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HOJE NO
"O JORNAL ECONÓMICO"
Grandes empresas nacionais continuam a ser compradas por estados estrangeiros
As grandes empresas nacionais são controladas por grupos forasteiros. É o resultado da falta de capital e da economia liberal. Mas desde há uns anos, algumas foram compradas por estados estrangeiros.
Primeiro, no final do século passado, início do presente, veio o
‘Compromisso Portugal’, uma plataforma de empresários nacionais que
defendia a manutenção dos Centros de Decisão Nacional (CDN) em mãos
portuguesas e se propunha contrariar a venda de empresas lusas a
concorrentes estrangeiros. A iniciativa terminou com poucos resultados e
alguns dos promotores da iniciativa a vender os ativos a grupos fora de
portas.
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Depois, a partir de 2008, veio a crise e a
troika, e entre as regras impostas de fora e a falta de capitalização
interna, ocorreu mais uma vaga de vendas de empresas portuguesas
estratégicas ao estrangeiro, desde privatizações decididas pelo Estado a
alienações de empreendedores privados sequiosos de liquidez. E, nesta
fase, não só as antigas empresas de referência do empresariado nacional
foram parar a mãos de estrangeiros, como passaram algumas delas a ser
dominadas por estados ou instituições estatais estrangeiras.
Nos
últimos anos, grandes exemplos dessa tendência são a entrada da empresa
estatal chinesa estatal Three Gorges no capital da EDP (que tem agora
em curso uma Oferta Pública de Aquisição [OPA] sobre 100% do capital da
elétrica portuguesa), e de outra empresa estatal da China, a State Grid,
na REN – Redes Energéticas Nacionais. Aliás, a REN tem como outro
acionista de referência a Oman Oil, empresa estatal de Omã, no Golfo
Pérsico. Muitos anos antes, já a concessão do terminal de contentores no
porto de Sines (Terminal XXI), considerado outro ativo estratégico para
a economia do país, foi atribuído à PSA, uma empresa estatal de
Singapura. E, mais recentemente, na sexta-feira passada, o grupo
brasileiro Camargo Corrêa decidiu vender a operação da Cimpor em
Portugal e em Cabo Verde ao OYAK, o fundo de pensões das Forças Armadas
da Turquia, por um valor que a Reuters indicou ser de 700 milhões de
euros
São apenas alguns exemplos de uma realidade que parece incontornável e
dificilmente reversível, que não se limita apenas à energia, às
infraestruturas ou aos cimentos, alastrando, em maior ou menor grau, a
outros setores vitais da economia, como a banca, e a outras
nacionalidades de acionistas, como angolanos ou europeus.
“Não
vejo que isso seja uma fatalidade ou resulte de uma estratégia
deliberada. Em grande parte, resulta da ação de fundos chineses, de uma
estratégia da China, que quer entrar na Europa pela via de Portugal, que
é uma porta franca e fácil, e porque os chineses são muito
conservadores e eles preservam e têm boa memória da relação de Portugal
com Macau. Mas não acredito que seja tudo pensado pelo presidente chinês
no seu gabinete”, defende o economista João Duque, em declarações ao
Jornal Económico.
Para este responsável, os fundos soberanos
estrangeiros não têm uma estratégia para dominar o país, apenas apostam
nas empresas nacionais por uma estratégia que passa pela análise do
rendimento, risco e diversificação de ativos. Por outro lado, esta
investida ocorre “porque estamos muito descapitalizados, o que é um
problema muito grande”.
Descapitalização e portas abertas
Para
João Duque, dificilmente voltaremos ao que éramos. “Não temos
capacidade agora. Também já não há mais nada para privatizar. Nem sequer
vejo como é que nos podemos chegar à frente contra estrangeiros, que
compram, vendem e retalham as empresas portuguesas”, assinala João
Duque, referindo que no caso da compra da Cimpor pelo fundo OYAK, é
necessário perceber que, “na Turquia, houve alterações muito
significativas em muito curto espaço de tempo de que ainda não nos
apercebemos na totalidade”.
João Duque reconhece que “não estou a
ver ninguém para reconstituir estas empresas, não vejo pessoas com
capacidade e capital para proceder a esse reordenamento” e entende que a
‘invasão’ será tolerada se for “de origens diversificadas”, isto é, se
não for controlada apenas por chineses e angolanos, por exemplo.
“Já
ficou tudo com os cabelos em pé com a OPA à EDP. Com a EDP e a REN,
quase todo o setor energético nacional fica nas mãos de chineses. Não é
possível ir à força, assim, vai ser muito difícil.
Estas coisas não se
fazem sem uma palavrinha ao primeiro-ministro, que não tem margem legal,
mas tem uma capacidade de persuasão. E que devia reunir com o ministro
da Economia e com os responsáveis destas empresas e propor-lhes, por
exemplo, que estas empresas devem permanecer ou passar a ser cotadas,
para que empresários e fundos de investimento portugueses pudessem
comprar ações e criar núcleos de acionistas”, defende João Duque.
Por
seu turno, Francisco Seixas da Costa confessa que “nunca estive
confortável com as decisões tomadas pela troika quanto ao destino das
empresas portuguesas”. “Não valorizo muito a história da nacionalidade
do capital: tem uma lógica de circulação difícil. Se não é capital
público e sejamos claros, não sou um defensor de capitais públicos por
todo o lado nenhum capital é obrigado a apresentar um cartão de cidadão
português”, acrescenta o diplomata.
“Se abrimos as fronteiras, as
fronteiras também têm de estar abertas ao capital. A partir do momento
em que o capital entra em mãos privadas, a possibilidade de esse capital
circular para mãos privadas é muito alta. Os fundos de pensões, os
fundos soberanos, não têm nacionalidade nem têm de ter. E também não têm
de ter nenhuma racionalidade específica, no seu comportamento, na
defesa dos interesses nacionais do país a que originalmente a empresa
está ligada. Quando aceitamos a abertura de capital a estrangeiros,
sujeitamo-nos às consequências. E isso não é bom nem é mau: é o
sistema”, resume Seixas da Costa.
No caso mais recente da
cimenteira portuguesa, o diplomata pergunta: “Há capital português para
ficar com a Cimpor? Há alguém cá [em Portugal] disponível para ficar com
o capital, que dê uma espécie de carinho português à Cimpor?” E
responde logo de seguida: “Não há! A Camargo Corrêa, que agora está numa
situação difícil no Brasil, comprou a Cimpor provavelmente na
perspetiva de alavancar uma presença europeia numa empresa portuguesa
muito sólida. Como a Camargo Corrêa entrou em crise, os seus ativos
naturalmente entram no mercado. E vai lá quem pode”.
Para o
diplomata “seria ideal que houvesse um grupo português com dinheiro –
mas com financiamento onde? Qual é o banco português para lhe dar
financiamento? Para além da CGD, há banca portuguesa? O BCP não é um
condomínio entre a China e Angola? O Novo Banco é propriedade de um
fundo norte-americano que o pode vender daqui a dois anos. O BPI está na
mão dos espanhóis do La Caixa. O Santander é o Santader. Qual seria o
apoio de natureza financeira que um eventual grupo português podia ter
para ir à compra da Cimpor?”
“Em situações como esta, que é a
venda a um fundo turco, temos de aceitar com alguma normalidade. Isto é o
mundo da economia liberal em que vivemos”, defende Seixas da Costa,
acrescentando que “deixámos de ter capacidade para influenciar os grupos
portugueses”, os quais “não são conduzíveis para uma espécie de caminho
em defesa do interesse nacional em termos de investimento”. “Não vale a
pena ter juízos de valor sobre o assunto”, garante este responsável.
“E
em matéria de qualidade dos fundos – entre turcos e noruegueses, por
exemplo – devo dizer que eles próprios obedecem a uma regulação de
mercado e respondem a lógicas de mercado. Quando um fundo deste tipo sai
de uma empresa, obedece quase a um mecanismo informático: o
investimento deixou de dar determinado rendimento e por isso as agulhas
mudam – até para que a qualidade do fundo não seja afetada. Se eles
escolhessem investimentos diferentes por razões fora da lógica
económica, eles próprios seriam punidos”, conclui Francisco Seixas da
Costa.
* E as ilacções que se tiram?
- Que os governos têm deixado vender o país porque a banca e os patrões portugueses não têm estaleca para os invasores estrangeiros. Saliente-se a arrogância com que o patronato destrata os seus empregados em contraste com os "miados" frente à concorrência do exterior.
- Que os governos vidrados na economia liberal deixaram os "grandes emprendedores" nacionais abocanhar a área de serviços, transportes e distribuição, negligenciando os outros sectores da economia.
- Que os governos fragilizam as poucas empresas públicas que restam para as vender a preço de saldo de novo ao estrangeiro. Descuram sectores chave como a educação e a saúde. Há mais de 2 milhões de portugueses pobres.
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