As escolhas de Marcelo
Tal como o nome do programa que
manteve na televisão, também a coabitação de Marcelo e Costa dependerá
das escolhas que Marcelo fizer para a sua Casa Civil e Militar.
Foi com François Mitterrand que o
conceito de coabitação ganhou relevo público quando, já Presidente da
França, Mitterrand conviveu com um governo de direita liderado por
Jacques Chirac. Já em Portugal, o conceito de coabitação entrou na gíria
política portuguesa com Cavaco em São Bento e Soares em Belém.
Ao
longo das últimas décadas sempre discutimos a coabitação em Portugal,
mas pouco falámos sobre as condições que contextualizam os tipos de
coabitação e o seu potencial grau de sucesso à partida.
Há
dois tipos de coabitação que temos experimentado, a coabitação política
opondo Presidentes e primeiro-ministros de origens partidárias
diferentes e a coabitação de perspectivas opondo Presidentes e primeiro-ministros da mesma área política, mas com leituras diferenciadas da realidade.
O
que determina então o sucesso de uma coabitação à portuguesa? Uma
hipótese é que há uma dimensão temporal, a do contexto da eleição, e uma
outra que reside no próprio Presidente da República e nas suas escolhas
iniciais.
No interregno
produzido pelas campanhas eleitorais, quando não há reeleição
presidencial, gera-se um certo vazio nas dinâmicas de coabitação. O
Presidente que está ainda não desapareceu e o futuro Presidente ainda
não ganhou eleições, nem foi eleito.
Esse é o período fundamental para o primeiro-ministro em
funções desenhar o tipo de coabitação que pretende e esperar dos
diferentes candidatos sinais do tipo de coabitação que deles pode
antecipar.
Normalmente,
as coabitações criadas a partir desse contexto tendem a ser mais
equilibradas no poder simbólico adstrito a cada um dos lados e,
portanto, não desequilibrante o suficiente para promover conflitualidade
regular entre os dois lados da coabitação.
Situação diferente surge quando um governo cai e as eleições de um novo primeiro-ministrose
dão com um Presidente ainda com um extenso mandato pela frente, aí há
um maior desequilíbrio de poder para o lado de Belém e que, normalmente,
se traduz em conflitualidades cíclicas.
Se
dermos por boas estas hipóteses, quer isto dizer que uma vez chegados a
uma destas duas situações tudo se passa tal e qual o descrito nestes
cenários? A resposta terá de ser não.
Um primeiro-ministro escolhe
ministros e dessa escolha podem resultar sucessos ou falhanços de
políticas, mas há um equivalente para o Presidente da República e que
pode determinar o seu sucesso ou falhanço na coabitação: as escolhas de
nomes para a Casa Civil e para a Casa Militar da Presidência da
República.
O Presidente
da República escolhe sempre uma equipa para consigo trabalhar, essa
tende a dividir-se entre o seu gabinete, a Casa Civil e a Casa Militar.
Os três ramos das forças armadas estão representados na Casa Militar e
são por si escolhidos e na Casa Civil está um número variável de pessoas
que são escolhidas para diferentes funções políticas com base nas
prioridades e entendimento político do Presidente da República.
Embora
tenhamos, quase sempre, passado ao lado desses nomes, quer em atenção
ou escrutínio, na verdade a escolha das Casas do Presidente da República
diz-nos não só o que vai na mente do futuro residente do Palácio de
Belém, em termos políticos, mas também como pode evoluir futuramente a
coabitação política entre Governo e presidência.
Se
Marcelo Rebelo de Sousa optou por na campanha centrar-se nos seus actos
e não nas suas ideias, ou em personalidades que o apoiavam, para não
alterar as ideias previamente construídas sobre si mesmo, a partir deste
momento não conseguirá deixar de dar algumas pistas sobre o que será a
sua actuação futura enquanto Presidente.
Mesmo
que neste período até 9 de Março não existam actos ou discursos que
expressem politicamente as posições de Marcelo Rebelo de Sousa, quanto à
sua futura actuação como Presidente, as escolhas que fizer para os seus
mais próximos serão sempre indicações que explicitarão opções e futuros
caminhos políticos.
As
escolhas que Marcelo fizer agora serão escolhas de pessoas que
trabalharão consigo, que serão os seus confidentes e consultores, que
darão opiniões e alternativas, que se pronunciarão sobre a actualidade
política e sobre o que fazer de diferente ou de igual face aos
anteriores Presidentes.
As
escolhas de Marcelo serão assim escolhas de pessoas que também, em
função da sua visão pessoal, contribuirão ou não para dinâmicas de
conflitualidade que ajudarão ao desenho do que será o seu mandato
presidencial e o definir do tipo de coabitação Marcelo-Costa.
Ser
Presidente da República é uma função solitária, as suas decisões são
sempre suas e apenas suas, será ele que terá sempre a última palavra,
mas até à sua decisão final há sempre um longo caminho que será produto
das escolhas agora feitas por Marcelo.
Professor do ISCTE-IUL, em Lisboa, e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH, em Paris
IN "PÚBLICO"
28/01/16
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