.
IN "OBSERVADOR"
03/03/19
# Se desejar ler o artigo de JOANA BENTO RODRIGUES basta clicar no nome.
.
Uma súbita náusea
Uma professora foi agredida mas dessa violência não se fala.
Carlos César diz que “a igreja tem de pôr a mão na consciência” sobre os
abusos de menores e o país cala... São os dias da súbita náusea.
Náusea. Carlos
César diz que “a igreja tem de pôr a mão na consciência” sobre os
abusos de menores. Carlos César diz que “a igreja portuguesa se tem
mantido em silêncio no que toca a abusos sexuais e pedofilia”, mas é
hora de “meter a mão na consciência”. Aliás, o Presidente do Partido
Socialista diz mesmo que “em Portugal parece que não se passou nada”.
Por uma questão de higiene não vou comentar o conteúdo destas palavras
de Carlos César. Por uma questão de memória futura deixo um aviso: um
país em que uma personagem como Carlos César tem um ascendente crescente
é um país cujo regime se torna mais opaco. E também mais desabridamente
boçal. Já foi assim na crise gerada pelo Estatuto dos Açores em 2008 e
os anos apenas acrescentaram essa atitude de sobranceira impunidade que
caracteriza Carlos César: a forma como actuou na não recondução de Joana
Marques Vidal em 2018 e agora esta declaração sobre o silêncio da
Igreja portuguesa “no que toca a abusos sexuais e pedofilia” mostram
como Carlos César sabe que cada vez menos pessoas têm coragem para
perguntar: quando chega a hora de o PS “meter a mão na consciência”?
Combates selectivos. “Uma
professora da Escola Básica da Torrinha, no Porto, foi agredida ‘a soco e
pontapé’ à porta do estabelecimento por uma encarregada de educação,
revelou esta quinta-feira à Agência Lusa fonte da PSP. De acordo com a
mesma fonte, o incidente ocorreu quarta-feira e a PSP foi chamada ao
local cerca das 10h50, tendo a vítima apresentado queixa junto daquela
força policial. A professora, de 45 anos, também se dirigiu ao hospital
de Santo António, no Porto, para receber assistência médica.”
Se
usarmos para esta agressão a grelha actualmente em voga para a violência
dita doméstica temos de perguntar também se a agressora já foi
interrogada e sujeita a alguma medida cautelar. E claro indagar a que
resultados chegaram, por exemplo, os 87 inquéritos de agressões contra
professores que o Ministério Público de Lisboa abriu em 2017. Houve
condenações? E se houve estas resumiram-se às penas suspensas e multas
do costume ou foram aplicadas medidas de prisão? E os juízes o que
escreveram nos acordãos? Citaram a Bíblia, Piaget ou Freinet? Há juízes
reincidentes na absolvição dos agressores de professores? Como se chamam
esses juízes?… Vamos usar esta táctica de pressão e fulanização dos
juízes nos casos das agressões aos professores ou este tipo de
argumentário só é válido quando está em causa o tema em agenda?
Há algo de esquizofrénico na presente parcelização da violência: a
única violência de que se fala é a doméstica. Vamos ter mesmo na próxima
semana um dia de luto nacional pelas vítimas de violência doméstica. As
outras vítimas de violência não merecem atenção? A violência entre os
jovens é uma espécie de elefante no meio da sala e assim vai continuar
até que um facto mais grave obrigue a que se deixe de fazer de conta que
não está a acontecer nada. A violência exercida sobre as figuras de
autoridade, de que os professores são o exemplo mais evidente mas que
também atinge funcionários das escolas, pessoal de saúde e polícias, é
subestimada quer nos números, quer nas consequências.
Mas paremos para
pensar um pouco: o que será um professor ter de voltar a enfrentar a
turma em que um dos alunos o esmurrou? Ou em que um pai lhe deu uma
cabeçada que o fez desmaiar? Ou em que uma mãe o pontapeou? Qual o
impacto dessas agressões no comportamento e nas vidas dos alunos que
assistiram a esses momentos umas vezes aterrorizados, outras na galhofa,
outras desviando o olhar?
E quando se enfrentará finalmente a violência sofrida pelos habitantes da zonas rurais, vítimas de inenarráveis assaltos
às suas casas e aos seus bens? Quantas declarações de responsáveis
políticos ouvimos sobre a vaga de assaltos que em 2018 se registou nas
zonas de de Leiria, Marinha Grande, Pombal, Figueira da Foz e Coimbra “29
idosos amarrados, torturados e violentamente agredidos. As pessoas nem
tinham tempo de reagir. Eram acordadas bruscamente e começavam a
bater-lhes. Havia quem dissesse logo onde estava o dinheiro implorando
que as deixassem, mas eles não queriam saber e continuavam (…) Em julho o
pesadelo calhou a um casal do Pombal e a mulher, de 85 anos, foi de tal
forma espancada que não resistiu e morreu. Noutro caso, em junho, os
assaltantes agrediram e torturaram uma das vítimas, durante mais de uma
hora e meia“. Recordo aliás que estes assaltos acabaram a ter
alguma notoriedade porque os seus autores fugiram por uma janela do
tribunal. E será que desta vez os assaltantes-agressores vão ser
condenados a uma simpática pena suspensa por roubos agravados como já
acontecera a um deles no passado?
Que sentido faz fixarmo-nos num tipo de violência e fechar os olhos à restante?
Demagogia. As mulheres têm de
se afirmar. Têm de perder o medo. Têm de ter voz própria…. Tudo isto
claro se for para dizerem o que se espera. O que está previsto. E apenas
isso. A reacção ao artigo de Joana Bento Rodrigues
é um bom exemplo do que se pode definir como liberdade guionada: quando
não se respeita o guião gera-se o escândalo. Agora como no passado é
essencial o respeitinho das mulheres pelo guião que deve reger as suas
vidas e opiniões.
PS. Não se pode fazer uma
petição pelo fim dos desfiles de Carnaval das escolas? Que mal terão
feito as crianças de hoje para terem de andar a correr as ruas das suas
localidades vestidas de lixo poluente, alga feliz, alimento saudável… ou
outro item igualmente cheio de mensagem? Quando dentro de alguns anos
se fizer o retrato do nosso tempo este intrusismo didáctico dos adultos
nas brincadeiras infantis vai estar lá como um dos traços mais
perturbantes.
IN "OBSERVADOR"
03/03/19
# Se desejar ler o artigo de JOANA BENTO RODRIGUES basta clicar no nome.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário