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"OJE"
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“A fiscalização, e consequentes penalizações, continuam a falhar”
Salvador e a sua Associação conhecem como poucos a causa da Mobilidade Reduzida. Por ela, lutam há mais de uma década e em várias frentes. Tudo em prol de uma maior igualdade de oportunidades.
Quando, em 2003, cria esta Associação com o objetivo de
promover a integração das pessoas com deficiência motora na sociedade e
melhorar a sua qualidade de vida, que país encontrou? Portugal era então
um país ativo e solidário para com esta causa?
No meu entender, Portugal sempre foi um país solidário com as causas
sociais.
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No entanto, nessa altura, existia um maior desconhecimento e
discriminação relativamente às pessoas com deficiência. Antes de ter
sido adotada a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência na
Assembleia Geral das Nações Unidas em finais de 2006 (foi depois
ratificada por Portugal, em 2009), a deficiência era percecionada como
uma característica inerente à pessoa (ex.: falta de visão, locomoção,
falta de audição, etc.). Depois da Convenção, passou a existir uma nova
abordagem na qual a deficiência é o resultado da interação entre a
pessoa e o meio em que está inserida. Penso que foi um ponto de viragem e
um alerta para a sociedade. De facto, se forem criadas acessibilidades,
igualdade de oportunidades no acesso ao ensino e ao mercado de
trabalho, se não existir preconceito, as pessoas com deficiência motora
conseguem viver uma vida perfeitamente normal. Nos últimos dez anos, tem
havido uma evolução e um aumento da solidariedade; no entanto, existe
ainda um longo caminho a percorrer, para se passar da palavra à ação.
Há pouco mais de uma década, quais eram as maiores
necessidades das pessoas com deficiência motora? E em que áreas a
sociedade revelava as maiores lacunas?
As principais lacunas são criadas pela sociedade e consistem na falta de
acessibilidades e no preconceito, devido ao desconhecimento que existe
em relação às capacidades das pessoas com deficiência motora.
Os acessos aos edifícios públicos e privados, sobretudo aos
que têm serviços em áreas cruciais como a saúde e o ensino, e as
condições da via pública foram sempre os que mais se evidenciaram pela
negativa. Continuam a ser focos problemáticos?
Esta continua a ser, sem dúvida, uma área onde há muito por fazer.
Apesar de existir um decreto de lei de 2006 que obriga os espaços a
tornarem-se acessíveis, sendo o prazo limite para adaptação o final
deste ano de 2016. É certo que continuam a ser realizadas obras, nascer
edifícios e a abrir espaços sem acessibilidades e a fiscalização, e
consequentes penalizações, continuam a falhar.
E no contexto da luta pelas acessibilidades nasceu o site Portugal Acessível? Em que consiste e em que medida ajuda as pessoas?
O Portugal Acessível é um guia que disponibiliza informação sobre
acessibilidades físicas em diferentes tipos de espaços, desde
alojamento, restaurantes, praias, a outro tipo de serviços. Tem dois
objetivos essenciais: por um lado, sensibilizar os espaços para a
importância de serem criadas acessibilidades, uma vez que os mais de
3.500 espaços foram visitados presencialmente, e por outro,
disponibilizar informação fidedigna às pessoas com deficiência motora
sobre locais que podem frequentar sem os habituais constrangimentos com
que se defrontam no dia a dia.
E ainda nesta área, apostaram no projeto Lisboa Acessível,
aprovado no Orçamento Participativo da Câmara Municipal de Lisboa (CML)
em 2012. Como tem evoluído? Que balanço é possível fazer?
O projeto Lisboa Acessível, que submetemos em 2012 ao Orçamento
Participativo da CML, pretende constituir o exemplo daquilo que deve ser
uma cidade acessível.
Escolhemos um eixo central da cidade de Lisboa,
entre Entrecampos e o Marquês de Pombal, e propusemos que se tornasse
livre de barreiras: passadeiras rebaixadas, passagens de autocarro
acessíveis e remoção de obstáculos no passeio. Apesar de o regulamento
prever que os projetos aprovados têm 18 meses para se concretizar (maio
2014), apenas agora as obras começam a avançar e com alterações
introduzidas pela CML face ao projeto inicial. Estamos desiludidos com a
demora, até porque foi um projeto submetido por um conjunto de nove
parceiros (instituições relacionadas com a deficiência), mas muito
expectantes.
A estas áreas juntou ainda a área do emprego e trabalha
ativamente na inclusão das pessoas com deficiência no mercado laboral.
Como são recebidas estas pessoas no mercado nacional?
Algumas entidades não se encontram tão abertas a uma empregabilidade
inclusiva como seria desejável, o que se deve, por vezes, à falta de
acessibilidade dos edifícios ou desconhecimento relativamente à
deficiência motora e implicações que esta pode ter na execução de um
trabalho. Felizmente, temos tido também bons exemplos de empresas com
políticas de integração profissional mais inclusiva, com quem temos
vindo a trabalhar, como a L’Oréal e a SAP. Temos verificado através da
nossa intervenção, que a sensibilização detém um papel importante no que
diz respeito à desmistificação da ideia pré-concebida de que
deficiência está intrinsecamente ligada ao conceito de incapacidade.
Isto leva a que haja cada vez mais uma maior abertura à integração
profissional de pessoas com deficiência motora no mercado de trabalho.
Esperamos continuar a contribuir ativamente para uma maior igualdade de
oportunidades para estas pessoas e para um mercado de trabalho mais
inclusivo e alerta para os aspetos relacionados com a responsabilidade
social.
A Associação tem levado as suas lutas até aos decisores
políticos? Na sua perspetiva, o que importa e urge ver melhorado através
da intervenção do Estado?
Temos abordado os decisores políticos relativamente a vários temas.
Considero que os mais prioritários são aqueles cuja mudança pode
conduzir a uma vida mais independente das pessoas com deficiência
motora: Acessibilidades – é o eterno tema que continua na ordem do dia.
Continuam a ser criados espaços sem acessibilidades, a lei prevê
demasiadas exceções e existem graves lacunas na fiscalização;
Assistentes pessoais – possibilidade de as pessoas com deficiência
poderem escolher entre ficar em casa com assistentes pessoais ou ser
institucionalizados (o valor que o Estado despende por cada pessoa com
deficiência num lar poderia, em alternativa, ser utilizado para pagar a
um assistente pessoal para que a pessoa possa viver em sua casa, com a
sua família, uma vida normal); Acesso ao mercado de trabalho – muitas
das pessoas com deficiência beneficiárias de pensões, não ponderam
voltar ao mercado de trabalho pela dificuldade que teriam em retomar
novamente a pensão caso fiquem desempregados. Este é um tema que tem que
ser simplificado; Valores reduzidos das pensões face às elevadas
necessidades das pessoas com deficiência.
Diante de todo este cenário, a Associação foi concebendo e
pondo em prática outros projetos que se estendem tanto ao desporto e à
sensibilização de empresas como a apoios materiais. Quais os principais
projetos em curso?
Atualmente, a Associação Salvador atua sobretudo em três áreas nas
quais apoia diretamente cerca de 300 pessoas por ano com deficiência
motora. Na Integração, através da atribuição de apoios diretos a pessoas
com deficiência motora carenciadas (criação do próprio negócio e
formação, obras em casa, desporto); na Integração Profissional
(sensibilização de empresas, acompanhamento e encaminhamento de
candidatos); na Promoção de Desporto Adaptado (dez modalidades); e
eventos de convívio.
Também atuamos na área da Sensibilização, realizando palestras em
escolas de todo o país, promovendo a prevenção rodoviária, e ainda
criámos uma série televisiva.
Na área do Conhecimento, promovemos a compilação e partilha de
informação através de conferências sobre temas relacionados com a
deficiência motora, manuais informativos e estudos.
E para tudo isto, a Associação tem de contar com mecenas, parceiros e outros apoios. Apesar da crise, este apoio tem-se mantido?
A sustentabilidade da Associação Salvador é garantida pela consciência
social das empresas, instituições e da população em geral. É crítica a
participação de todos, pois é pela junção de esforços que se conseguem
as verdadeiras mudanças. As empresas privadas e instituições continuam a
ser os nossos principais financiadores. No entanto, apesar de haver um
núcleo principal que se tem mantido, como a Fundação Calouste
Gulbenkian, Liberty Seguros, Locarent, Novo Banco, REN, Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa e Semapa, os valores têm vindo a ser reduzidos
pelo que temos que cada vez mais desenvolver outro tipo de iniciativas,
como a aposta na campanha de consignação do IRS ou a campanha “Barrete
Azul”, que desenvolvemos recentemente na altura do Natal.
Neste novo ano, por onde vão passar as lutas da Associação?
Vamos continuar a nossa luta por uma sociedade mais inclusiva, na qual as pessoas com deficiência possam ter
uma participação plena. O nosso objetivo é tirar as pessoas de casa,
potenciar os seus talentos e capacidades e torná-las mais ativas e
independentes em todas as vertentes: social, desportiva e profissional.
Por outro lado, continuaremos o nosso trabalho de sensibilização da
sociedade para acabar com o preconceito e criar igualdade de
oportunidades.
Uma das áreas em que vamos apostar cada vez mais é a da integração
profissional, através da sensibilização das empresas para as capacidades
das pessoas com deficiência e da orientação das pessoas com deficiência
motora para uma procura ativa de emprego.
* Um trabalho da jornalista SÓNIA BEXIGA
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