Um país assim
não sobrevive
O recente mas insistente discurso de Álvaro Santos Pereira sobre a urgência da reindustrialização do país fez-me voltar atrás mais de 30 anos, às aulas da professora Lígia. No final dos anos 70, a minha professora primária apresentava-nos um país onde a agricultura, a indústria e os serviços tinham, mais coisa menos coisa, o mesmo peso na economia. Ou seja, o setor primário ainda pesava mais de 30% e o setor terciário ainda só pesava cerca de 30%.
Estes dados só tinham, naquela sala de aula, um objetivo: mostrar
como Portugal, em comparação com outros países muito mais desenvolvidos,
ainda tinha muita gente a trabalhar no campo e nas fábricas e quase
ninguém nos serviços, nos bancos ou no comércio. Por outras palavras, a
professora Lígia apresentava-nos, a nós miúdos da escola primária, um
triste fado, um país do passado, onde o peso da agricultura e da
indústria mais não era do que um sinal de atraso, mas também um desafio,
o da terciarização como única via para o desenvolvimento.
Hoje,
30 e tal anos depois, o vaticínio (infelizmente) confirma-se. Em 2010, a
população empregada no setor primário já era inferior a 11%, era de
mais de 60% no setor terciário e de apenas 27% no setor secundário. Mas a
desindustrialização e a supremacia dos serviços em relação à indústria
surgia, há 30 anos, associada a uma evolução da economia portuguesa para
níveis de desenvolvimento superiores, uma teoria que, verifica-se
agora, não podia estar mais errada.
A crise económica pôs a nu as
fragilidades do modelo de crescimento português, aliás, a atual cise
económica foi o detonador do debate sobre a necessidade de
reindustrializar o país, de devolver à indústria o papel de motor da
economia e de gerador de emprego.
A política industrial voltou ao
topo da agenda na Europa e agora, também em Portugal, o Governo,
através do ministro da Economia, aparece empenhado em ressuscitar das
profundezas a indústria nacional. Mas falar é fácil. Nos últimos 20
anos, com a adesão de Portugal à moeda única, o peso da indústria no PIB
esfumou-se e só na última década perderam-se mais de 100 mil empregos.
Uma situação que, no atual contexto, de descapitalização das empresas e
de escassez de empresários, só tende a piorar. Esta é a verdadeira
reforma que Portugal precisa fazer e o Governo devia empenhar-se em
mostrar isso, desde já, à troika. Um país não se reindustrializa em meia
dúzia de anos e já chega de perder tempo, porque, como bem disse o meu
professor João Ferreira do Amaral, um país não pode sobreviver assim.
IN "DINHEIRO VIVO"
03/12/12
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