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IN "OBSERVADOR"
01/07/19
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Um Estado em (quase)
estado de coma
Um colapso financeiro resolve-se com dinheiro. Um colapso no
funcionamento do Estado é um problema muito mais difícil de resolver e
tem custos muito mais elevados.
Há uma famosa história, que ilustra os limites da
disciplina financeira e que se ajusta bem à nossa política orçamental.
Metáfora para a reputação – ao que parece injusta – de avareza dos
escoceses, conta-se que quando o cavalo do escocês aprendeu a não comer,
morreu. Os excessos que tivemos na política orçamental na era da
troika, por via do corte de salários da função pública e aumento de
impostos, assumem agora a faceta de excessos de cortes do lado da
despesa de funcionamento do Estado.
Estamos a prosseguir, e bem, o caminho de rigor orçamental iniciado
em 2008, ainda antes do pedido de apoio financeiro ao FMI e à União
Europeia. A primeira fase dessa estratégia passou por violentas reduções
dos salários da função pública e violentos aumentos de impostos, com o
impacto conhecido de queda da actividade económica, tudo indica que para
além do que seria necessário. Cada euro de corte ou aumento de impostos
contribuiu menos para a redução do défice por via do mergulho que
provocou na economia.
Esta segunda fase de política orçamental
contraccionista apoiou-se mais na redução das despesas de funcionamento
do Estado e no aumento de impostos que são menos visíveis – veja-se, por
exemplo, as alterações que se fizeram à tributação dos recibos verdes.
Do ponto de vista da política de gestão de expectativas e do apoio
popular é uma estratégia mais eficaz.
Enquanto se diz que acabou a
austeridade, revertendo os cortes salariais na função pública e os
aumentos mais visíveis de impostos, como a sobre-taxa de IRS, corta-se
violentamente nas despesas de funcionamento e no investimento de
reposição de equipamentos. Restringe-se violentamente as contratações,
ao mesmo tempo que se anuncia a integração de todos quantos estão no
Estado a recibos verdes e se reduz o horário semanal de trabalho.
Limita-se violentamente a margem de manobra dos dirigentes do Estado,
incluindo as empresas públicas, ao mesmo tempo que se exigem resultados.
Adiam-se investimentos de reposição de equipamentos, como é bastante
visível no caso dos transportes, ao mesmo tempo que se fazem descontos
muito significativos no preço dos passes que são impossíveis de suportar
pelo Estado, como o tempo o demonstrará.
Os alertas, que aqui
foram feitos, para os riscos desta estratégia para o funcionamento do
Estado foram sendo desvalorizados com as habituais acusações de se estar
contra o Governo. Neste momento tornou-se praticamente impossível
disfarçar que o Estado está em colapso operacional.
A estratégia
seguida por Mário Centeno teria menos custos para os serviços públicos
se, ao mesmo tempo, fossem concretizadas mudanças de organização e
estrutura do Estado. É o caso da Saúde. O grave erro de reduzir o
horário semanal de 40 para 35 horas teve efeitos especialmente nefastos
no sector da Saúde e somou-se a problemas organizacionais e ausência de
mudanças, sucessivamente adiadas. O caso das maternidades,
que vão encerrar as urgências rotativamente este Verão, são um exemplo
de falta de recursos mas também de adiamento de reformas. Era Correia de
Campos ministro da Saúde quando se tentou racionalizar esta área e, só
hoje, em colapso, se caminha para o encerramento das urgências da
Maternidade Alfredo da Costa que, já na altura, os especialistas
entendiam que devia fechar.
O caminho que o Governo fez é, até
agora, um sucesso financeiro. O défice reduziu-se para valores
historicamente baixos e estamos a conseguir baixar a dívida pública de
forma a ficarmos mais abrigados de uma futura tempestade financeira. Mas
a estratégia seguida está a afectar negativamente e seriamente os
serviços públicos básicos, com especial relevo para a Saúde. Um custo
que pode ser demasiado elevado. Um colapso financeiro resolve-se com
dinheiro. Um colapso no funcionamento do Estado é um problema muito mais
difícil de resolver e tem custos muito mais elevados. Podem ser
invisíveis durante uns tempos, mas não são invisíveis todo o tempo.
Pode-se
“aprender a não comer” por falta de dinheiro até a um determinado ponto
e se formos livres para procurar comida podemos fazê-lo,
individualmente. Como muitos de nós o fez no passado, procurando
individualmente oportunidades quando perdeu o emprego ou viu o seu
salário ser cortado. Mas o Estado, por si só, não consegue ir buscar
dinheiro sem ser ao Tesouro. Podemos pagar caro esta estratégia popular
de redução do défice público. Esperemos que ainda se vá a tempo de não
matar o doente (ou o cavalo) com a dieta.
IN "OBSERVADOR"
01/07/19
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