09/02/2016

CLARA SOARES

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Você tem 'Aminimigos'?

Se acha encantadora a pessoa que trabalha ao seu lado mas há dias em que nem a pode ver ou se sente traido(a) por ela, a resposta é sim. E então? Tire partido disso, sugerem alguns estudos

Should I stay or should I go now?
If I go there will be trouble
And if I stay it will be double
So you gotta let me know
Should I stay or should I go?

The Clash, 1982

Quantas vezes já deu por si a pensar naquela pessoa com quem gosta imenso de estar e partilhar coisas mas que, ao mesmo tempo, se afigura insuportável, ao ponto de não poder sequer pensar nela sem ficar com os nervos à flor da pele? 
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Afinal, um amigo é um amigo. Um bem precioso, cujo valor não tem preço. Uma amizade digna desse nome não se resume a um serviço de conveniência, nem a puras questões estratégicas, por vezes associadas a questões de honra, que levam tanta gente a enfatizar o lema "amigo do seu amigo", como uma prova de lealdade inequívoca e uma aliança forte, que perdura nos bons e nos maus momentos. 

Já um inimigo é outra coisa. Um rival. Aquele de quem é preciso guardar distância. Ou fazer-lhe frente, mas de mansinho, com diplomacia, ou "luva branca". Porque os sentimentos de rivalidade e vingança se servem a baixa temperatura e, de preferência, com a elegância que distingue a segurança e a superioridade moral imbatíveis. 

O problema do contacto com alguém que parece simultaneamente amigo e inimigo reside na dificuldade, ou no imenso desafio, em nos separarmos dele. Como se estivéssemos condicionados, por via de um qualquer estranho reforço intermitente - como o psicólogo americano B.F. Skinner tão bem ilustrou no século passado - que nos faz ficar "fixados" nessa pessoa de duas caras, à mercê da ambivalência, da incerteza e das consequências imprevisíveis. 

Cunhado no ano de 1953, o termo frenemy terá aparecido num artigo do jornal americano de Nevada, em que se fazia alusão aos russos enquanto aminimigos dos EUA. Umas largas décadas depois, o termo foi título de filmes - caso da Disney, há quatro anos, e que em Portugal foi traduzido por Aminimigos - em que, invariavelmente, o conflito é personificado no feminino. A mítica amizade feminina posta à prova, perante uma situação de competição (por um potencial parceiro amoroso, um posto de trabalho, etc). Numa versão pop e antifeminista, é o clássico "as mulheres partilham tudo umas com as outras mas à mínima oportunidade são 'cabras' umas para as outras". 

Na versão masculina, o tema assume outros contornos e, com expressões do tipo "tenho-o em grande conta mas nunca confiando, que ele é gajo para tirar o tapete a quem está ao seu lado, se vir ganhos nisso". Isto aplica-se à vida privada e pública, quando não a profissional. E eis que chegamos ao busílis da questão: com a proliferação de open spaces na arena profissional, a palavra ganhou peso e passou a ser encarada como fenómeno comportamental e, portanto, passível de estudo, seguido com atenção pelos media (pelo menos do outro lado do Atlântico). 

Vejamos a pesquisa de uma professora de comportamento organizacional, publicada na Harvard Business Review, no ano passado, e que diz, nada mais nada menos que isto: as ligações laborais que se pautam por uma atmosfera de amor e ódio podem tornar-nos melhores no trabalho. Como? Sim, é isso. Parece que esse "nunca saber ao certo com o que se conta" nos deixa mais atentos e predispostos a fazer ajustes no ângulo de visão ou na forma de pensar. Mesmo que à custa de algum dispêndio extra de adrenalina e cortisol, algo impróprio para cardíacos e adeptos da previsibilidade. 

Sim, os vínculos ambivalentes deixam-nos na corda bamba, um pouco à semelhança dos protagonistas de O Silêncio dos Inocentes: no filme de Jonathan Demme, nunca se sabe quando se tem a cabeça a prémio ao virar da esquina, mas não há como escapar aquela irresistível cumplicidade, que não se pretende trocar por nada. Ou são propícios a estados ruminantes e bloqueios emocionais - "Devo ficar ou partir?" - como no clássico composto por Mick Jones, vocalista da banda britânica de punk rock The Clash.
 
Os relacionamentos laborais, que nos ocupam cada vez mais tempo de vida, tendem a ser terreno fértil para o estabelecimento de aminimigos. Por serem arenas competitivas onde vigora o lema "cada um por si", a par do seu antídoto, o "não há como ter bons amigos no trabalho". Queremos destacar-nos e ser reconhecidos, mas queremos também ter aliados, forças protetoras e capazes de nos informar, apoiar e partilhar experiências e histórias, como nos tempos de escola. 

Este dilema entre "ter o bolo na mão e comê-lo" - ou cooperar e competir com quem convivemos durante dias, meses, anos - parece colocar-nos a todos à prova e, segundo os estudos de psicologia social, tornar-nos mais criativos. Numa versão mais prosaica, o cocktail de "mixed feelings" - ou sentimentos ambíguos - entre colegas obriga-os a sair da sua zona de conforto e a desafiar as nossas próprias noções de limite. Esperemos que sim, se não ficarmos loucos entretanto. Entre as sugestões mais engraçadas que encontrei nas pesquisas que empreendi, em publicações económicas, ficam estas, que sintetizo assim: 

Um aminimigo no trabalho vale mais do que um inimigo declarado, porque com o primeiro se podem ter benefícios inesperados. Aprenda a lidar com a ambivalência pelo lado positivo e sem culpas. E, já agora, procure outros tipos de ligação noutro lado. Em suma, e na gíria lusitana, embora socialmente incorreta, "Um olho no burro, o outro no cigano". 

* Jornalista e psicóloga

IN "VISÃO"
01/02/16

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