-nos e esforçávamo-nos por isso. Levávamos no coração a pátria e fazíamos pátria da pátria que nos era estranha. Não tínhamos nem temos (porque os tempos se repetem) o propósito de fazer na pátria alheia uma pátria nossa.
As causas da queda do Império Romano do Ocidente estão estudadas ad nauseam e resumem-se, no essencial, a duas: pressão exterior dos povos limítrofes e incapacidade de Roma para resistir às pressões externas dos designados bárbaros. Uma e outra causa estão relacionadas: a entrada dos bárbaros para executar os serviços que mantinham o império contribuiu para a desagregação interna e criou condições para que hordas de tribos estrangeiras, com destaque para as germânicas, tomassem de assalto Roma. Roma, incapaz de garantir a coesão de um território vastíssimo, colapsou. Constantinopla manteve-se ainda por mais mil anos.
Os germânicos, em que se incluíam os francos e os lombardos, deixaram de ser os bárbaros de há 1.600 anos e fundaram a União Europeia. Mas o desígnio de Roma permanece. Um império do Atlântico aos Urais, exemplo supremo civilizacional que afirma ser a luz do mundo e onde todos os caminhos vão dar a Bruxelas. Tal como Roma, este novo império ocidental necessita dos seus “bárbaros”. Alguém que venha varrer as ruas, servir à mesa, construir as casas, guiar as quadrigas e alimentar os rebanhos. Alguém que faça as contas, cozinhe o pão e cuide dos velhos, que os antigos bárbaros germânicos são ricos e podem pagar.
Paris arde, Bruxelas também. E Itália olha com medo para o mar Mediterrâneo.