31/01/2016

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ESTA SEMANA NO
"DINHEIRO  VIVO"

A política já não é um clube de cavalheiros

Pela primeira vez, um terço do Parlamento é ocupado por mulheres. Pode parecer pouco, mas Portugal faz parte de um grupo restrito de países

Quarta-feira, 1 de agosto. Pela primeira vez em Portugal, uma mulher assumia a tutela de um Ministério, cinco anos antes de se tornar na primeira (e única, até à data) primeira-ministra. A mulher era Maria de Lourdes Pintasilgo, o Ministério era o dos Assuntos Sociais e o ano era 1974. O contexto era o de um país onde só 25% do total de trabalhadores eram mulheres, das quais 86% eram solteiras. 
 42 anos depois, a lista de mulheres na política portuguesa não vai longa, mas vai maior do que nunca: pela primeira vez em quatro décadas de democracia, um terço dos lugares do Parlamento é ocupado por mulheres. Por esta hora, Marcelo Rebelo de Sousa é o Presidente da República eleito, mas foram Marisa Matias e Maria de Belém que fizeram história, ao protagonizar um momento inédito em Portugal: duas mulheres a candidatarem-se às presidenciais. 
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O cenário político começou a mudar de forma mais notória quando foram impostas quotas de género. A Lei da Paridade estabelece que “as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as Autarquias Locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos”. A lei foi publicada em 2006 e começou a ser aplicada em 2009, mas só nas últimas eleições legislativas, em outubro de 2015, é que teve o efeito pretendido. Isto porque, mesmo que a quota tenha sido cumprida nas eleições anteriores, se as mulheres não eram cabeças de lista ou número dois, muitas vezes não chegaram a ser eleitas. Desta vez, 25% das cabeças de lista foram mulheres.

Elza Pais, deputada socialista e antiga secretária de Estado da Igualdade, não tem dúvidas de que as quotas são a razão pela qual muitas mulheres não ficaram de fora do Parlamento. “Não sei se é o meu caso ou não. Nestes casos, não sabemos onde começam umas dinâmicas e acabam outras. Mas não tenho dúvida nenhuma de que, se não houvesse quotas, não havia tantas mulheres no Parlamento. A mudança ia sendo feita, mas não haveria tantas mulheres como hoje – e acho que há poucas”, diz ao Dinheiro Vivo. 
Os 33% atuais podem parecer pouco, mas, neste campo, Portugal está na metade boa do mundo. Só há dois países com mais mulheres do que homens no Parlamento: Ruanda e Bolívia. Cuba está quase na igualdade plena, com 49% de mulheres. A partir daí, a percentagem de mulheres é de 44% para baixo, até aos 0% em países como o Qatar ou o Iémen. O Parlamento português é mais equilibrado do que os parlamentos de países como o Reino Unido, Austrália ou França, onde as mulheres não chegam a ocupar um terço dos lugares. Ao todo, só há 33 países no mundo onde pelo menos um terço dos deputados e deputadas são mulheres.
“Não basta ser mulher” 
 Manuela Tavares, da direção da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), lembra-se do momento em que Maria de Lourdes Pintasilgo concorreu às presidenciais de 1986. Foi Mário Soares quem venceu estas eleições, mas Pintasilgo ficou na história como a única mulher a candidatar-se a Presidente da República em Portugal, até agora. “Hoje, temos um leque muito importante de mulheres na política”, reconhece Manuela Tavares, que destaca o Bloco de Esquerda, liderado por Catarina Martins e onde as vozes mais ativas são de mulheres. 
Mas “não basta que haja mulheres nos cargos de direção”, diz. É preciso ter em conta não só o seu “projeto político”, mas “o seu posicionamento em relação a outras mulheres da política”. E a verdade, considera a dirigente da UMAR, é que “muitas mulheres, quando estão na política, na sua necessidade de se impor perante os seus colegas homens (porque têm sempre de mostrar mais do que eles), esquecem outras mulheres. Deveriam ter uma atuação mais coletiva, no sentido de fazerem uma certa pressão para que outras, que ainda não estão na política, possam estar”. 
E se a maior presença de mulheres na política “é um incentivo” a que a condição da mulher na sociedade mude, ainda há as que não lutam por estes direitos, critica. “Temos o exemplo das alterações que o PSD quis impor sobre a lei do aborto. Houve mulheres do PSD que votaram a favor destas alterações. Não basta ser mulher, é preciso perceber qual é o projeto político que trazem”, frisa, referindo-se à introdução, aprovada pela maioria PSD/CDS-PP na anterior legislatura, de taxas moderadoras na interrupção de gravidez. 
Ainda assim, acredita a atual secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino, tem sido mais fácil influenciar as políticas públicas e a agenda política desde que há mais deputadas. “Sem dúvida que [o facto de haver] mais mulheres na decisão traz para a agenda política matérias que têm a ver com as suas vivências. Ser homem ou mulher influencia a vida das pessoas. As mulheres têm preocupações que têm a ver com o seu papel social”, diz, em entrevista ao Dinheiro Vivo. Ao mesmo tempo, há “um alargamento da preocupação com estas questões, em função daquilo que é o espectro político”, nota. “Antes, estas questões da igualdade eram muito da esquerda. Hoje, podemos dizer que não têm uma marca de esquerda ou de direita”. Exemplo disso, sublinha, foi a votação para a revogação da lei relativa ao pagamento de taxas moderadoras no aborto voluntário, na qual deputados e deputadas de direita votaram a favor.

A cronologia em baixo mostra os avanços que foram feitos na legislação que protege os direitos das mulheres. E mostra também várias tendências: um período rico em alterações legislativas, após o 25 de Abril, um período quase deserto de progressos, nas legislaturas Cavaco Silva e António Guterres, e um novo período importante, desde que foi publicada a Lei da Paridade. 
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Por votar estão, ainda, os projetos de lei do PS, BE, PEV e PAN, que alargam o acesso à procriação medicamente assistida a todas as mulheres, independentemente da orientação sexual e estado civil. A iniciativa do BE vai mais longe e prevê a maternidade de substituição “a título excecional”, como é o caso de mulheres sem útero, por exemplo. Os diplomas deveriam ter sido votados em novembro do ano passado, mas acabaram por baixar à comissão parlamentar de Saúde, sem votação, por um período de 90 dias. A discussão destes projetos está, assim, agendada para fevereiro.

A caminho da paridade
O gráfico ao lado mostra a atual composição do Parlamento. Se tudo correr bem, Elza Pais acredita que estes números serão mais equilibrados num futuro próximo. “Tivemos recentemente uma ministra das Finanças, temos uma ministra da Justiça e uma ministra da Administração Interna, pastas tradicionalmente ocupadas por homens. As mulheres estão aí e estão aí em qualquer dossier”, afirma. No futuro, quando a Lei da Paridade for avaliada, defende que deve estabelecer-se um mínimo de 40% de mulheres no Parlamento. “Claro que o ideal seria os 50%”. E as medidas para a igualdade não vão ficar por aqui, nem vão limitar-se à política. No programa de Governo, o PS expressa a intenção de “promover o equilíbrio de género no patamar dos 33% nos cargos de direção para as empresas cotadas em bolsa, empresas do setor público e administração direta e indireta do Estado e demais pessoas coletivas públicas”. As novidades neste campo estão para “breve”, prometeu já a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino.


* Uma análise cheia de interesse.


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