Você tem 'Aminimigos'?
Se acha encantadora a pessoa que trabalha ao seu lado mas há dias em que nem a pode ver ou se sente traido(a) por ela, a resposta é sim. E então? Tire partido disso, sugerem alguns estudos
Should I stay or should I go now?
If I go there will be trouble
And if I stay it will be double
So you gotta let me know
Should I stay or should I go?
The Clash, 1982
Quantas vezes já deu por si a pensar
naquela pessoa com quem gosta imenso de estar e partilhar coisas mas
que, ao mesmo tempo, se afigura insuportável, ao ponto de não poder
sequer pensar nela sem ficar com os nervos à flor da pele?
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Afinal,
um amigo é um amigo. Um bem precioso, cujo valor não tem preço. Uma
amizade digna desse nome não se resume a um serviço de conveniência, nem
a puras questões estratégicas, por vezes associadas a questões de
honra, que levam tanta gente a enfatizar o lema "amigo do seu amigo",
como uma prova de lealdade inequívoca e uma aliança forte, que perdura
nos bons e nos maus momentos.
Já um inimigo é outra coisa. Um
rival. Aquele de quem é preciso guardar distância. Ou fazer-lhe frente,
mas de mansinho, com diplomacia, ou "luva branca". Porque os sentimentos
de rivalidade e vingança se servem a baixa temperatura e, de
preferência, com a elegância que distingue a segurança e a superioridade
moral imbatíveis.
O problema do contacto com alguém que parece
simultaneamente amigo e inimigo reside na dificuldade, ou no imenso
desafio, em nos separarmos dele. Como se estivéssemos condicionados, por
via de um qualquer estranho reforço intermitente - como o psicólogo
americano B.F. Skinner tão bem ilustrou no século passado - que nos faz
ficar "fixados" nessa pessoa de duas caras, à mercê da ambivalência, da
incerteza e das consequências imprevisíveis.
Cunhado no ano de 1953, o termo frenemy terá
aparecido num artigo do jornal americano de Nevada, em que se fazia
alusão aos russos enquanto aminimigos dos EUA. Umas largas décadas
depois, o termo foi título de filmes - caso da Disney, há quatro anos, e
que em Portugal foi traduzido por Aminimigos - em que,
invariavelmente, o conflito é personificado no feminino. A mítica
amizade feminina posta à prova, perante uma situação de competição (por
um potencial parceiro amoroso, um posto de trabalho, etc). Numa versão
pop e antifeminista, é o clássico "as mulheres partilham tudo umas com
as outras mas à mínima oportunidade são 'cabras' umas para as outras".
Na
versão masculina, o tema assume outros contornos e, com expressões do
tipo "tenho-o em grande conta mas nunca confiando, que ele é gajo para
tirar o tapete a quem está ao seu lado, se vir ganhos nisso". Isto
aplica-se à vida privada e pública, quando não a profissional. E eis que
chegamos ao busílis da questão: com a proliferação de open spaces na
arena profissional, a palavra ganhou peso e passou a ser encarada como
fenómeno comportamental e, portanto, passível de estudo, seguido com
atenção pelos media (pelo menos do outro lado do Atlântico).
Vejamos a pesquisa de uma professora de comportamento organizacional, publicada na Harvard Business Review,
no ano passado, e que diz, nada mais nada menos que isto: as ligações
laborais que se pautam por uma atmosfera de amor e ódio podem tornar-nos
melhores no trabalho. Como? Sim, é isso. Parece que esse "nunca saber
ao certo com o que se conta" nos deixa mais atentos e predispostos a
fazer ajustes no ângulo de visão ou na forma de pensar. Mesmo que à
custa de algum dispêndio extra de adrenalina e cortisol, algo impróprio
para cardíacos e adeptos da previsibilidade.
Sim, os vínculos ambivalentes deixam-nos na corda bamba, um pouco à semelhança dos protagonistas de O Silêncio dos Inocentes: no
filme de Jonathan Demme, nunca se sabe quando se tem a cabeça a prémio
ao virar da esquina, mas não há como escapar aquela irresistível
cumplicidade, que não se pretende trocar por nada. Ou são propícios a
estados ruminantes e bloqueios emocionais - "Devo ficar ou partir?" -
como no clássico composto por Mick Jones, vocalista da banda britânica
de punk rock The Clash.
Os relacionamentos
laborais, que nos ocupam cada vez mais tempo de vida, tendem a ser
terreno fértil para o estabelecimento de aminimigos. Por serem arenas
competitivas onde vigora o lema "cada um por si", a par do seu antídoto,
o "não há como ter bons amigos no trabalho". Queremos destacar-nos e
ser reconhecidos, mas queremos também ter aliados, forças protetoras e
capazes de nos informar, apoiar e partilhar experiências e histórias,
como nos tempos de escola.
Este dilema entre "ter o bolo na mão e
comê-lo" - ou cooperar e competir com quem convivemos durante dias,
meses, anos - parece colocar-nos a todos à prova e, segundo os estudos
de psicologia social, tornar-nos mais criativos. Numa versão mais
prosaica, o cocktail de "mixed feelings" - ou sentimentos ambíguos -
entre colegas obriga-os a sair da sua zona de conforto e a desafiar as
nossas próprias noções de limite. Esperemos que sim, se não ficarmos
loucos entretanto. Entre as sugestões mais engraçadas que encontrei nas
pesquisas que empreendi, em publicações económicas, ficam estas, que
sintetizo assim:
Um aminimigo no trabalho vale mais do que um
inimigo declarado, porque com o primeiro se podem ter benefícios
inesperados. Aprenda a lidar com a ambivalência pelo lado positivo e sem
culpas. E, já agora, procure outros tipos de ligação noutro lado. Em
suma, e na gíria lusitana, embora socialmente incorreta, "Um olho no
burro, o outro no cigano".
* Jornalista e psicóloga
IN "VISÃO"
01/02/16
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